Valor Econômico
Assis Moreira, de Viena
Os grandes bancos internacionais vão necessitar de capital adicional de bilhões de dólares, por causa de sua exposição à dívida soberana, deficiência de funding e pesada necessidade de refinanciamento nos próximos anos.
A avaliação é do Instituto Internacional de Finanças (IIF), em relatório confidencial ao qual o Valor teve acesso, ontem, e que era alvo de comentários entre alguns banqueiros no encontro promovido em Viena, na Áustria, pela entidade que representa os maiores bancos do mundo.
Segundo o relatório, os bancos europeus, já duramente afetados pela crise econômica, têm o maior “funding gap”, de ? 1,2 trilhão, dos quais US$ 500 bilhões são necessidade de recursos em dólar americano.
Nos Estados Unidos, os bancos tiveram melhora nos depósitos nos últimos trimestres, mas precisam consolidar US$ 300 bilhões de exposições que estavam fora de seus balanços. Dessa forma, o ‘funding gap’ acumulado pela banca americana é de US$ 580 bilhões desde o início de 2007, consideravelmente menor ao pico de US$ 1,4 trilhão de dezembro de 2008.
Além disso, os bancos globais precisam refinanciar suas dívidas variando de US$ 1,25 trilhão a U$ 1,75 trilhão por ano, que vencem entre 2010 e 2012.
Tudo isso num cenário de maciças emissões de papéis soberanos por governos em crise fiscal – e sem levar em conta o custo que virá com a nova regulamentação global.
O IIF mostra que as perdas dos bancos alcançaram US$ 1,906 trilhão nos EUA, US$ 1,279 trilhão na zona euro e US$ 1,059 trilhão na Grã-Bretanha entre entre outubro de 2009 e abril. A depreciação de ativos nos bancos internacionais alcançou US$ 1,273 trilhão nos últimos tempos, enquanto levantaram capital de US$ 1,180 trilhão.
Os mercados estão atentos à deterioração da qualidade do crédito de muitos bancos expostos em países como Grécia, Espanha e Portugal. Exemplo: de ? 445 bilhões de empréstimos ao mercado imobiliário, as “Cajas” espanholas, como são chamadas os bancos de poupança, tiveram que recorrer ao governo em busca de consolidação entre elas para não quebrarem.
Essa situação atraiu a atenção também para a exposição de bancos internacionais, sobretudo da Europa. De acordo com o Royal Bank of Scotland (RBS), nada menos de ? 2,16 trilhões de dívida pública e privada da Grécia, Espanha e Portugal estão detidas por instituições financeiras fora desses três países. Investidores e governos temem o aumento das dívidas dos bancos pela Europa.
O Banco Central Europeu estima que os bancos da zona euro terão de fazer depreciações adicionais (“writedown”) de ? 195 bilhões, sendo ? 90 bilhões este ano e ? 105 bilhões em 2011.
O total de depreciação de ativos bancários entre os anos de 2007 e 2011 alcançará, assim, ? 620 bilhões na região, mantendo a pressão para os bancos buscarem mais capital.
Os bancos europeus e americanos enfrentam crescentes exigências de funding para passivos de longo prazo num cenário complicado. Além da deterioração da qualidade dos créditos, foram afetados tambem por mudanças no “money market funds” (MMF) nos EUA que reduziram o apetite para os bancos como papel de financiamento de curto prazo.
Agora, os MMF precisam deter pelo menos 10% de seus ativos em “cash” ou papéis líquidos e de alta qualidade, como títulos do Tesouro americano conversíveis para dinheiro em um dia. E 30% em cash ou papéis com maturidade de 60 dias que podem ser convertidos em dinheiro em uma semana, além de outras exigências.
O resultado é que segmentos dos mercados de “commercial paper” nos EUA e na Europa para instituições financeiras diminuíram significativamente. Com as mudanças nada favoráveis na oferta e demanda por funding de curto prazo, a tensão no mercado interbancário nos dois gigantes não é surpresa.
O interbancário secou, em meio a temores sobre a saúde financeira dos bancos. O empréstimo clássico em que um banco comercial empresta a outro passou nos EUA de US$ 494 bilhões antes da queda do Lehman para US$ 153 bilhões atualmente.
Ao mesmo tempo, os bancos europeus, por exemplo, aumentaram em 40% desde janeiro seus depósitos no Banco Central Europeu (BCE) como “excesso de reserva”, preferindo receber juro insignificante de 0,25% ao invés de emprestar a outros bancos ou a economia real.
Para obter recursos, bancos tem que pagar taxa Libor de três o dobro mais cara. Ou seja, o custo de funding aumentou num momento especialmente delicado para o sistema financeiro.
A entidade dos bancos alerta que a persistente tensão no mercado interbancário, principalmente para fundos em dólar, trás o risco de atingir bancos de países emergentes que são ativos internacionalmente.
Ou seja, suas necessidades de funding em dólar podem ter problemas, como ocorreu em 2008. Assim, sugere que as autoridades dos emergentes devem permanecer alertas e não ser complacentes.
Dados do Banco Internacional de Compensações (BIS) mostram que bancos brasileiros têm US$ 54 bilhões de ativos no exterior, sendo US$ 15,4 bilhões na Europa e US$ 17,2 bilhões nos EUA. Mas fontes bancárias dizem que as instituições brasileiras vêm recebendo ofertas de dinheiro que estão é dobrando, embora algumas instituições tenham passado a exigir juro maior e foram descartadas.
Outro dado que mostra a situação de delicada dos bancos europeus é dado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A entidade mostra que vários bancos europeus têm menos capital e mais alavancagem do que seus parceiros americanos.
Na média os bancos americanos operam hoje com taxa de alavancagem entre 12 e 17 vezes mais seus fundos próprios, enquanto entre os grandes bancos europeus isso varia entre 21 e 49 vezes.
Na Suíça, o UBS, que perdeu bilhões de dólares na crise, cortou pela metade seu balanço, agora em US$ 1,3 trilhão. A taxa de alavancagem é de 16% dos fundos próprios, comparado a 50 vezes antes da crise.