A transformação digital no sistema financeiro traz desafios sem precedentes para o mundo do trabalho em todos os países, e a articulação dos movimentos sindicais nunca foi tão fundamental para superá-los. Essa foi a conclusão da mesa de abertura do Fórum Sindical Internacional sobre a Digitalização Financeira, que começou nesta quarta-feira (25) e vai até sábado (28), na sede da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), na capital de São Paulo, uma das organizadoras do evento, ao lado da UNI Américas Finanças, da Fundação Friedrich Ebert Stiftung e da Sask.
“A indústria 4.0 (no contexto da quarta revolução industrial, que engloba a automação e integração de diferentes tecnologias), intensificada pela passagem da pandemia, acelerou significativamente a implementação da digitalização no sistema financeiro”, destacou o secretário regional da Uni Américas, Marcio Monzane. “E essa transformação tecnológica no mundo está atingindo todos os setores, não apenas o financeiro, causando uma movimentação acelerada no trabalho, em termos de regulamentação”, completou.
Monzane destacou como exemplo dessa reestruturação, que leva à intensa flexibilização do mercado de trabalho, o aumento do desemprego, uma vez que a tecnologia otimiza funções, reduzindo vagas em muitos setores, além de novas formas de contratações que desprotegem trabalhadores, como as condições do Microempreendedor Individual [MEI] e ou de contratados no modelo pessoa jurídica (PJ). “Temos ainda como novidade, implementada em muitos países, o chamado contrato zero hora, onde o trabalhador se inscreve para trabalhar em uma determinada empresa e, quando é chamado, tem 24h para confirmar. Em caso de falta, ele é obrigado a pagar esse dia não trabalhado”.
A presidenta da Contraf-CUT e vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Juvandia Moreira, reforçou que todas essas transformações no mundo do trabalho, estão atreladas à revolução tecnológica. “Especificamente para a nossa categoria, setor financeiro, onde a área de TI [Tecnologia da Informação] cresceu muito, diminuíram as vagas nos bancos para algumas funções como, por exemplo, na função de caixa, que era a base da pirâmide. Então, hoje você tem basicamente nas agências as pessoas que fazem a orientação, que são chamados de gerentes: gerentes de investimentos, gerentes de conta, gerentes de negócio, enfim. Essa é uma mudança, inclusive, que mexe nos planos de cargos e salários da trabalhadora e do trabalhador bancário”, explicou.
Juvandia ainda destacou o aumento da atuação de empresas que, na sua constituição, não são formalmente bancos, mas que atuam como tal no sistema financeiro brasileiro. “Por exemplo, o Nubank, que usa o nome de banco, é banco, mas na sua regulamentação não está formalizado como um banco. A mesma coisa acontece com o Mercado Livre, que é uma plataforma de intermediação de vendas, mas que tem agora o Mercado Pago, com transações de um banco”, observou.
Para Juvandia, portanto, o debate sobre regulamentação do sistema financeiro é fundamental, até mesmo para evitar uma nova crise. “Em 2008, não protegemos a sociedade em termos de regulamentação, o que gerou a crise que se alastrou mundialmente. Os avanços tecnológicos estão colocados aí, trazem uma série de desafios de regulamentação que a gente precisa olhar. Todos esses exemplos de instituições que comentei [Nubank, Mercado Livre] têm autorização para lidar com o dinheiro do povo, para lidar com os recursos da sociedade, e isso, se não muito regulado, pode significar uma crise financeira nas proporções que a gente viu em 2008. É aí que está o nosso desafio, pensar na regulamentação, não só o emprego bancário”, concluiu.
Participaram também da mesa de abertura Guilhermo Maffeo, diretor Regional Uni Américas Finanças, como mediador, além de Neiva Ribeiro, recém-eleita para a direção executiva da CUT e presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, e Patricia Salazar Parra, secretária-geral do Sinecrediscotia (Sindicato Nacional de Empleados de Crediscotia Financiera S.A.), do Peru.
“Precisamos lutar para que a tecnologia favoreça os trabalhadores e também para o fortalecimento dos sindicatos, da Contraf-CUT e das demais entidades que fazem parte da UNI Américas. Daí o papel de fórum de debates”, pontuou Neiva Ribeiro.
Patricia Salazar Parra também reforçou a importância do fórum, para que o movimento sindical consiga se organizar e criar ferramentas contra a escalada de desrespeito aos direitos trabalhistas em todo mundo. “Temos visto, cada vez mais e em todos os países, empresas [desrespeitando direitos dos trabalhadores] com a desculpa de que é melhor para a gestão ou para o cliente. Então, ações como este fórum são avanços para a nossa articulação”, concluiu.