TONI SCIARRETTA
da Folha de S.Paulo
A crise que muda o sistema financeiro internacional também afetará a forma como os bancos fazem negócios no Brasil. Um dos motores do crescimento nos últimos anos, a expansão do crédito brasileiro deve se desacelerar e a atividade bancária, se tornar um negócio caro e disputado por poucas instituições, segundo analistas.
Sem as captações no exterior e com o encarecimento do empréstimo interbancário doméstico, as condições de competição dos bancos pequenos com os grandes –que têm depósitos e captam no varejo– diminuíram bastante desde o início do ano e entraram em colapso neste mês, obrigando o Banco Central a tomar medidas para facilitar a venda de carteiras entre os bancos. A medida estimula a concentração do crédito nos bancos mais capitalizados e com mais caixa.
Mesmo com baixa alavancagem, o sistema financeiro brasileiro também viverá o seu “back to basics”, o movimento conservador pautado pela atividade bancária clássica de intermediação financeira.
“Todo mundo vai tomar cuidado antes de entrar na água de novo”, diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander e ex-diretor do BC.
“Toda crise é concentradora e consolidadora. Em um temporal, quem consegue não pegar uma pneumonia? Aquele que tem mais saúde. Ninguém sabe depois dessa história toda como o sistema vai ficar. O que provavelmente teremos é um sistema financeiro muito menos exuberante”, disse Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e gestor da Mauá.
Para Figueiredo, a diferença é que os bancos brasileiros serão menos afetados por serem menos alavancados. “O Brasil será menos afetado porque o sistema é muito sólido, tanto do ponto de vista de alavancagem quanto de liquidez e qualidade dos ativos. Por mais que tenha crescido, a quantidade do crédito ainda é muito baixa.”
Para a América Latina e o Brasil, em particular, o risco de maior retrocesso será com a bancarização, o movimento que levou os serviços bancários e o crédito às classes C, D e E. “Já começou um movimento em que os bancos se tornaram mais seletivos. Antes a liquidez estava alta, e os bancos começaram a entrar em outros públicos. Agora volta um crédito mais seletivo, reforçado em garantia, onde está em jogo quem são os melhores em seus mercados e seus nichos. Os melhores sobreviverão e serão mais competitivos do que nunca”, disse Ceres Lisboa, da agência Moody’s de avaliação de risco.
Para o ex-presidente do BC Gustavo Loyola os bancos pequenos são os primeiros a sofrer com os movimentos conhecidos como “flight to quality”, em que os investidores procuram fazer negócios com as instituições de menor risco. “A crise afetou a liquidez principalmente pela redução das linhas de crédito externas. Os bancos menores sofrem mais.”
“A primeira semana de crise é sempre boa para bancos como Itaú e Bradesco. Há uma procura maior. Mas depois os negócios caem para todos. Estamos trabalhando muito para fazer muito pouco negócio”, disse Antonio Sequeira, superintendente da Tesouraria do Itaú.
Para Ceres Lisboa, da Moody’s, fusões e aquisições não devem ocorrer tão cedo entre os bancos devido à falta de dinheiro. “Juntar dois bancos pequenos é complicado, porque são duas forças gerenciais parecidas. Teriam de se complementar. Mas falta dinheiro para isso. O grande comprar o pequeno poderia acontecer, mas de novo: quem quer gastar caixa em uma operação dessa neste momento?”
“A crise acelera a consolidação dos bancos que já vinha lá de atrás. Para competir no crédito, os bancos precisam cada vez mais de escala e agora de liquidez”, disse Luis Miguel Santacreu, da Austin Ratings.
Para Alexandre Schwartsman, há um mito em torno da desaceleração do crédito por conta do fim da captação no exterior. Schwartsman fez um estudo que revela que os bancos foram buscar nos exterior apenas 8% de suas necessidades de captação do final de agosto de 2007 a agosto de 2008. Para as empresas, o financiamento externo foi equivalente a 5%. “O financiamento é interno.”
Para Ernesto Lozardo, professor da FGV, haverá redução do crédito para todos os segmentos da economia tanto por conta da escassez internacional como nacional. Ele afirma que o país poderá crescer menos do que 3,5% no próximo ano e que o desemprego ficará acima de 8,5%. “Os primeiros setores a sofrer serão automóveis, residências populares, linha branca e importação e exportação.”
Além do aumento da concentração bancária, analistas também prevêem um freio na engenharia financeira dos bancos de investimento que ajudou a impulsionar o mercado, a capitalização das empresas e o desenvolvimento de mecanismos sofisticados de proteção cambial que agora deram prejuízos a empresas exportadoras.
Patrocinadas pelo investidor estrangeiro, as aberturas de capital na Bolsa secaram neste ano e devem continuar assim ao menos até 2010, após a recuperação da economia real nos EUA e na Europa. Na área de gestão de recursos, a previsão é de conservadorismo e retração do pequeno investidor que se decepcionou com a Bolsa. Estruturas criadas para atender essa demanda em 2007 terão de ser revistas. “Agora, a gente ainda precisa de bastante gente. Mas o mercado ficou menor”, diz Sequeira, do Itaú.