Ganhador do Nobel da Paz de 2006 diz que bancos deveriam ser inclusivos

O economista de Bangladesh Muhammad Yunus, Nobel da Paz de 2006, acredita ser possível erradicar a pobreza do mundo, através de negócios sociais – que não visam a lucro, mas a resolver problemas da sociedade.

Para ele, que é conhecido como “banqueiro dos pobres”, que dá palestra nesta quinta-feira, dia 20, no Fórum Internacional de Comunicação e Sustentabilidade, no Vivo Rio, o sistema financeiro é baseado em uma premissa errada ao emprestar dinheiro a ricos e não a pobres, os melhores pagadores.

O GLOBO: O microcrédito é uma maneira de milhares de pessoas deixarem a pobreza?

MUHAMMAD YUNUS: Certamente. No começo, em Bangladesh, os bancos não emprestavam para os pobres, alegando que não tinham como pagá-los de volta. Minha crítica era que os bancos concediam crédito a quem tinha dinheiro, mas o negavam ao pobre.

Quando iniciei o Grameen Bank, queria assegurar que não faria o mesmo. Hoje, quase 100% dos nossos empréstimos são para mulheres pobres, que levam para suas famílias os benefícios dos recursos, de uma forma bem mais eficiente do que quando o dinheiro é dado aos homens.

Emprestar para pessoas pobres tem mais riscos?

YUNUS: O repagamento do Grameen Bank é muito alto: 97%, 98% dos empréstimos são quitados. Há problemas, mas construímos uma estrutura onde as pessoas se ajudam. Mas há incertezas. Bangladesh tem uma série de desastres naturais, como enchentes, que são devastadoras para os pobres.

Não podemos simplesmente conceder crédito. Temos que ajudá-los a sair dessas situações. Na crise, são os ricos que não pagam de volta. Emprestamos sem contrapartida, sem contrato. É tudo baseado na confiança. E, em todos os países em que estamos, é baixa a taxa de inadimplência: o melhor pagador é o pobre. Da Índia aos Estados Unidos.

O que é melhor: crédito para a produção ou dinheiro na mão, como no Bolsa Família?

YUNUS: Quando o governo ajuda os pobres, eles podem se sustentar, mandar seus filhos para a escola. E é essa a intenção do Bolsa Família. Se o governo para por aí, seu trabalho não está completo. É preciso tomar conta das famílias e, ao mesmo tempo, encontrar um jeito de elas não serem mais dependentes do Bolsa Família.

Dar dinheiro é fácil. O desafio é tirá-las dessa situação. Caso contrário, vivem de caridade por uma, duas, três gerações. E isso elas conseguem pelo microcrédito, pois passam a ter um negócio.

Que lições podemos tirar das crises financeiras?

YUNUS: Bancos convencionais estão errados, porque não emprestam dinheiro aos pobres. O microcrédito mostrou que essa premissa é errada. Os bancos não deveriam ser segregadores, mas inclusivos. E agora é a hora de redesenhar o sistema financeiro. O sistema atual falhou.

É possível mudar o sistema financeiro global?

YUNUS: A história da humanidade é sobre mudanças. Se disser que nada pode ser mudado, você está morto. A cada ano, por exemplo, há um novo modelo do carro que dirigimos.

E o governo poderia dar crédito aos pobres?

YUNUS: Não. O caminho seria criar instituições independentes, com e sem participação do setor privado. Isso evita que se faça política com crédito. Políticos podem comprar votos.

O Brasil tem muitos empreendedores por necessidade. O que o senhor acha disso?

YUNUS:Prefiro olhar pelo lado positivo e é preciso encorajá-los. Esses empreendedores encontraram sua própria oportunidade, mesmo que a sociedade não lhes tenha dado isso antes. Lutando para viver, não estão pedindo dinheiro. O importante é dar apoio, como microcrédito.

É possível erradicar a pobreza?

YUNUS: Sim. Uma maneira são os negócios sociais, que não visam ao lucro ou ao dinheiro em cima dos pobres. Pretendem resolver problemas, como desemprego, maternidade precoce, drogas, aquecimento global. E estamos encorajando jovens a criar esses empreendimentos.

Em Bangladesh, fechamos uma >itaA crise encareceu o crédito…

YUNUS: A crise é um momento de oportunidade. É a hora de repensar no atual sistema financeiro. Ao refletir num modelo, repensamos em empreendimentos sociais, numa saída à pobreza. E o investimento não é alto. Se ajudarmos dez famílias do Bolsa Família a saírem do programa, já é ótimo. Depois é só replicar o modelo.

Um milhão de dólares, meio milhão de dólares já ajudam muita gente. Veja só: se pegarmos 5% do Bolsa Família, apenas 5%, e aplicarmos num negócio social, seria ótimo. Essa é a minha receita para sair da pobreza.

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