CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
DA FOLHA DE SÃO PAULO
A esquerda em geral e a social-democracia em particular não tiveram “nenhuma resposta vigorosa” para a crise econômico-financeira, diz o sociólogo sueco Göran Therborn, professor das universidades de Uppsala (Suécia) e Cambridge (Reino Unido).
Ele, um acadêmico de esquerda, atribui essa “impressionante” passividade a três “traumas” seguidos: o fracasso dos social-democratas em administrarem a crise econômica dos anos 70, a ascensão do capitalismo financeiro nos anos 80 e o fim da URSS.
Therborn é autor de “European Modernity and Beyond” (A Modernidade Europeia e Além, de 1995, ed. Sage), entre outros livros. Abaixo, trechos da entrevista feita em São Paulo, onde participou há três semanas de seminário promovido pela editora Boitempo.
FOLHA – Qual é o estado das democracias, 20 anos após a queda do Muro de Berlim?
GÖRAN THERBORN – A democracia é a única forma de governo considerada legítima na maior parte do mundo, com poucas exceções. Mas não houve uma universalização dos valores e práticas democráticos.
Na Europa ocidental, ela deitou raízes profundas. A União Europeia teve um papel muito positivo em preservar a democracia no Leste Europeu. Estou convencido de que, sem a perspectiva de integrar a UE, vários países pós-comunistas teriam se encaminhado para alguma forma de ditadura.
FOLHA – E qual é o papel da esquerda nessas democracias?
THERBORN – O problema é que a esquerda foi derrotada e suplantada pelo neoliberalismo nos anos 80. Houve a conjunção de governos de direita nos dois grande países anglo-saxões [Reino Unido e Estados Unidos], e isso coincidiu com a ascensão explosiva do capitalismo financeiro.
A esquerda e a centro-esquerda já estavam desorientadas por não terem podido administrar a crise dos anos 70, e foram apanhadas por esse fluxo enorme de especulação. Sua estratégia para sobreviver foi buscar uma acomodação.
Essa espécie de trauma persiste, de maneira até surpreendente. Não há nenhuma resposta vigorosa da social-democracia ou da centro-esquerda à crise atual.
Houve um momento, em outubro de 2008, quando o governo [do premiê trabalhista britânico Gordon] Brown pareceu se dar conta de que a crença no neoliberalismo tinha que ser descartada. Houve um pacote de estímulo keynesiano, mas não foi parte de nenhuma revisão radical de pensamento.
Quando o estímulo não teve o efeito imediato que esperavam, todo o processo descarrilou. É quase certo -e a coisa boa da democracia é que nada é absolutamente certo- que ele perderá para os conservadores em 2010.
FOLHA – Há outras causas para essa ausência de propostas?
THERBORN – Houve lá atrás, com a desindustrialização, a perda da base tradicional da social-democracia. Movimentos de contestação que surgiram a partir de 1968 são mais fragmentados. A esquerda de fato não tem mais um programa econômico.
Nesta crise, os sindicatos e a social-democracia lutam por emprego nessa ou naquela fábrica, mas não muito mais. Isso é um efeito duradouro dos traumas que já mencionei e também da implosão da URSS.
A crise significa a morte do neoliberalismo, como a crise dos anos 30 foi a morte do liberalismo, mas isso não significa que ele não possa ressuscitar. Até agora, não há alternativa abrangente.
FOLHA – O sr. falou de trauma causado pela queda da URSS. Mas boa parte da esquerda, pelo menos na Europa, já estava distante do comunismo soviético. Por que o trauma?
THERBORN – Houve consequências diferentes na esquerda comunista e na não comunista. Na primeira, os efeitos foram devastadores. O PC italiano, antes muito grande, se dissolveu, se dissolveu de novo e hoje não é mais de esquerda, é apenas um partido democrático.
Em geral, a esquerda comunista fora da URSS foi desmoralizada, apesar de parte dela ser muita crítica à URSS.
Já na esquerda não comunista, a implosão da URSS foi interpretada como um triunfo do capitalismo e isso a tornou ainda mais convencida de que o liberalismo era o único jogo disponível. Há algo importante. Quando a URSS implodiu, havia uma boa parte da opinião pública no Leste Europeu que não queria o capitalismo liberal, queria uma espécie de socialismo democrático.
Isso era muito claro na Alemanha Oriental, por exemplo, como mostraram pesquisas de opinião feitas em 1990, depois da queda do muro. Há tendências similares na população de outros países do Leste, mas elas nunca encontraram expressão política, com a exceção parcial da Alemanha, onde você teve o PDS [Partido do Socialismo Democrático, sucessor do PC] e agora o Linke [Esquerda, junção do PDS com dissidentes social-democratas].
FOLHA – A China tem hoje parte considerável dos trabalhadores industriais do mundo. O que exatamente isso significa?
THERBORN – A China é muito a chave para o futuro. É ambígua.
Tem uma economia capitalista, mas um regime que se diz comprometido com o socialismo, e boa parte dos recursos nas mãos do Estado. Se a China vai embarcar num capitalismo total, ou mais tarde decidir um outro caminho, ainda é uma opção em aberto.
Os trabalhadores chineses certamente têm um papel crucial. Eles são muitos, mas não são unidos. Estão fragmentados localmente. Por outro lado, não são submissos, cada vez mais cobram seus direitos.
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A entrevista da jornalista Cláudia Antunes com o sociólogo sueco Göran Therborn foi publicada no caderno Mais! da Folha de São Paulo do dia 13 de setembro de 2009.