Folha de São Paulo: Crise impulsiona a renovação do FMI

Instituição ganha importância no socorro a países em dificuldade e terá reforço de caixa de pelo menos US$ 500 bilhões

Nações emergentes como Brasil, Rússia, Índia e China aproveitam recessão nos países ricos para exigir mais peso nas decisões do Fundo

ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

Em pouco mais de seis meses, a crise financeira global produziu mudanças no FMI (Fundo Monetário Internacional) que quase cinco anos de negociações entre países desenvolvidos e emergentes não haviam conseguido.

Paradoxalmente, a crise também tirou o FMI do “limbo” em que estava metido. Há um ano, a discussão em Washington era como o Fundo se financiaria e quantos funcionários demitiria. Agora, o FMI sai de sua reunião encerrada ontem com a promessa dos países de reforçar seu caixa em pelo menos mais US$ 500 bilhões.

Por trás dessa “transformação” do FMI está o fato de que todos os países desenvolvidos, sem exceção, devem amargar retração ou crescimento zero em 2009. O mundo só não afundará mais neste ano por conta dos emergentes. E o Fundo conta com muitos deles para captar recursos e socorrer países-membros em dificuldade.

A estratégia dos países em desenvolvimento agora é acelerar a consolidação das mudanças, consideradas ainda “precárias e reversíveis”, antes que um cenário econômico mais favorável volte. O temor é que, passada a crise, as grandes potências mundiais voltem a emperrar a ambição dos emergentes por mais peso nas decisões de FMI e Banco Mundial -como vinham fazendo há anos.

O G20 (grupo que representa 85% da economia mundial e onde estão Brasil, Índia e China) quer se consolidar como fórum permanente, aposentando o G7 (Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Canadá e Japão).

Para isso, já marcou três novas reuniões neste ano, em maio, julho e setembro -esta última com a presença dos chefes de Estado de cada país.

Na prática, o “secretariado” dos países emergentes que participam no G20 são, quase todos, seus funcionários no FMI. Por isso, têm tentado avançar em grupo tanto na direção de consolidar as mudanças no Fundo quanto para estabelecer o G20 como principal fórum internacional do mundo.

Além de procurar consolidar o G20, os emergentes conseguiram, nos últimos seis meses, ao menos três avanços de seu interesse e considerados fundamentais, entre eles:

1) Já está funcionando a Linha de Crédito Flexível, que permite a países em dificuldade sacar recursos sem as tradicionais condicionalidades do Fundo -como intromissão na política de juros ou de despesas públicas. O México já tomou US$ 47 bilhões. Colômbia (US$ 10 bilhões) e Polônia (US$ 20 bilhões) são os próximos;

2) Ficou marcada para janeiro de 2011 a data-limite para um acordo sobre a reforma do sistema de cotas do Fundo, que dará mais poder de voto aos emergentes. Hoje, alguns países europeus com economias menores têm mais poder no Fundo do que China e Brasil.
Hoje, a cota do Brasil é de 1,8%. Dos EUA, 17%. Dos europeus juntos, cerca de 30%;

3) O Fundo concordou com a proposta dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) de criar um “bond” (título) que os emergentes comprarão do FMI para reforçar seu caixa.

Os detalhes desse “bond” estão sendo negociados, mas o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Khan, disse no fim de semana ter “certeza de que este instrumento será usado”.

A estratégia dos Brics é que esse título seja temporário, pois não querem permitir que o FMI tenha um instrumento que acabe resolvendo seu problema de caixa. Pois isso poderia adiar a reforma das cotas, que é por onde tradicionalmente o Fundo levanta dinheiro entre seus 185 sócios.

Ontem, na entrevista de encerramento da reunião, Strauss-Khan reafirmou a intenção de mudar o peso das cotas, mas frisou que não é só por meio delas que os países têm voz no Fundo.

“Em 2008, por exemplo, o Brasil teve sua cota aumentada de 1,4% para 1,8%, o que não muda muito. Mas o país está se transformando em um grande “player” [participante] da economia mundial graças à liderança do presidente Lula. Claro que a mudança será importante, mas o Brasil e outros emergentes não são ouvidos só pelo tamanho de suas cotas”, afirmou Strauss-Khan.

Já o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, afirmou que “já é tempo de promover a mudança nas cotas para que os países emergentes sejam melhor representados”. (FERNANDO CANZIAN)

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