O Estado de São Paulo
Gilles Lapouge*
Uma greve em massa. Poderosa. Todas as centrais sindicais unidas, algo excepcional.Martine Aubry, a número um do Partido Socialista, participa das manifestações, o que nunca ocorreu. As cidades estão paralisadas.
Há 20 anos não se verificava um “colapso” social desse porte. Nicolas Sarkozy conseguiu nos rejuvenescer 20 anos.
No entanto, ele não é o responsável por essa greve. E no fundo, operários e funcionários sabem disso. O que eles querem expressar é o seu medo diante da perda do poder de compra e do desemprego. Ora, Sarkozy não tem nada a ver com isso e todos sabem. O caos é mundial.
Nasceu nos Estados Unidos. Tomou conta do planeta. Todos têm consciência desse fato, mas nas manifestações furiosas Sarkozy é que é vaiado.
Por que Sarkozy? O fato é que ele paga o preço da sua personalidade, do seu “narcisismo”, do seu comportamento grosseiro e seus erros na condução do país.
Em primeiro lugar, ele governa só. Dramaticamente só. Os ministros são marionetes. É o presidente que faz tudo. Fala tudo. Insulta seus ministros. Hostiliza seus conselheiros. Não existe mais um elo entre ele e o país. E até o planeta ele quer dirigir. Considera-se responsável por tudo. Portanto, é o responsável pela crise, dizem os trabalhadores.
Em segundo lugar, Sarkozy é um homem hiperativo e brutal. Em períodos de calmaria, isso pode ser uma virtude. Num país próspero e adormecido, é bom sacudir as pessoas, tirá-las da indolência, fazer dez reformas por semana, gritar por qualquer coisa.
Inversamente, num país afetado, angustiado com a crise, a agitação é uma idiotice.
Mas é o ele faz. Em vez de amenizar seu estilo, refinar as propostas, ele as multiplica. Parece um operário louco. Corre para todos os cantos. Conserta uma torneira. Desce ao compartimento de carga, sobe no mastro. Muda de rumo. Joga a âncora. Levanta a âncora. Acelera. Muda de rumo de novo.
Em terceiro lugar, Sarkozy trata seus adversários brutalmente. Se alguém não aprova o seu gênio, ele insulta, ameaça, faz zombarias.
Quando é um dos seus ministros, não há problema. Os ministros foram formados para bajulá-lo. Mas com os sindicatos e os trabalhadores isso não funciona. A multidão ofendida resmunga, morde.
Assim, com todos esses equívocos ele conseguiu se fazer “odiar” por uma parte da França. Com ele, a emoção e a paixão assumiram as rédeas do debate político. Metade da França adora Sarkozy. A outra metade o rejeita. E as consequências são graves.
Com sua violência incessante, o presidente conseguiu ressuscitar as sensibilidades que tinham desaparecido da França, felizmente, há 30 anos. A oposição se tornou uma “boa companhia”, bem educada, dócil. Um “poodle”. Sem dentes.
Ora, graças a Sarkozy vimos nascer em poucos meses uma nova oposição, feroz, mal-educada, implacável, imperceptível. À esquerda da esquerda, ou seja, à esquerda do Partido Comunista, uma esquerda radical foi se formando. Trotskistas, comunistas, ao estilo de 1930.
Mesmo o sindicato de esquerda, a CGT, viu crescer à sua esquerda um novo sindicato, o sindicato Sul, que bate e dá murros.
Claro que sempre existiu uma facção de “ultraesquerda” na França. Mas ela era insignificante e folclórica. Hoje, não é mais uma facção. Se houvesse eleições amanhã essa ultraesquerda conseguiria arrebatar 15% dos votos. A esquerda “civilizada”, ou seja, os comunistas, teriam apenas 3%.
Esse é o belo troféu que o estilo monárquico de Sarkozy conseguiu: despertar forças que se se acreditava estavam desaparecidas desde a revolução bolchevique.
*Gilles Lapouge é correspondente em Paris