Folha de São Paulo
LEANDRA PERES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
O dinheiro liberado pelo Banco Central desde o fim de setembro para contornar a crise e estimular a retomada dos empréstimos entre as instituições financeiras, especialmente entre as de pequeno porte, ainda está parado no caixa dos grandes bancos.
O volume de recursos dos bancos que sobra e volta diariamente ao Banco Central por meio da compra de títulos aumentou 27% desde 24 de setembro, quando o governo anunciou as primeiras medidas para ajudar os bancos a fechar seus caixas.
Em agosto, os bancos devolveram R$ 29,8 bilhões por dia ao BC. Ao longo de setembro, a demanda já havia subido para R$ 48,7 bilhões diários. Mas depois da liberação dos compulsórios, esse volume aumentou para R$ 61,7 bilhões por dia e atingiu ontem o recorde de R$ 70,666 bilhões, segundo a Andima (Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro). Em janeiro, esse mercado não girava mais de R$ 15 bilhões diários.
Desde a piora nos mercados, em setembro, as tesourarias dos bancos passaram a trabalhar com cenários mais pessimistas de liquidez e aumentaram suas necessidades de caixa para os próximos 60 dias. Esses cenários são calculados com base nas estatísticas de depósitos e de saques dos clientes.
Para priorizar o próprio caixa, esses bancos diminuíram os empréstimos a outras instituições e mesmo a clientes importantes, elevando o custo do dinheiro disponível e secando o crédito no mercado.
O problema é que grande parte desse dinheiro em caixa não é emprestado e retorna ao Banco Central por meio das compras diárias de títulos públicos no BC. É o chamado “overnight”.
Numa situação de normalidade, as instituições financeiras com recursos à disposição costumam emprestar para outros bancos, buscando uma taxa mais favorável do que a obtida junto ao BC, hoje de cerca de 0,0546% ao dia -14,75% estimados para a Selic no final do ano. Dessa forma, quem não tem recursos para fechar o caixa toma empréstimo e acerta suas contas.
Com a crise de liquidez, os bancos têm preferido deixar dinheiro em caixa e buscar a segurança do BC. Com isso, os bancos menores começaram a ter dificuldades para fechar suas contas. A solução dada pelo governo foi a liberação, até agora, de mais de R$ 60 bilhões dos chamados depósitos compulsórios, que são recursos que os bancos têm que deixar depositados no BC. Outros 46 bilhões serão liberados nos próximos dias.
“As medidas anunciadas pelo governo conseguiram colocar mais liquidez no mercado, mas as instituições financeiras não saíram de uma posição defensiva”, disse o presidente da Andima, Alfredo Moraes.
Para o BC, o aumento na demanda por títulos públicos é um efeito esperado da crise financeira e deve se manter assim por algum tempo. A autoridade monetária considera, no entanto, que a falta de recursos para empréstimos entre os bancos começa a ser normalizada.
Os primeiros sinais seriam as vendas já anunciadas das carteiras de crédito consignado dos pequenos bancos. A normalização do mercado interbancário – em que um banco empresta a outro – seria a última etapa nesse processo.
Esse cenário, no entanto, depende da calma relativa em que operam os mercados internacionais nos últimos dois dias.
Para o economista Sérgio Vale, da MB Associados, a liberação de recursos pelo BC é importante, mas não será suficiente para restaurar o crédito num prazo curto. “Leva tempo para reverter o grau de desconfiança que se gerou. Se houvesse a percepção de que tudo vai se solucionar rapidamente, não estaríamos vendo inúmeras empresas parando suas decisões de investimento.”