Juvandia Moreira: “Bolsonaro ameaça bancos públicos e quer acabar com programas sociais, empregos e economia”

Presidenta da Contraf/CUT externa preocupação de como o país ficará no período pós-pandemia. Segundo ela, por ser 100% pública, a atuação da Caixa Econômica Federal mostra o quão acertado é ter bancos públicos e o quanto é nociva a privatização

Juvandia Moreira, presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf/CUT), é um dos nomes de maior destaque do movimento nacional da categoria bancária. Ela é funcionária de carreira do Bradesco e já presidiu o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região. É natural de Nova Soure, no agreste baiano, e formou-se em Direito com pós-graduação em Política e Relações Internacionais.

Em entrevista ao portal da Fenae, realizada por canais digitais, a presidenta da Contraf/CUT foi direta ao ponto: “A Caixa é importante para o país”. Ela afirma que a população tem motivo de sobra para defendê-la e ao Banco do Brasil, uma das maneiras eficientes para contrapor-se à política de desmonte do patrimônio público imposto pelo governo Bolsonaro.

Para Juvandia Moreira, a forma omissa e irresponsável do governo de lidar com a pandemia está gerando desorganização e caos, inclusive nas agências bancárias de todo o país. Para vencer a crise, a presidenta da Contraf/CUT defende o resgate do conceito de Estado participativo, “para que ocorra o fortalecimento de propostas como a da Caixa pública, social e forte, essencial para a retomada da rota do desenvolvimento sustentável do país”. Isso é fundamental, segundo ela, para impedir que haja uma agressão direta ao Estado Democrático de Direito.

“A ameaça do atual governo aos programas sociais e aos bancos públicos visa acabar com os empregos e com a economia das regiões onde estão instalados. Um modelo que entrega o patrimônio público, as estatais, os bancos públicos e o sonho do povo de ter um país com soberania não serve para a classe trabalhadora”, denuncia.

Confira a entrevista com a presidenta Contraf/CUT:

Que avaliação pode ser feita sobre a atual crise e os impactos na economia do país?

Juvandia – O grande problema do Brasil é o Presidente da República. Ao invés de coordenar a crise, para ajudar o país a sair mais rapidamente da pandemia e a recuperar a economia, ele joga contra a política de isolamento social que no mundo inteiro foi adotada. Os países que não a adotaram tiveram um maior número de mortes do que os demais, assim como registraram uma queda acentuada da atividade econômica. Então a solução, não essa que o Bolsonaro está dando, é ter uma coordenação articulada com os estados e municípios, trabalhando para sair dessa pandemia o mais rapidamente possível. Infelizmente, o contrário disso é o que vem acontecendo no Brasil.

A ausência de planejamento por parte do atual governo aprofundará as mortes e a crise econômica, além de fazer com que o Brasil demore a superar os estragos provocados pelo coronavírus, não só agora, mas depois.

Todas as medidas adotadas pelo Congresso Nacional, ou nas esferas estaduais e municipais, decorrem da pressão que a sociedade civil, sejam centrais sindicais, entidades sindicais, associativas e partidos políticos, tem feito no sentido de buscar soluções. Assim foi com a renda básica emergencial, que o governo demorou a adotar, só ocorrendo depois de muita pressão, pois a equipe econômica de Bolsonaro defendia um valor muito pequeno, que era de R$ 200. A definição pelos R$ 600 só aconteceu depois de todo um processo de pressão e negociação. A falta de ação do governo, portanto, poderá causar prejuízos para a população e para a economia do país pós-pandemia.  

Juntos, seremos capazes de construir a grande Nação que o atual governo quer destruir. A unidade dos trabalhadores, somada à defesa dos interesses da população e da sociedade, é o caminho para combater as privatizações e defender o patrimônio público nacional. Defendemos uma agenda de desenvolvimento para o país, com mais investimento público e retorno do crescimento com distribuição de renda e justiça social.

Que papel a Caixa Econômica Federal joga nesse cenário contaminado por crises política e econômica?

Juvandia – A Caixa tem um papel muito importante nesse cenário de crise econômica. E, obviamente, está sofrendo as consequências da crise política e da falta de coordenação, como resultado de um governo inconsequente e irresponsável. A concentração na Caixa do pagamento do auxílio básico emergencial, que vínhamos dizendo não ser possível, porque é jogar praticamente metade da população brasileira nas costas de um único banco, é de uma irresponsabilidade muito grande. Essa política, inclusive, provoca as enormes filas e aglomerações registradas nas agências de todo o país.

Uma coisa fica evidente diante de tudo o que está acontecendo nesse cenário de pandemia: a Caixa é importante para o país. Os bancos públicos são instrumentos fundamentais para o desenvolvimento social e econômico. A população tem motivo de sobra para defender a Caixa e o Banco do Brasil, embora o governo tente, a todo momento, atacá-las, com o intuito de pavimentar o caminho da privatização. Quem sofre com essa política de terra arrasada é a população brasileira, sobretudo a mais carente. Por isso, temos a obrigação de defender a Caixa 100% pública, social e forte.

Não dá para aceitar que a Constituição seja rasgada e que haja uma agressão direta ao Estado Democrático de Direito. O conceito de Estado participativo precisa ser resgatado, para que ocorra o fortalecimento de propostas como a da Caixa 100% pública, essencial para a retomada da rota de desenvolvimento sustentável do país.

A ameaça do atual governo aos programas sociais e a bancos públicos como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil visa acabar com os empregos e com a economia das regiões onde estão instalados. Um modelo que entrega o patrimônio público, as estatais, os bancos públicos e o sonho do povo de ter um país com soberania não serve para a classe trabalhadora.

Como analisa os ataques perpetrados pelo governo contra os bancos públicos?

Juvandia – Esse governo tem um único objetivo: entregar o país para os interesses das multinacionais e do mercado financeiro, o que prova que essa turma não trabalha para a maioria da população. Isso fica claro em relação aos bancos públicos. Na reunião ministerial de 22 de abril, realizada com a participação do Presidente da República, o comportamento do ministro da Fazenda, [Paulo Guedes], atacando o Banco do Brasil e falando que tem de privatizar mesmo e logo, é nocivo para o país.

A solução que querem dar, agora e no pós-crise, é a de entregar o patrimônio público para o capital privado especulativo, cortando no bolso do trabalhador, das empresas públicas e das políticas públicas. Temos que nos organizar e lutar para que esse retrocesso não aconteça.

Os bancos públicos são importantes para o desenvolvimento regional. São essas instituições que garantem crédito para os munícipios e regiões mais pobres. A luta é por um Brasil mais justo, mais igualitário e melhor para toda a população. O movimento tem que ser no sentido de buscar o diálogo com a sociedade. É preciso combater essa política econômica do famigerado governo Bolsonaro.

Qual é a importância da Contraf/CUT, da Fenae, dos sindicatos e das Apcefs no enfrentamento da pandemia do coronavírus?

Juvandia
– A importância de entidades organizativas, como a Fenae, a Contraf/CUT, as associações e os sindicatos, é enorme. Na época do Temer, a mobilização desses setores foi decisiva para conquistar a liminar que impediu a privatização de estatais. Isso ajudou a segurar o processo privatista naquele momento, porque havia no governo Temer, como há no do Bolsonaro, o desejo de privatizar tudo. Não fosse essa pandemia, já teriam vendido o patrimônio público e atendido, assim, a esse apelo do mercado financeiro e das empresas estrangeiras.

Mais ou menos três anos atrás, a Contraf/CUT e a Fenae obtiveram uma vitória histórica no Supremo Tribunal Federal (STF). É que, em atendimento a um pedido das duas entidades, em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), houve a concessão de uma liminar impedindo o governo de privatizar empresas públicas sem autorização do Congresso Nacional. Ao fim de todo esse debate, a decisão da Corte estabeleceu que a venda de matrizes depende de aval legislativo, mas não a de subsidiárias.

Sem dúvida, além de constituir-se em uma iniciativa que mostra a necessidade das entidades nacionais dos trabalhadores, a conquista da liminar foi mais uma importante vitória na defesa da Caixa Econômica Federal 100% pública, do Banco do Brasil e das demais empresas públicas do país. E é justamente isso o que vêm fazendo diariamente as Apcefs e os sindicatos, travando debates com a população e participando de audiências públicas para estabelecer um diálogo com prefeitos, governadores, câmaras municipais e assembleias legislativas.

Como as desestatizações causam prejuízos irreparáveis ao país, as mobilizações das entidades representativas em prol do patrimônio público, das políticas públicas que beneficiam a população, dos empregos, contra a retirada de direitos e na defesa da vida assumem características cada vez mais relevantes. A pandemia é uma prova disso. Conseguimos colocar quase 300 mil trabalhadores em home office logo na primeira semana, assim que a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou orientações a respeito.

Começamos um processo de negociação no âmbito do sistema financeiro nacional e, em virtude disso, os bancários que estão em casa contam com máscara, álcool gel e barreira de acrílico, medidas adotadas por cobrança do movimento sindical. Então, nesse momento e sempre, a proteção à vida, à saúde, aos empregos e aos direitos de toda a categoria bancária é a grande tarefa exercida pelos movimentos sindical e social Brasil afora.

Como as entidades representativas devem agir para apresentar alternativas estruturais à atual conjuntura do país?

Juvandia – Uma das primeiras coisas a fazer é unir-se. Nossa unidade é fundamental para superar, pelo diálogo democrático, eventuais divergências pelo caminho, com respeito à diversidade, de modo a incorporar demandas específicas a uma agenda mais geral da sociedade. É a unidade que nos torna mais fortes na defesa da democracia, da soberania nacional e dos direitos dos trabalhadores, tendo em vista a existência de um monte de medidas provisórias atacando os direitos dos bancários e de outras categorias profissionais, com prejuízo também para diversos segmentos da sociedade civil brasileira.

Nossa unidade é importante ainda para propor um grande programa de recuperação da economia. Os prognósticos de entidades e institutos que estudam a economia apontam que a recessão será de 5% a 11%, em um cenário até otimista. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) fala que, no Brasil, haverá uma queda de 11% no Produto Interno Bruto (PIB). Até o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) diz que o desemprego crescerá de forma acelerada, chegando ao patamar de 15% a 25% após a pandemia.

Portanto, em um momento decisivo da história política brasileira, a união de todos os setores da sociedade é necessária para propor uma recuperação da economia, com a urgência que a conjuntura requer.

Para vencer a crise, o Brasil precisa crescer pelo menos em torno de 5% ao ano. Isso só será possível se o Estado intervir e investir. Esse crescimento, no entanto, deve basear-se em políticas de distribuição e não de concentração de renda, sem entrega do patrimônio público para o capital privado. Se for esse o procedimento adotado, o país terá condições de reagir e crescer economicamente, com empregos, salários e direitos dos trabalhadores preservados, e com ênfase na distribuição da renda e da riqueza em favor da maioria da população.

Defendemos também a taxação das grandes fortunas e uma reforma tributária progressiva, medidas essenciais para fortalecer o Estado. Somos a favor de políticas públicas e de investimentos em saúde, educação, ciência, tecnologia, infraestrutura. Os recursos públicos devem ser usados, não para beneficiar meia dúzia de ricos do mercado financeiro, mas sim a maioria da população. É isso que irá garantir que a renda seja distribuída e que se disponha de um crescimento sustentável, sem destruição do meio ambiente. Esse passo, combinado com uma política que coloque a vida e as pessoas em primeiro lugar, será decisivo para assegurar a participação democrática da sociedade na construção do país.

Que medidas ainda podem ser adotadas para impedir filas e aglomerações nas agências bancárias?

Juvandia – A descentralização é uma medida eficiente para acabar com as filas e aglomerações nas agências da Caixa, durante o processo combinado de pagamento da renda básica emergencial e de todos os programas sociais, hoje concentrados exclusivamente no banco. É praticamente impossível a uma única empresa, com demandas de 97 milhões de brasileiros ávidos para efetuar o cadastro e assim passarem a ter o direito a receber o benefício, solucionar situações criadas pela falta de planejamento do governo. Esse processo é agravado pelo fato da Caixa, hoje, ter perdido em torno de 17 mil empregados, demitidos nos últimos anos por meio de programas de desligamentos voluntários (PDVs) impostos pelos governos Temer e Bolsonaro.

O banco está com menos trabalhadores e encara a tarefa de atender muito mais gente de uma hora para outra, ficando impossível de dar conta dessa atribuição governamental sem sacrificar seus empregados. Essa é uma opção desse governo e da gestão da própria empresa, totalmente equivocada. Isso era o que dizíamos antes mesmo do programa ser anunciado e, naquele momento, já defendíamos a descentralização. Portanto, a decisão de concentrar o pagamento do auxílio emergencial na Caixa foi um grande erro e faz parte da agenda de descompromisso do atual governo para com a população brasileira.

O agendamento é outra grande medida que consideramos necessária. Trata-se de uma alternativa que fortalece o isolamento social, na perspectiva de que as pessoas devem ir ao banco apenas quando não houver outro jeito, garantindo assim um atendimento de qualidade e essencial, sem que a população, notadamente a parcela mais carente, tenha que ficar em filas e se exponha desnecessariamente. Para que as pessoas possam ficar em casa, de fato, o governo precisa viabilizar renda para todo mundo.

Em relação ao futuro, quais são as perspectivas para o setor público no Brasil?

Juvandia – São as piores possíveis por causa, principalmente, do atual governo e das ações de redução do Estado, entrega do patrimônio público, salários rebaixados e demissões de servidores. Em contraposição a esse modelo nefasto, porém, a sociedade, as entidades representativas e os trabalhadores têm o desafio de articular uma reação coordenada, com apresentação de uma proposta de retomada do crescimento econômico com distribuição de renda e geração de emprego. Os empregos devem ser sustentáveis, verdes e devem respeitar a qualidade de vida da população.

Lutamos ainda para que seja instituída, em caráter mais permanente, uma renda básica para toda a população brasileira. Ao Estado cabe ampliar os investimentos públicos para gerar emprego e fomentar as áreas de saúde, educação, habitação, desenvolvimento urbano, ciência, tecnologia. Enfim, é papel do Estado coordenar um processo que leve o país para outro patamar: inclusivo, democrático, focado em trabalho decente e em um projeto de desenvolvimento com integração regional e distribuição da renda e da riqueza.

Primeiro, antes de qualquer coisa, temos que tirar o governo Bolsonaro, completamente inapto para fazer as mudanças em favor de toda a população. É preciso pensar no país e nos interesses do ser humano, com respeito às diferenças, à democracia, à soberania nacional e que trabalhe em prol da cidadania. Fundamental, ainda, é a valorização dos servidores e do serviço público. Na luta contra o neoliberalismo e o autoritarismo, os trabalhadores, as trabalhadoras e o conjunto da população devem unir-se em torno de uma plataforma de resistência contra o retrocesso, para que o Brasil mude de rumo.

Não se pode dizer que uma Nação é soberana se não há emprego, se não há qualidade de vida, se não há desenvolvimento, se os bancos públicos não investirem em políticas públicas.

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