Justiça do Trabalho exige depósito para barrar os recursos protelatórios

O Estado de S.Paulo
Marta Salomon

Grandes estatais, empresas privadas e bancos são os principais alvos do depósito prévio a ser exigido de empregadores para apresentar um tipo de recurso comum na Justiça do Trabalho, cujo efeito é, na maioria dos casos, apenas para “ganhar tempo”. Lei à espera de sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva prevê depósito de R$ 5.622, mas esse valor é aplicado a cada recurso impetrado.

Isoladamente, o valor pode parecer pequeno para constranger empregadores a não recorrerem. Mas só a Caixa Econômica Federal, responsável por 2.282 recursos do tipo agravo de instrumento em tramitação no Tribunal Superior do Trabalho, teria de pagar cerca de R$ 13 milhões caso o depósito já estivesse em vigor. Se o depósito fosse aplicado sobre todos os agravos de instrumento em tramitação no TST, o custo de recorrer atingiria R$ 820,3 milhões.

“Não tenho dúvidas de que o depósito vai agilizar os trabalhos aqui”, aposta o presidente do TST, Milton de Moura França, mentor da proposta aprovada pela Câmara e pelo Senado em menos de um ano. A sanção do projeto está prevista para os próximos dias.

Mais que dobrou. O número de recursos em cima de decisões dos tribunais regionais vem aumentando ano a ano. O volume dos tais “agravos de instrumento” mais do que dobrou entre 2007 e 2009. Passou de 68.852 para 145.908, número 112% maior. O tempo médio para a análise dos agravos no TST também aumentou nesse mesmo período, de 567 dias para 602 dias.

Na avaliação do presidente do TST, a maioria absoluta dos recursos é apresentada sem possibilidade de sucesso, e os advogados sabem disso. Seu efeito seria unicamente protelar decisões da Justiça trabalhista.

Com o depósito prévio para os agravos de instrumento, que atualmente já é exigido em outros tipos de recurso, a expectativa é que diminua a quantidade de processos pendentes na Justiça do Trabalho. O valor do depósito foi fixado em 50% do recurso anteriormente negado. Pela tabela em vigor desde julho de 2009, esse porcentual corresponde a R$ 5.621,90.

O depósito, imposto por mudança na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é entendido como um adiantamento do valor a ser pago aos empregados. Caso a empresa ganhe a causa, o valor é devolvido com correção. A sanção da lei pelo presidente Lula enfrentou dúvidas anteontem na Casa Civil e na Advocacia Geral da União (AGU). A assessoria do presidente questionou a eventual interpretação de que o depósito recairia sobre o valor das ações trabalhistas.

“Isso seria uma beleza, mas não teria passado nunca no Congresso”, disse o presidente do TST. As resistências na Câmara e no Senado se manifestaram como defesa das micro e pequenas empresas. Milton França garantiu que o projeto só atingiria grandes empresas.

Até sindicato. A lista com os empregadores que mais apresentaram agravos de instrumento em tramitação no TST é encabeçada pela Caixa e por duas outras grandes estatais: Petrobrás e Banco do Brasil. Integram a lista empresas de telefonia e os maiores bancos privados do País. Em décimo lugar no ranking aparece o sindicato dos trabalhadores em hotéis, pensões e pousadas, segundo levantamento feito pelo TST.

O tribunal listou 342 empregadores com mais de 100 ações tramitando apenas na última instância da Justiça do Trabalho. O grande recordista em ações é a União.

Reduzir a lentidão dos processos judiciais é objetivo de um conjunto de propostas em debate no Congresso. Levantamento feito pelo TCU contou pelo menos 30 projetos de modernização do Poder Judiciário pendentes de aprovação.

O que é um agravo de instrumento

O agravo de instrumento é um recurso usado pelos advogados para contestar uma decisão do juiz tomada durante a tramitação de um processo. O advogado entra com esse tipo de recurso alegando que a decisão do juiz pode gerar lesão grave ou de difícil reparação para as partes envolvidas.

O agravo de instrumento pode servir também de recurso contra uma decisão posterior à sentença que não tenha admitido a apelação.
No Tribunal Superior do Trabalho (TST), os agravos de instrumento representam 75% dos recursos em análise. Só no ano passado, foram apresentados quase 146 mil recursos desse tipo ao tribunal, um aumento de 43% em relação ao ano anterior.

ENTREVISTA

‘Não há cerceamento de defesa, mas reforma só resolve se mexer no bolso’, diz Milton de Moura França, presidente do Tribunal Superior do Trabalho

Um dossiê sobre a mesa conta a história do projeto sugerido pelo presidente do TST, Milton de Moura França, e encampado há menos de um ano pelo deputado Regis de Oliveira (PSC-SP). A pequena mudança na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) vai impor custo extra aos recursos classificados pelo ministro de “protelatórios”, e agilizar a Justiça, aposta: “Reforma que não mexe no bolso não resolve”, diz França.

Qual será o efeito da lei?

Não tenho dúvida de que vai agilizar os trabalhos. Esses recursos são apresentados apenas para ganhar tempo e congestionam o Judiciário trabalhista. No máximo, 5% têm sucesso. Só neste ano, passaram pela presidência 13.225 agravos de instrumento. Em maio, foram 4.124. É uma coisa protelatória.

Protela quanto tempo?

Às vezes, o processo fica parado três ou quatro anos e o empregado não pode receber. Fica a impressão de que a Justiça do Trabalho é lenta.

Mas ganhar tempo não é bom para a empresa?

Eu não acho. Para a empresa, até para a imagem da empresa, é preferível fazer um acordo com o empregado. Muitas vezes, o adiamento do processo nem é bom negócio, porque há despesas com advogados, contador…

O valor do depósito, de pouco mais de R$ 5.600, não é baixo para constranger uma empresa a não recorrer?

Não é pequeno se considerarmos o número de agravos de instrumento. Isso pode custar milhões a uma empresa. Isso vai desestimular os recursos que são apresentados apenas para ganhar tempo. Não existe nenhum cerceamento de defesa, não há obstrução, apenas se cria um ônus para aqueles que queiram recorrer para ganhar tempo. Quem achar que tem chance, entra. Reforma que não mexe no bolso não resolve.

O Palácio do Planalto apresentou algumas dúvidas na análise da sanção da lei. Qual é a sua expectativa?

Eu esperava que a lei fosse sancionada ontem (segunda-feira). Questionaram se o depósito não poderia recair sobre o valor da condenação, se não poderia haver essa interpretação. Isso seria uma beleza, mas nunca passaria no Congresso, não deixariam.

E não houve lobby contra o projeto no Congresso?

Houve um movimento em defesa das micro e pequenas empresas. Mas eu fui lá e expliquei pessoalmente que elas não são clientes do Tribunal Superior do Trabalho (TST).



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