Juros da dívida pública no Brasil custam 13 vezes o Bolsa Família

Valor Econômico
Sergio Lamucci

Os gastos com juros do setor público podem ficar abaixo de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, o que não ocorre desde 1997, quando totalizaram 4,61% do PIB. No entanto, ainda que em 2010 essas despesas venham a ser as menores em 13 anos nessa base de comparação, o país ainda gasta muito com juros. Dispêndios financeiros de 4,9% do PIB em 2010, por exemplo, equivalem a algo como R$ 172 bilhões, mais de cinco vezes os R$ 34,1 bilhões investidos pelo governo federal em 2009, ou 13 vezes os R$ 13,1 bilhões previstos para o orçamento do Bolsa Família neste ano.

Uma taxa Selic média um pouco mais baixa do que no ano passado e um crescimento mais forte da economia são os principais fatores a explicar a perspectiva de uma menor carga de juros como proporção do PIB em 2010. Em 2009, as despesas financeiras foram de 5,4% do PIB, ou R$ 169,1 bilhões em valores absolutos.

O economista Marcos Fantinatti, da MCM Consultores Associados, estima que o Brasil vai pagar 4,95% do PIB de juros em 2010. Para ele, a Selic média ficará em 9,73% neste ano, um pouco abaixo dos 9,93% de 2009. Ele espera o começo da alta dos juros em abril, com a taxa básica, hoje em 8,75% ao ano, atingindo 11,75% em dezembro.

A Selic não é o único indicador que corrige a dívida pública, mas é uma referência importante para o custo financeiro do setor público. Para completar, o crescimento da economia deverá ser bem mais robusto neste ano do que no ano passado, observa Fantinatti, que projeta uma expansão de 5,5% em 2010, uma aceleração expressiva em relação à variação próxima de zero prevista pelos analistas para 2009. Com isso, o valor gasto com juros fica menor em relação a um PIB maior, que também deve aumentar mais em termos nominais dada a perspectiva de uma inflação um pouco mais alta neste ano.

Por fim, Fantinatti diz que a sua aposta num dólar mais caro ao longo do ano – ele prevê uma moeda americana em R$ 2 em dezembro – também ajuda a explicar a menor carga de juros que ele espera para este ano. Como o setor público é hoje credor líquido em moeda estrangeira – os ativos em dólar superam as dívidas -, as despesas financeiras totais diminuem quando o dólar sobe.

O estrategista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, acredita que os gastos com juros podem ser ainda menores em 2010, projetando despesas de 4,4% do PIB. “A principal explicação é que a minha taxa Selic média é bem menor que a da maior parte do mercado.” Ele aposta num aumento dos juros básicos apenas em outubro, com a Selic fechando o ano em 9,25%. Na média de 2010, a taxa ficaria em 8,83%. O ponto é que Lintz vê uma atividade econômica menos aquecida que a esmagadora maioria dos analistas -para ele, a expansão do PIB em 2010 será de 4,9%, enquanto no mercado há quem projete até mesmo alta de 6,5%.

O analista sênior para a América Latina da Economist Intelligence Unit (EIU), Robert Wood, tem uma projeção um pouco mais pessimista, acreditando que o Brasil gastará 5,4% do PIB de juros em 2010, o mesmo percentual registrado em 2009. Ele aposta em juros médios de 9,9% neste ano e num crescimento da economia de 5%. “A dívida pública brasileira ainda é alta”, acrescenta Wood. Em dezembro de 2009, a dívida líquida do setor público ficou em 43% do PIB, ao passo que a bruta terminou o ano passado em 63% do PIB. Países com classificação de risco semelhante à do Brasil ficaram em 2009 com um endividamento líquido na casa de 30% do PIB, segundo números da Standard & Poor’s (S&P).

Wood diz que os indicadores fiscais do Brasil vem melhorando, mas acha que o país ainda gasta muito com juros. Ao ter despesas financeiras elevadas, sobram menos recursos para investimentos e programas sociais, nota ele. Para reduzir a carga de juros, seria importante ter uma política fiscal mais apertada, com o controle das despesas correntes (como pessoal, aposentadoria e custeio da máquina), o que tiraria um pouco do peso da política monetária. Wood acredita que esse ajuste, porém, ficará para 2011, já que num ano eleitoral não deverá ocorrer um aperto fiscal mais relevante.

Se as projeções de Wood estiverem corretas, o Brasil vai gastar R$ 189 bilhões com juros neste ano, quase R$ 20 bilhões a mais do que em 2009, ou 1,5 vez o custo do Bolsa Família neste ano, ou cerca de 80% dos quase R$ 24,9 bilhões de desonerações tributárias concedidas em 2009, para combater os efeitos da crise global.

Embora os gastos financeiros ainda sejam elevados, eles têm mostrado uma tendência inequívoca de queda nos últimos anos quando se leva em conta as despesas como proporção do PIB. Em 2003, por exemplo, o setor público destinou o equivalente a 8,47% do PIB para o pagamento de juros, num ano em que a taxa Selic média ficou em 23,4% e o crescimento foi de 1,1%. Nos anos seguintes, os juros caíram e o Brasil passou a registrar taxas mais expressivas de crescimento. A dívida pública também declinou como proporção do PIB, graças a superávits primários expressivos, embora seja alta para padrões internacionais.

Para 2011, é possível que a carga de juros volte a subir como proporção do PIB, avalia o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges. A questão, segundo ele, é que a Selic média no ano que vem (11,2%, de acordo com estimativas da LCA) deve ser maior do que os 9,5% projetados para este ano. Além disso, o PIB deve crescer em 2011 menos que os 6,1% previstos para este ano, diz Borges. Nesse cenário, ele acredita que o país poderá gastar 4,9% do PIB em 2011, mais que os 4,7% do PIB estimados para este ano. Mas a tendência de queda tende a ser retomada nos anos seguintes, à medida que os juros voltarem a cair, acredita.

As despesas financeiras do Brasil também seguem elevadas na comparação internacional, mas há alguns países em que a carga de juros é mais elevada. Segundo números da EIU, a Jamaica deve destinar o equivalente a 14,6% do PIB para pagar juros, enquanto a Grécia, que está no meio do olho do furacão da crise global, deve gastar 6,7% do PIB, percentual idêntico ao da Hungria. No Paquistão, as despesas financeiras devem equivaler a 5,8% do PIB.

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