Valor Econômico
Fernando Travaglini, de São Paulo
Sem a presença do gene da classe C em seu DNA, o Itaú Unibanco busca formatar o melhor modelo de negócios para assegurar sua presença nesse mercado em que os seus principais concorrentes – Bradesco e Banco do Brasil – mostram-se agressivos. Depois da financeira Taií, foi a vez de o banco fechar também as lojas de rua da Fininvest, herdadas do Unibanco, que atendiam os não-correntistas.
O banco concluiu que, quando se trata de atender o público de menor renda, a abordagem ostensiva não é a mais adequada. Estar presente no ponto de consumo por meio de parcerias com varejistas mostrou-se mais eficiente. O cartão de crédito tornou-se o principal instrumento do Itaú para acessar esse segmento da população e o ponto de atendimento próprio perdeu importância.
“O cartão de crédito é um caminho (para atender a baixa renda). Como é uma operação muito flexível e de custo operacional relativamente mais baixo, tem um potencial muito grande para fazer transação e concessão de crédito”, disse Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco, em recente entrevista ao Valor.
Diferentemente da conta corrente tradicional, que necessita de uma estrutura de rede de agências com custo fixo elevado, o cartão chega de forma mais fácil a essa população com renda mensal entre R$ 1 mil e R$ 2 mil. Além disso, permite um relacionamento mais próximo e um conhecimento do histórico de consumo do não-correntistas, que o crédito pessoal tradicional não fornece.
Iniciado em abril do ano passado, o processo de encerramento das lojas de rua foi concluído no fim do ano e levou ao fechamento de 470 pontos. As parcerias da Taií e da Fininvest com varejistas permanecem inalteradas.
Segundo Marcos Magalhães, diretor do Itaú Unibanco, houve uma grande mudança nos últimos dez anos nesse segmento e a presença física de lojas de rua não é mais adequada para atender ou prestar serviços nesse nicho. “Os produtos tradicionais, explorados pelas lojas de rua, como o crédito pessoal tradicional, com juro alto, não é mais viável tanto pela maturidade do mercado como pela demanda dos clientes”, diz.
As lojas de rua e as financeiras surgiram há cerca de 40 anos em um momento em que a bancarização da população estava bastante distante do que se vê hoje. Com a inclusão financeira, os melhores clientes passaram a ser atendidos pelos bancos e os clientes que procuravam as lojas de rua possuíam um nível de risco muito elevado, numa espécie de seleção adversa.
Com a crise e o aumento da inadimplência, essas operações mostraram-se ainda mais problemáticas e o caminho tem sido o afastamento dos grandes bancos do crédito pessoal tradicional para não-correntistas. Restaram operações residuais de CDC de lojistas, que vêm sendo substituídas por cartões de crédito ou private label.
Antes de decretar o fechamento da operação de rua e reforçar o foco nas parcerias, a instituição estudou a possibilidade de transformar a Fininvest em um banco e suas lojas, em agências. Foi um laboratório para testar o canal para a baixa renda, mas, segundo Magalhães, não é isso que esse público quer. “Ele quer soluções desenvolvidas para as suas necessidades e adequadas aos canais de distribuição, como nas parcerias.”
Magalhães não dá detalhes, mas sabe-se que algumas poucas lojas chegaram a ser transformadas em agências, num projeto piloto. Mas ficou evidente que o custo fixo era elevado demais – por conta, por exemplo, de itens de segurança, como cofre e porta giratória – para tornar a operação rentável.
Os cerca de 5 milhões de clientes foram migrados para outras operações do grupo. Os beneficiários de INSS passaram a ser atendidos pelas agências do banco, assim como os clientes de consignado e crédito tradicional. Já os usuários de cartões migraram para parcerias com varejistas ou para cartões independentes da própria Itaucard, que já tem uma base de não-correntistas grande.
A importância desse segmento parece óbvia dentro do contexto do crescimento econômico e do avanço das classes de renda mais baixa.
Até do ponto de vista da pirâmide populacional brasileira, o maior potencial de expansão está concentrado nessas faixas de renda e o Itaú não pode se dar ao luxo de ficar de fora.
O uso de cartões como instrumento para chegar à baixa renda não é novidade dentro do banco. A instituição já detém a maior fatia do mercado nos cartões no segmento e a experiência do Hipercard, que veio com o Unibanco, é uma das mais bem-sucedidas. Pelos dados do balanço, a carteira de crédito concedido por meio de parcerias chegou a R$ 7,9 bilhões no ano passado, com uma base de clientes de 17,3 milhões e faturamento de R$ 17,9 bilhões.
O que essa estratégia baseada em cartões e parcerias não resolve é o lado da captação, ou seja, do depósito e da poupança. Para isso, a agência é indispensável. Mas Setubal não se mostra preocupado pelo fato de outras instituições, como BB e Bradesco, terem optado por modelos diferentes. “Tipicamente, o cliente de baixa renda não faz poupança. Está mais interessado em ter um instrumento de transação, de crédito. A capacidade de poupar é muito baixa.”
Setubal considera que o país avança de forma rápida na bancarização e já atende faixas de renda em que outros países não chegam. “O banco atende pessoas com renda anual de R$ 5 mil. Não conheço outro mercado em que há esse tipo de cliente sendo atendido. O que temos assistido é um movimento enorme de bancarização.”
Mas, segundo ele, o primeiro produto não é mais a conta corrente, como antigamente, e sim o cartão de crédito. “Já estamos num nível de penetração muito baixa, (clientes com renda) de R$ 400 por mês”, diz Setubal. “Nenhum concorrente tem a base de cartões que a gente tem nesse nível de renda. Nossa estratégia foi muito mais no cartão do que na conta”, completa.
O Bradesco, no entanto, aposta justamente na presença física. Além do Banco Postal, nas agências dos Correios, a estratégia do banco foi abrir pelo interior do Brasil mais de 1,3 mil postos de atendimento avançado, espécie de agência de pequeno porte, formados por um gerente, um computador e um caixa eletrônico.
Mas o Itaú não descarta o assalariado que ganha até R$ 2 mil por mês. Por meio da conta salário, diz Magalhães, as necessidade de conta corrente são atendidas e complementadas pelas transações com o cartão de crédito. “A agência tem estratégia de conquista desse público, com a venda cruzada (‘cross-selling’) de outros produtos, como cartões e seguros”, diz.
Crédito estudantil e microsseguro
Além do cartão de crédito, o Itaú Unibanco aposta na oferta de outros produtos para assegurar seu espaço junto à baixa renda e acompanhar a sua ascensão social. O banco investe no crédito estudantil, nos microsseguros e no crédito imobiliário.
“As aspirações da classe C brasileira mudaram nos últimos dez anos. Antes era a compra de celular e do computador. Agora, é educação, saúde e imóvel. Naturalmente, estamos alinhados para atender essa demanda”, diz Marcos Magalhães, diretor do Itaú Unibanco.
Para oferecer esses produtos, uma rede física não se faz mais necessária, a exemplo do que aconteceu com o crédito tradicional. O banco investe em parcerias com corretoras para o empréstimo da compra da casa própria e também com universidades no financiamento estudantil.
Segundo o executivo, o nicho de baixa renda está apenas no começo, mas as demandas por serviço têm se desenvolvido rapidamente. O financiamento imobiliário ainda é pequeno, mas vem crescendo, assim como o consumo desse público no varejo com um todo também. “O crescimento do PIB de forma sustentável depende do crescimento da classe C”, afirma.
Num degrau abaixo, o banco também unificou as operações de microcrédito. A antiga empresa do Unibanco, a Microinvest, em parceria com a IFC (International Finance Corporation), braço do Banco Mundial para o crédito ao setor privado, continua a todo vapor. Já o Itaú manteve sua atuação mais fortemente na concessão de recursos junto às Oscips (ONGs que concedem microcrédito), operação herdada do BankBoston.