Valor Econômico
Assis Moreira, de Estocolmo
A Suécia já está taxando os bancos para um fundo destinado a futuros socorros ao sistema financeiro. O modelo sueco teria inspirado o presidente americano Barack Obama no seu anúncio de cobrança sobre grandes bancos e o Fundo Monetário Internacional (FMI) o examina como opção a ser sugerida a outros países.
No Ministério de Finanças, no centro de Estocolmo, já se tornou rotina a visita de estrangeiros querendo detalhes sobre o tributo para alimentar um “fundo de estabilidade” financeira, depois que os bancos tiveram perdas globais de US$ 1,2 trilhão na recente crise.
“Visivelmente inspiramos muita gente e estamos orgulhosos com nosso modelo”, disse o vice-ministro Urban Karlstroem em entrevista ao Valor, sentando próximo a um cofre-forte em seu escritório no andar térreo e com janela para uma rua movimentada da capital.
“Nossa ideia é simples: o fundo coleta dinheiro dos bancos como recurso para o futuro e garantia de que o contribuinte não pague a conta”, afirmou. “Mostramos nossa capacidade de estabilizar o sistema e o banco que recebe o socorro é quem paga a fatura”.
Funcionários americanos se apressaram em estudar o modelo sueco antes de o presidente Obama anunciar sua taxa sobre grandes bancos. A União Europeia deve discutir em abril a criação de um imposto. O modelo sueco é uma das opções que o FMI estuda para o relatório que apresentará no mês que vem, quando deverá apoiar uma taxa global e propor ideias de como implementá-la. De maneira geral, o modelo sueco é considerado bem mais prático que uma taxa sobre transações financeiras, a chamada “Taxa Tobin”.
O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, vê como essencial um tributo especial sobre os bancos para criar “uma nova relação entre bancos e sociedade”. Ainda mais depois que instituições recuperadas voltam a agir como antes da crise, inclusive nos pagamentos milionários de bônus a seus executivos.
O setor financeiro está longe de total recuperação. Somente nos EUA, 140 bancos quebraram em 2009. Outros 702, com ativos de US$ 400 bilhões, estão combalidos, segundo as autoridades americanas. A exposição de bancos europeus em economias fragilizadas, sem condições de pagar empréstimos, também é enorme, apesar de vários bancos terem voltado a lucrar no quarto trimestre de 2009.
A Suécia, com apenas 9 milhões de habitantes e bancos relativamente prudentes, acha que o melhor é prevenir desde já. “Tivemos uma dura crise bancária interna nos anos 90 e agora fomos atingidos por uma crise que veio de fora”, disse o vice-ministro sueco. “O que nos afetou mais foi a falta de confiança no sistema bancário”.
Na crise dos anos 90, causada pela bolha imobiliária, o governo sueco nacionalizou parte dos bancos, que perderam US$ 28 bilhões, recuperou as instituições e depois as privatizou de novo. Mas também impôs uma taxa sobre transações, que provocou o deslocamento de “trading” para Londres e outras praças financeiras.
Na crise recente, bancos suecos ficaram particularmente expostos à péssima situação de pagamento dos países bálticos – Estônia, Letônia e Lituânia – e da Ucrânia. O governo, de tendência liberal-conservadora, criou esquema de garantia para certos créditos de instituições, recapitalização para bancos com créditos “saudáveis”, além de prometer ajuda de emergência. Tudo isso foi pouco utilizado, segundo o vice-ministro.
Mas desta vez o governo criou também o “Fundo de Estabilidade”. Vai cobrar uma taxa sobre os bancos até que o capital do fundo seja equivalente a 2,5% do PIB em 15 anos, ou US$ 10 bilhões. Para o governo, o montante já ajuda a pagar o custo de uma crise.
A taxa de 0,036% por ano é cobrada sobre o total do passivo dos bancos, com exceção de alguns itens (equity capital, junior debt securities). No entanto, em razão da ainda delicada situação dos mercados financeiros, somente metade da taxa será cobrada este ano. Mas todas as instituições vão pagar a taxa, e não apenas os sobreviventes da crise atual.
O imposto será diferenciado pelo risco a partir do ano que vem. Quanto mais risco tiver o banco, mais paga, combinado com um sistema de garantia de depósitos, ainda em estudo.
Com o fundo, não se cria peso adicional para o orçamento do governo e protege os interesses dos contribuintes, que não pagarão a fatura por ajuda aos bancos. Maria Hedin, vice-diretora da Divisão Bancária, do Ministério de Finanças, nota que a taxa sueca implica também que, quanto mais o banco fizer alavancagem, ou seja, se endividar, mais ele paga. O que significa ter mais prudência e buscar preservar capital próprio.
O fundo sueco já dispõe de cerca de US$ 4 bilhões, equivalente a 1% do PIB. Diferentes economias, diferentes pesos. A taxa que o presidente americano Barack Obama anunciou sobre grandes bancos visa recuperar US$ 117 bilhões, como compensação do plano de salvação estabelecido pelo governo.
O que conta é a diferença de modelo. Os americanos buscam recuperar o dinheiro dos contribuintes que salvou bancos. Já os suecos se preparam agora para cobrir custos de uma futura crise.
Globalmente, a taxação sobre os bancos, para criar fundos de estabilidade no setor financeiro, parece inevitável. A questão é seu formato. Gordon Brown primeiro defendeu uma taxa sobre as transações bancárias – a chamada taxa Tobin, mas começa a mudar de ideia diante da reação americana, e se aproxima do modelo sueco.
“A taxa Tobin é muito difícil de ser implementada e reduziria a liquidez nos mercados”, avalia Maria Hedin. Os suecos defendem seu modelo junto a outros países da União Europeia, que implica uma cobrança não sobre as transações financeiras, e sim sobre os resultados dos bancos.
Brown agora passou a defender que os governos nacionais deveriam ficar livres para decidir como usar os fundos coletados por uma taxação sobre os bancos. Podem tanto criar um fundo de segurança contra futuras quebras bancárias como para pagar as intervenções que foram feitas recentemente.
Se nos EUA a resistência continua grande sobre a taxa, na Suécia ela nem está mais discussão. Em contrapartida, os bancos suecos resistem à oposição do governo em acabar com a parte variável dos salários dos executivos, ou seja, com os enormes bônus.