A relação entre trabalho e adoecimento psíquico não está apenas na pauta dos maiores sindicatos de trabalhadores do país, tem também merecido a atenção do meio acadêmico. O dossiê O Mundo Contemporâneo do Trabalho e a Saúde Mental do Trabalhador, que já está em seu segundo volume, é um exemplo.
Lançado nesta quinta-feira 4, em São Paulo, pela Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho), órgão do Ministério do Trabalho e Emprego, a publicação reúne 17 artigos de pesquisadores sobre o tema.
“A saúde mental é algo que se debate desde que o homem é homem, mas há alguns anos vem ganhando cada vez mais visibilidade”, ressaltou a médica sanitarista e pesquisadora da Fundacentro, Maria Maeno, uma das editoras do dossiê.
A explicação para essa visibilidade foi dada por outra pesquisadora da Fundacentro, Mina Kato. “Intensificação da jornada e da carga, precarização, metas cada vez maiores, uma organização de trabalho que permite humilhações. A pressa e a intensidade do trabalho, somadas ao isolamento em relação ao coletivo, vem provocando desgastes físico e mental nos trabalhadores, principalmente entre bancários e funcionários de telemarketing, mas também, como mostram alguns artigos do dossiê, em outros setores como na saúde e educação públicas.”
O médico do trabalho e assessor da Fundacentro, Jorge Teixeira, também citou o setor financeiro como exemplo da precarização das relações trabalhistas. “Os bancos são verdadeiras fábricas de pessoas com transtornos mentais. E o número vem aumentando”, afirmou ele, citando a pesquisa recente feita pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo.
Debate
O lançamento do dossiê contou com mesa de debate sobre a contextualização da saúde mental do trabalhador, com a participação da psiquiatra Edith Seligmann-Silva e da doutora em ciências sociais e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia, Tânia Maria de Almeida Franco.
Tânia situou a saúde mental do trabalhador no conjunto de fatores que caracterizam o neoliberalismo e a globalização, entre eles, a flexibilização do trabalho, a liberalização do capital, o recuo das políticas sociais e a privatização de bens públicos.
“Uma das estratégias do neoliberalismo para flexibilizar o trabalho no Brasil é a terceirização, que diferencia trabalhadores e enfraquece sindicatos fortes que tiveram papéis fundamentais na conquista de direitos trabalhistas. E essa flexibilização atinge o trabalhador em nível individual e familiar.” Na lógica neoliberal, acrescentou, o trabalho é contrário à vida.
Edith lembrou que o Brasil vive um período de pleno emprego, mas que a qualidade desse emprego continua sendo um desafio. “Claro que ter mais carteiras assinadas é uma vitória, mas temos de continuar lutando por trabalho saudável, pois o trabalhador está mental e fisicamente sobrecarregado”, afirmou.