Paulo Gil discorreu sobre as perversidades do sistema tributário brasileiro
As injustiças do sistema tributário brasileiro acirram a desigualdade social, mas não são fáceis de ser alteradas. O tema foi debatido durante o segundo painel da 17ª Conferência Nacional dos Bancários nesta sexta-feira (31), primeiro dia do evento que será encerrado no domingo 2, com a votação da pauta de reivindicações da categoria para a Campanha 2015.
Paulo Gil, auditor fiscal da Receita Federal e integrante do Instituto Justiça Fiscal, discorreu sobre as perversidades do sistema tributário brasileiro, que obriga os mais pobres a pagar proporcionalmente mais impostos, enquanto os ricos contam com uma série de benesses.
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Ele explicou que existem três bases clássicas de tributação: patrimônio, renda e consumo. Por aqui, 56% dos impostos incidem sobre a base de consumo, 4% sobre o patrimônio e 30% sobre a renda. “O que acontece com a tributação sobre o consumo? Quem ganha menos vai ter proporcionalmente uma carga maior de impostos e quem ganha mais vai ter uma carga menor, porque esses impostos são iguais para todos ao invés de serem progressivos [quem ganha mais paga mais]”, explicou Gil.
E a carga tributária vem pesando cada vez mais sobre os mais pobres. Em 1996, 28% daquilo que ganhavam as famílias com até dois salários mínimos era gasto com o pagamento de impostos. Em 2003, esse percentual subiu para 48,9%.
Os impostos sobre o patrimônio correspondem a apenas 4% do total arrecadado, e ainda a injustiça se amplia. Uma das taxas que incidem sobre o patrimônio é o IPVA. Entretanto, só recai sobre quem possui veículos que trafegam em ruas e rodovias. Proprietários de iates, lanchas e aviões particulares estão isentos.
“O grande patrimônio imobiliário e a riqueza financeira sofrem incidência ínfima”, resume Paulo Gil.
A outra base de tributação, a renda, equivale a 30% de todos os tributos. E aqui também a injustiça se faz presente. O trabalhador não poderia sonegar imposto nem se quisesse, já que o salário já chega no seu bolso com desconto em folha.
Paulo Gil lembra que além disso, o trabalhador, quando declara seu imposto de renda, deve informar na ficha de rendimentos tributáveis “se tiver uma poupançazinha, ao contrário do empresário, que usa ficha de rendimentos isentos para tributar os lucros recebidos”. E lembra: “Esse foi um presente para os empresários dado pelo Fernando Henrique Cardoso, que um dia depois do Natal de 1996 criou dispositivos legais para instituir a isenção dos lucros da empresa e a dedução de juros de capital próprio. Se eu tivesse uma bala de prata só, acabava com isso”.
Como medidas para tornar o sistema de impostos brasileiro mais justo, Paulo Gil citou revogar isenção e lucros de dividendos, tributar progressivamente a renda e o patrimônio, tributar fluxos financeiros especulativos, reforçar a fiscalização contra a sonegação fiscal, aliviar a tributação sobre o consumo e desonerar a renda dos trabalhadores.
“A questão central é deslocar a carga tributária do consumo para as rendas do capital e o grande patrimônio. Nós temos que deixar claro que não aceitamos mais esse patamar de concentração de renda e de riqueza”, finalizou Gil.
Congresso barra reforma
A formação atual do Congresso Nacional é considerada uma das principais barreiras para a reforma tributária no Brasil. A análise é do assessor da presidência da CUT, Gilmar Carneiro. E não é pra menos: o número deputados federais com base sindical caiu de 83 para 46 nesta legislatura, enquanto a bancada empresarial, que defende interesses de diversos setores, manteve composição significativa, com 190 parlamentares, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
“Não é fácil fazer reforma tributária. O próprio Lula não fez e a Dilma não vai conseguir fazer com esse Congresso reacionário que está aí. O que pode passar hoje, com o Congresso que está aí, é o projeto da terceirização, que prejudica o trabalhador”, criticou Gilmar.
Ajuste fiscal
O assessor da presidência da CUT também definiu como equivocado o ajuste fiscal comandado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. E destacou os altos rendimentos do sistema financeiro. Só no primeiro trimestre, o lucro dos cinco maiores bancos foi de R$ 19 bilhões, resultado que só tende a aumentar, levando em conta que Santander e Bradesco já divulgaram crescimentos expressivos até junho.
“O sistema financeiro aumentou o lucro, precarizou e terceirizou. Esta campanha salarial dos bancários vai ter de enfrentar o Levy, que deve endurecer. O que nos salva é o nosso acordo nacional e unificado”, explicou o dirigente.
E Gilmar fez questão de destacar o poder de mobilização da base sindical, em especial dos bancários, em conquistas como a isenção do imposto de renda sobre a Participação nos Lucros e Resultados (PLR) dos trabalhadores. O governo federal sancionou lei federal, em 2013, que isenta os rendimentos de até R$ 6.677,55.
Em comentário franco, o dirigente arrancou risos dos delegados que participam da Conferência. “Não foi uma batalha fácil, foi um verdadeiro inferno, mas uma grande conquista e não quebrou o governo, como diziam por aí. Vamos continuar lutando por um governo comprometido com o social e com os trabalhadores”, concluiu.
Rodolfo Wrolli e Nilma Padilha