Gazeta Mercantil
Iolanda Nascimento
São Paulo – Os robustos resultados dos bancos públicos ajudaram a puxar para cima os ganhos obtidos no ano passado pelo setor. É o que mostra levantamento da agência classificadora de risco Austin Rating, elaborado a partir dos balanços de 27 instituições financeiras que divulgaram seus demonstrativos de 2008. No total, todos os bancos da amostra tiveram um lucro líquido de R$ 37,29 bilhões, 7,8% a mais quando comparado aos R$ 34,6 bilhões do ano anterior. A pesquisa da Austin mostra também o tamanho da preocupação do setor com a possibilidade de um aumento mais forte da inadimplência. As despesas com provisões para créditos de liquidação duvidosa realizadas no ano passado pelas 27 instituições somaram R$ 41,03 bilhões, alta de 41,7% sobre 2007, o que ajudou a elevar o saldo com provisões em 46% na mesma base comparativa, para R$ 64,02 bilhões ao final de dezembro.
Luis Miguel Santacreu, analista de instituições financeiras da Austin Rating, observa que parte do aumento das provisões está relacionada com o crescimento das carteiras de créditos, que no conjunto desses bancos ficou acima da expansão do mercado brasileiro. Enquanto a evolução do estoque de crédito do sistema financeiro nacional ficou em 31,1% em 2008, os bancos da pesquisa da Austin, elaborada a pedido da Gazeta Mercantil, registraram uma elevação de 34,1% ante 2007, alcançando saldo de R$ 977,84 bilhões no ano passado.
As provisões adicionais, isto é, acima das exigidas pelos órgãos reguladores, realizadas pela maioria das instituições no último trimestre do ano passado, revelam uma atitude mais preventiva, na opinião de Santacreu, por possíveis impactos da crise financeira mundial no mercado brasileiro, que podem deteriorar, em especial, os níveis de emprego e de renda e, em consequência, a capacidade da população de honrar suas dívidas. “Os bancos estão sendo mais realistas que o rei, mas eles, até por ofício, devem ter uma percepção mais acurada em relação a pagamentos em atraso e ao comportamento da evolução desses números.”
O Banco Central (BC) divulgou há poucos dias que os índices de inadimplência subiram em janeiro ante dezembro: o das famílias passou de 8% para 8,3% em média, ficando próximo do pico histórico de 8,4% sobre a carteira de pessoa física registrado em maio de 2002; e o das empresas subiu de 1,8% para 2%. Mas nos balanços dos bancos vão ficar mais evidentes a partir de abril, quando iniciam a safra de divulgação dos resultados do primeiro trimestre. Nos últimos três meses de 2008, a esmagadora maioria das instituições não registrava evolução preocupante no volume de pagamentos com atrasos, conforme informaram durante a apresentação dos resultados. No entanto, grande parte dos principais executivos disse também que o cenário ainda é nebuloso e, por isso, as instituições decidiram adotar posições mais cautelosas, aumentando acima das exigências o volume de provisões.
Os primeiros
O Banco do Brasil (BB) foi o primeiro a tomar a atitude mais conservadora, fazendo provisões adicionais contra crédito de liquidação duvidosa de R$ 1,59 bilhão, seguido pelo Bradesco com quase R$ 600 milhões. O Itaú Unibanco Banco Múltiplo foi mais longe e reservou a mais R$ 4,7 bilhões, conforme informou o seu presidente-executivo, Roberto Setubal, Há duas semanas, atribuindo a decisão à possibilidade de aumento do desemprego no País em virtude da crise. Com isso, o Itaú Unibanco elevou seu saldo de provisões em 83% em comparação a 2007, atingindo R$ 19,97 bilhões em dezembro, ou mais de 8% sobre o total da carteira de crédito.
Quase todos os bancos de médio porte, como o BicBanco, Banco Daycoval, Banco ABC Brasil e Banco Indusval Multistock, também seguiram a tendência e elevaram sensivelmente seus estoques de recursos, se preparando para a eventualidade de um calote maior. No BicBanco, o saldo cresceu quase 30%, para R$ 311 milhões; no Daycoval subiu 146%, a R$ 191 milhões; no ABC a alta foi de 163,2%, para R$ 105 milhões; e no Indusval o crescimento atingiu 144,9%, ficando o saldo em dezembro em R$ 70 milhões.
O economista da Austin explica que as provisões para crédito de liquidação duvidosa exigidas pelo BC variam de acordo com a classificação dos créditos concedidos pelos bancos, “de AA, risco muito baixo de crédito, até H, que denota risco muito mais alto. A cada crédito concedido, o banco classifica o seu nível de risco, dentro desse escopo, e separa as reservas por categoria. As despesas extras vão ao encontro das suas estimativas de aumento dessas despesas, o que pode não ocorrer. Os bancos que atuam mais fortemente em segmentos de mercado de risco mais baixo”, como por exemplo o crédito consignado (cujas parcelas dos empréstimos são descontadas diretamente da folha de pagamento ou da aposentadoria), financiamento a veículos ou outros tipos de empréstimos com garantias, “grosso modo, não precisariam de altas reservas sobressalentes de proteção contra o calote”.
O Banco Nossa Caixa, por exemplo, um dos últimos grandes a divulgar os resultados, só aumentou em 14,9% suas despesas com provisões em 2008, para R$ 718 milhões, elevando em 8,8% o saldo, a R$ 806 milhões, ou 6,2% do total da carteira. Com uma evolução da carteira de 47,6% em um ano, a R$ 12,9 bilhões ao final de dezembro, a Nossa Caixa fechou 2008 com estoque de R$ 5,8 bilhões em crédito consignado, alta de 73%.
Lucros bilionários
Os ganhos dos bancos no ano passado mostram a solidez do sistema financeiro brasileiro, em um momento em que centenárias instituições enfrentam pesados prejuízos por conta da crise. Entretanto, o levantamento da Austin indica que 2008 foi o ano dos bancos públicos. Os cinco maiores do País por ativos (BB, Caixa Econômica Federal, Nossa Caixa, Banco do Estado do Rio Grande do Sul e Banco do Nordeste do Brasil – BNB) registraram juntos lucro líquido de R$ 14,34 bilhões, 61,9% de alta sobre 2007, ou 38,5% do total atingindo pelas 27 instituições. No ano anterior, somaram R$ 8,88 bilhões de ganhos, ou 25,6% do total.
Se os resultados desses bancos públicos fossem retirados da análise do conjunto, o lucro líquido do grupo teria caído de R$ 25,71 bilhões em 2007 para R$ 22,95 bilhões no ano passado.
Ganhos extras
Santacreu observa que alguns bancos reportaram ganhos não recorrentes, apesar de ter sido um bom ano também para resultados positivos nas operações. Somente os BB, afirma, somou mais de R$ 2 bilhões em lucro extraordinário durante 2008. No ano anterior, contudo, foram as instituições privadas que mais relataram lucros extras bilionários, em especial, com a venda das participações em empresas, como BM&F Bovespa, Redecard e Serasa, entre as principais.
A pesquisa da Austin Rating revela também que a rentabilidade do conjunto caiu no comparativo anual de 22,6% para 21,8%, um percentual, no entanto, ainda de “dar inveja” aos principais bancos internacionais. As 27 instituições contabilizaram alta de 30,2% nos ativos, para R$ 2,46 trilhões, de 12% no patrimônio líquido, que foi a R$ 171,44 bilhões; e de 39,9% no total de depósitos, que atingiu R$ 1,03 trilhão em dezembro. A receita com serviços do grupo pesquisado subiu 7,6%, para R$ 56,88 bilhões.