FOLHA DE SÃO PAULO
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Acusados de grandes crimes financeiros no Brasil não têm por que temer um processo similar ou uma condenação como a de 150 anos de prisão imposta ao financista Bernard Madoff, nos Estados Unidos.
Grandes fraudes domésticas, como o caso Banestado ou o megarrombo do Banco Nacional, guardadas as proporções, ilustram as distintas condições de investigação, julgamento e condenação nos dois países.
O banco dos Magalhães Pinto manteve contas fantasmas graças à inoperância da fiscalização do BC. Também no caso da megalavagem de US$ 20 bilhões do caso Banestado, “o BC jamais representou ao Ministério Público e à Receita”, diz o procurador da República Celso Três, que participou da Força-Tarefa CC-5. Houve bons resultados, mas, com a demora, vários fatos prescreveram (quando não cabe mais punição).
Os EUA têm tradição de fazer investigações integradas, reunindo órgãos de fiscalização, com apoio de departamentos similares de outros países.
Aqui, a confissão do réu não é suficiente para levar à imediata condenação – como ocorreu com Madoff. “O sistema judiciário norte-americano prevê a “pleabargain”. Se o réu se declarar culpado não haverá processo mas apenas aplicação da pena”, explica o criminalista Tales Castelo Branco.
“No Brasil, um processo por crime financeiro demora anos. Muito dificilmente o réu permanecerá preso durante o processo, por mais grave que tenha sido a fraude”, diz o procurador da República Mario Bonsaglia.
Por aqui, a prisão de banqueiros não costuma ter longa duração -Cacciola é tido como exceção, diante de casos emblemáticos, como o de Edemar Cid Ferreira, ou mais controvertidos, como o de Daniel Dantas. Ambos recorrem em liberdade.
Madoff estava preso desde dezembro. Aguardou a sentença encarcerado. No Brasil, admite-se o cumprimento da pena apenas quando o processo transita em julgado (quando não cabe mais recurso). “São quatro instâncias, algo sem paralelo no mundo”, comenta o procurador Celso Três.
O Supremo Tribunal Federal vetou as aparições de criminosos de colarinho branco presos e algemados. O caso Madoff remete, de certa forma, ao do bilionário Allen Stanford (que causou prejuízo de cerca de US$ 7 bilhões), exibido à mídia com algemas e vestindo macacão laranja de presidiário.
Nos EUA, como lembra o procurador da República Vladimir Aras, é comum a “perp walk” (algo como a caminhada do acusado, sempre algemado, para registro por fotógrafos e cinegrafistas). No Brasil, houve a supressão das algemas, “tratamento humanitário por força de louvável decisão vinculante do STF”, como entende o criminalista Castelo Branco.
Aqui, em tese, múltiplos crimes podem levar a uma condenação igual à de Madoff. Mas nenhum réu cumpre mais do que 30 anos. A advogada Flávia Rahal, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, diz que “casos julgados para e pela opinião pública desvirtuam o papel da Justiça e sua própria realização”.
Prejuízos no Brasil devem atingir milhões
Com o próprio valor das perdas provocadas pelo esquema de Bernard Madoff ainda sendo alvo de contestação (calcula-se que possa chegar a US$ 65 bilhões), não há um levantamento concreto sobre o tamanho do rombo provocado por ele no Brasil -mas não há dúvidas de que os tentáculos da fraude chegaram ao país.
O advogado americano David Rosemberg afirmou em janeiro (pouco mais de um mês depois da revelação do caso) que já havia sido procurado por 15 investidores brasileiros e que as perdas no país chegaram a “dezenas de milhões de dólares”.
Ele disse que nenhum dos investidores aplicou diretamente com Madoff, mas por meio de bancos como Safra, Santander, Itaú e UBS e do fundo norte-americano Fairfield Greenwich, além de outras instituições no país, nos EUA e na Europa.
No caso do Santander, o “Wall Street Journal” disse que eram de brasileiros US$ 300 milhões dos US$ 3,1 bilhões que um fundo do banco perdeu com o financista. O banco espanhol ofereceu um acordo para os investidores do fundo que já teria sido aceito por mais de 90% dos clientes individuais.