Demonstrando firmeza, mas também certo ar de abatimento, e em alguns minutos falando em tom emocionado, a presidenta Dilma Rousseff afirmou nesta segunda-feira (18), durante entrevista coletiva, que se sente “indignada e injustiçada” com o resultado da votação de ontem sobre o processo de impeachment, pela Câmara dos Deputados. Dilma não citou o nome do vice, Michel Temer, mas disse que a história “não perdoa traidores” e que ela vai lutar até o fim, inclusive usando de todos os instrumentos de que dispõe para ter direito a sua defesa – não descartando entrar com um recurso, posteriormente, no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Recebi 54 milhões de votos. Estou indignada. Vou insistir com vocês, não há crime de responsabilidade pelos atos que me acusam. Foram atos praticados por outros presidentes antes de mim, nenhum desses atos me beneficiou, mas ao mesmo tempo, atos sobre os quais tem me sido dado um tratamento que não deram aos outros presidentes”, desabafou. Por conta da legalidade destes atos, Dilma destacou que está com a consciência tranquila, uma vez que não fez nada baseada em qualquer irregularidade.
“Todos sabem que é assim, que não há contra mim acusação de enriquecimento ilícito. Me sinto injustiçada, porque aqueles que cometeram atos ilícitos é que presidiram a sessão da Câmara ontem”, reforçou, sem citar o nome do presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A presidenta acrescentou que também se sente injustiçada por terem permitido que ela governasse, nos 15 últimos meses, num clima que definiu como de instabilidade política, “de quanto pior, melhor”, ressaltou.
“Pior para o governo, melhor para a oposição, por meio de pautas bombas”, definiu, ao citar como exemplo o projeto de decreto legislativo em tramitação no Congresso que, ao corrigir as dívidas dos estados, segundo Dilma Rousseff, “prevê um rombo para o país de R$ 300 bilhões”.
Pautas-bomba
Em outra queixa, a presidenta disse que “nunca anunciam aquilo de bom que o governo faz, mas anunciam o que não fizemos ou deixamos de fazer”. “Essa é uma situação que só pode provocar uma imensa sensação de injustiça e de que há um movimento no Brasil contra a verdade, a democracia e o Estado democrático de direito”.
Ao falar sobre o impacto internacional sobre tudo o que está acontecendo no país, Dilma destacou achar “muito ruim o mundo ver que a nossa democracia passa por um processo com essa baixa qualidade”. Numa nova referência a Cunha, acentuou que o processo foi acolhido pelo presidente da Câmara “não pelas razões fundamentadas no pedido de impeachment, mas pelo fato de termos nos recusado de negociar apoio junto à comissão de ética” (onde tramita processo que investiga a conduta do parlamentar e pode levá-lo à cassação).
Dilma disse ainda que também está com uma sensação de indignação, porque a imagem que ficou é do desvio do poder, do descumprimento da ética e da moral. Deixou claro que sempre lutou pela democracia e continuará lutando. “Enfrento por convicção um golpe de estado que se usa sob a aparência de um processo legal e democrático para condenar uma inocente. Nenhum governo será um governo em que o povo pode se reconhecer nele sem ser por conta do voto direito e secreto do qual todos não participem.”
Na avaliação da presidenta, o que está em curso é “uma tentativa de eleição indireta, porque aqueles que querem subir ao poder não têm votos para tal”. “É estarrecedor que um vice-presidente, no exercício do seu mandato, conspire contra a presidenta. A sociedade humana não gosta de traidores. O mundo e a história observam cada ato praticado neste momento. Vivemos tempos muito difíceis, mas históricos.”
‘Ânimo, força e coragem’
“Eu tenho ânimo, força e coragem suficientes para enfrentar, apesar de com muita tristeza, toda essa injustiça. Vou continuar lutando como fiz toda a minha vida. Teremos a oportunidade de nos defender no Senado e quero dizer aqui que não estamos no fim da luta. É uma luta demorada que não envolve apenas o meu mandato, mas uma luta de todos os brasileiros pela democracia em nosso país”, acentuou a presidenta.
Quando perguntada se não acha que ressentimentos acumulados entre os parlamentares com o governo não teriam interferido no resultado da votação a presidenta mudou de tom e disse que não viu isso como motivo para a aprovação do impeachment. “Acompanhei e não vi argumentos sobre isso na votação. Qualquer um pode cometer erro, mas ressentimento, propriamente dito, não é justificativa para um processo de impeachment. Nesse caso, acredito que as razões são outras. O presidente da Câmara tem uma hegemonia forte e conduziu o processo da forma como quis”, frisou.
Sobre reduzir o mandato e propor novas eleições, Dilma deixou a porta aberta, mas não adiantou muito declarações sobre o tema. Afirmou que, em sua opinião, “tudo o que jamais podemos aceitar é que o cumprimento à legalidade não se dê e todas as outras alternativas poderão ser avaliadas, mas não estou podendo avaliar isso agora”.
Ao comparar, quando perguntada pelos jornalistas, sobre essa fase difícil da sua vida com o período em que foi torturada, não teve dúvidas em dizer que qualquer situação enfrentada numa ditadura sempre será muito pior que numa democracia. “Sem sombra de dúvidas, a ditadura é um milhão de vezes pior. É o pior dos mundos. A democracia pode não ser perfeita, mas não tem comparação. Tenho esperança que mais cedo ou mais tarde conseguiremos impedir que processos sem base legal aconteçam no Brasil.”
Sem volta no governo
A presidenta ainda falou, de forma seca, sobre o deputado Mauro Lopes (PMDB-MG), que até quarta-feira era ministro do governo e votou pelo impeachment. Foi lacônica, dando a entender que este será o tom de todos os que votaram pelo impeachment e possuem cargos ou têm apadrinhados com cargos no Executivo. “Ele (Lopes) votou pelo impeachment, portanto, não é mais ministro do meu governo”, disse.
Em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela destacou que ele a tem ajudado bastante nesse processo e afirmou que os dois são “companheiros especiais”, motivo pelo qual espera que o STF decida sobre o processo que impede a posse de Lula como ministro-chefe da Casa Civil, “para que ele comece a trabalhar ainda esta semana”. “Terei um novo governo, posso dizer que estou enfrentando o quarto turno das eleições”, acentuou, concluindo a entrevista.