Na manhã da segunda-feira, 03 de novembro, Itaú e Unibanco anunciaram a fusão entre as instituições, dando origem ao maior grupo financeiro do Hemisfério Sul, situado entre os 20 maiores do mundo. Imediatamente após o comunicado, os representantes dos bancários tornaram públicas suas preocupações com o emprego dos trabalhadores e os resultados para a sociedade.
Em nota, a Contraf-CUT afirma que o grande problema da fusão é o aumento da concentração bancária, que diminui a competição no sistema financeiro nacional e fortalece excessivamente os grandes bancos, minimizando a possibilidade de redução dos juros ao consumidor.
“Em tempos de crise financeira, a operação foi comemorada, inclusive, pelo presidente Lula”, explica Ana Quitéria Nunes Martins, economista e técnica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos). “Afinal, da união de dois conglomerados, surge uma empresa maior e mais sólida, o que sem dúvida fortalece o setor financeiro – a espinha dorsal do capitalismo. No entanto, no Brasil, este fortalecimento não é revertido em favor da sociedade, nem dos bancários”, sustenta.
Os representantes da categoria já iniciaram negociações com ambos os bancos para tratar do processo de fusão. Segundo os presidentes das instituições, não há intenção de demitir nem fechar agências.
No entanto, na primeira reunião com os representantes dos trabalhadores, dia 10 de novembro, eles se negaram a assumir por escrito este compromisso. E, a julgar pelo histórico do sistema financeiro do Brasil, não há motivos para botar fé na palavra dos banqueiros.
Este foi o tema da entrevista concedida via e-mail por Ana Quitéria a Sulamita Esteliam, jornalista do Sindicato dos bancários de Pernambuco. Leia abaixo a íntegra da entrevista.
Jornal dos Bancários: A fusão Itaú/Unibanco foi comemorada até pelo presidente da República, mas abre nova corrida ao topo -na lista dos gigantes . Mais concentração de capital não é ruim para a sociedade?
Ana Quitéria: A comemoração do governo decorre do grau de solidez que os processos de fusão encerram. Da união de dois conglomerados, surge uma empresa maior e mais sólida, o que sem dúvida fortalece o setor financeiro – a espinha dorsal do capitalismo. Logo, qualquer governante deseja contar com um sistema financeiro robusto. No entanto, é oportuno questionar se a sociedade como um todo se apropria desse avanço. Até aqui, o ganho de produtividade conquistado pelo setor financeiro não gera contrapartida social. Do ponto de vista técnico, os processos de fusão permitem aumentar o ganho de escala – redução do custo unitário e, com isso, baratear os serviços financeiros para os clientes. Mas, não é isso que temos visto no Brasil, onde os clientes de bancos são explorados com as maiores taxas de juros do mundo, além de um implacável sistema de cobrança de tarifas bancárias. Se, de um lado, aumentou o acesso aos serviços bancários, de outro, o lucro do setor bancário registrou um crescimento exponencial de 168% entre 2002 e 2007, saltando de R$ 20 bilhões para R$ 58 bi. Portanto, a concentração do setor bancário não significa melhoria para a sociedade. Pelo contrário, cada vez mais os clientes são “expulsos” das agências para o atendimento massificado, nos correspondentes bancários e postos de auto-atendimento, onde há pouca ou nenhuma garantia de segurança.
JB: Com base na história de fusões e incorporações de bancos no país, o que os empregados podem esperar em relação a emprego e condições de trabalho?
Ana Quitéria: No setor bancário brasileiro, as fusões e privatizações revelam um histórico com impacto bastante negativo nos postos de trabalho do setor. Particularmente, no caso do banco Itaú, o enxugamento também está presente. O relatório de administração do Itaú registrava 31,3 mil funcionários, em 1996 . Nos anos seguintes (1997, 1998, 2000 e 2001), o banco comprou quatro bancos estaduais (Banerj, BEMGE, Banestado e BEG). Somando o estoque de bancários, em cada um desses bancos, na véspera das respectivas privatizações, o número total era de aproximadamente 27,7 mil funcionários, que em tese foram incorporados ao quadro de pessoal pelo Itaú. No entanto, o estoque de emprego no Itaú em dezembro de 2003, dois anos após a última privatização, era de 42,5 mil bancários, um aumento de apenas 11,2 mil bancários em relação ao ano de 1996. Quer dizer, se a partir de 1997 até 2001, o Itaú tivesse incorporado os 27,7 mil bancários oriundos dos bancos privatizados ao seu estoque, que era de 31,3 mil, o quadro de pessoal teria se elevado para 59 mil e não 42,5 mil. Outro exemplo com impacto negativo no emprego foi a fusão do Banco Nacional com o Unibanco, em 1995. Nesse caso, entre 1994 e 1995, ano da aquisição do Nacional, o quadro de funcionários do Unibanco aumentou de 17 mil para 28 mil. Nos anos seguintes, esse número começa a cair até alcançar, novamente, o número que havia antes da fusão, ou seja 17 mil – uma redução de 39%. Diante desse legado, os bancários e as entidades sindicais devem se manter vigilantes contra qualquer ameaça de demissão.
JB: Do ponto de vista das relações capital x trabalho, qual o impacto do negócio? As dificuldades de negociação não crescem?
Ana Quitéria: No Brasil, os bancos não agendam nenhum tipo de negociação para tratar da relação capital&trabalho num processo de fusão. Todas as iniciativas a esse respeito sempre partem do movimento sindical dos bancários. Mesmo assim, quando as reuniões ocorrem, os bancos não assumem nenhum compromisso formal, no sentido de atenuar os possíveis conflitos de interesse dos trabalhadores envolvidos no processo de fusão. Por esta razão, desde o anúncio da fusão do Itaú com o Unibanco, o movimento sindical bancário tem se mobilizado na defesa dos trabalhadores. As negociações salariais no âmbito do setor financeiro são muito difíceis. Todas as conquistas da categoria são fruto de muita luta e mobilização. Se o Itaú e o Unibanco optarem por um processo de fusão com redução de pessoal, as lutas e as conquistas dos trabalhadores tornam-se mais difíceis ainda, porém necessárias.
JB: Aparentemente, o Itaú tem um perfil menos elitista do que o Unibanco. Isso é bom ou ruim para a clientela de varejo?
Ana Quitéria: De uma forma geral, os grandes bancos adotam a segmentação da atividade bancária como estratégia para explorar dois segmentos da clientela, um popular com baixo potencial de negócios e outro dito sofisticado. O atendimento a esse público é diferenciado: ao primeiro é oferecido produtos e serviços homogêneos voltados para mercados de massa como poupança, crédito consignado, cartão de crédito, etc. Ao segundo grupo, o banco oferece produtos e serviços cada vez mais diferenciados como atendimento individualizado e assessoria especializada. Portanto, em termos de atendimento, o banco continuará diferenciando pelo critério da renda. Aquele que não der o retorno exigido pelo banco continuará sendo atendido por canais alternativos (caixas eletrônicos, central de atendimento, correspondentes bancários, etc…). Diante disso, se o Itaú tem um perfil de cliente menos elitista que o Unibanco, significa dizer que o público elitista continuará tendo atendimento preferencial, enquanto o não elitista terá atendimento massificado.
JB: Do ponto de vista técnico, qual a questão central desta transação que precisa ser dita?
Ana Quitéria: A questão central é a antiga disputa pelo ganho de produtividade – fazer mais com menos. Até aqui, esse ganho tem sido apropriado apenas pelo capital. Conforme destacamos no início desta entrevista, os processos de fusão aumentam a produtividade dos bancos envolvidos. Para isso, basta ver os mega lucros divulgados a cada exercício contábil. No entanto, esse ganho deve ser distribuído com todos que contribuem para esse resultado. Em geral, funcionários e clientes ficam fora desses ganhos. No caso específico do setor bancário, a distribuição de produtividade implica garantir estabilidade de emprego, oferecer perspectivas de crescimento funcional, melhorar os salários, reduzir a jornada de trabalho, oferecer condições mais adequadas de empréstimos para os clientes (juros baixos e prazos longos), promover redução das tarifas bancárias e ampliar o horário de atendimento com novas contratações.