FOLHA DE SÃO PAULO
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) vendeu para o banco HSBC por R$ 8,3 milhões uma carteira de crédito avaliada em aproximadamente R$ 650 milhões, numa operação realizada sem concorrência, de acordo com documentos obtidos pela Folha.
Ou seja, o banco privado comprou os créditos da instituição federal por 1,28% do valor total da carteira.
Não é possível precisar o quanto exatamente o banco estatal deixou de embolsar na transação porque o BNDES não manteve uma contabilidade dos recursos recebidos do HSBC, nem sequer formalizou em contrato uma das etapas do negócio, segundo afirma a própria instituição federal.
“Na falta de uma formalização contratual envolvendo a questão, os pagamentos efetuados pelo HSBC não foram apropriados aos respectivos contratos, tendo sido mantidos em uma conta de depósitos não identificados”, informou o BNDES em resposta a um requerimento de informações encaminhado pela Câmara dos Deputados.
Os cálculos do valor da carteira adquirida pelo HSBC foram feitos pelo economista Carlos Eduardo de Freitas, a pedido da Folha.
“O objetivo do exercício foi estimar, para janeiro de 2007, o valor nominal dessa carteira de empréstimos supostamente inadimplentes. Os dados disponíveis são insuficientes para gerar uma cifra exata desse valor nominal. Os cálculos, portanto, têm caráter preliminar, estando sujeitos a correções mediante disponibilização das informações necessárias”, ressaltou Freitas.
A operação entre o BNDES e o HSBC começou em março de 1997, após intervenção do Banco Central no Bamerindus.
O banco de capital britânico comprou a chamada “parte boa” da instituição paranaense. Mas a carteira de créditos do Bamerindus da linha Finame (programa federal para a compra de máquinas e equipamentos) voltou para o BNDES, conforme prevê a lei 9.365.
Contudo, em vez de o próprio BNDES cobrar as dívidas ou realizar leilão para receber o maior valor possível pela carteira, incumbiu o HSBC de recuperar os créditos e repassar os recursos ao banco estatal.
Pela falta de controle em relação às operações com o HSBC, o BNDES afirmou na resposta à Câmara dos Deputados não saber informar o valor total dos créditos assumidos pelo banco privado na data de venda da carteira.
Para ter ideia do potencial com as operações, quatro meses depois da aquisição dos créditos pendentes, o HSBC negociou o recebimento de R$ 2,87 milhões de um só cliente. De uma outra empresa, o banco cobra hoje R$ 17,8 milhões.
“Em decorrência das dificuldades mencionadas, não foi o BNDES/Finame que efetuou os procedimentos de cobrança aos beneficiários finais [dos créditos]. Assim, não será possível informar o saldo devedor -junto ao sistema BNDES- das operações cedidas ao HSBC, em qualquer data que não seja 26.3.1997”, disse o BNDES na resposta à Câmara.
Os créditos do programa Finame costumam ser de boa qualidade, pois, para serem concedidos, o tomador precisa dar garantias, como alienação fiduciária dos bens financiados e imóveis.
O procedimento adotado em relação ao Bamerindus/HSBC, por exemplo, não foi o mesmo no caso do Banco Santos, que também sofreu intervenção do BC e detinha carteira BNDES/ Finame. No caso do Banco Santos, o próprio BNDES fez a cobrança dos créditos num primeiro momento e chegou a anunciar que leiloaria a carteira para obter o melhor preço no mercado (o banco não informou se realizou o leilão).
Duas medidas
Na intervenção promovida pelo BC, em 26 de março de 1997, o Bamerindus detinha créditos da linha BNDES/Finame no valor de R$ 586,375 milhões, de acordo com a resposta da instituição federal à Câmara dos Deputados. O HSBC fez a cobrança das dívidas daquela data até 12 de janeiro de 2007, quando acertou a compra dos créditos pendentes.
“Supôs-se que as operações tivessem vencimentos lineares ao longo dos dez anos -de 1997 a 2006- e que se esgotassem no mesmo período. Logo, toda a carteira em janeiro de 2007 seria composta de financiamentos com pagamentos em atraso. Os cálculos assumiram que a taxa dos empréstimos fosse equivalente à média entre TJLP pura e TJLP mais 3,95%”, explicou Freitas sobre os cálculos.
A conta feita pelo BNDES para apurar o valor da carteira a ser vendida foi muito favorável ao HSBC.
Para corrigir o total da carteira, o BNDES aplicou TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) mais 0,5% ao ano. Com essa metodologia, o saldo total da carteira em 12/1/2007 chegou a R$ 1,649 bilhão.
De outro lado, o BNDES somou tudo aquilo que o HSBC conseguiu recuperar e repassar ao banco estatal até janeiro de 2007. Os valores foram corrigidos pela Selic (taxa básica de juros da economia), historicamente muito superior à TJLP mais 0,5%.
Não se sabe exatamente como as partes fizeram essa conta, já que o BNDES recebia os pagamentos na conta de “depósitos não identificados”.
Por esse cálculo, o HSBC teria repassado ao BNDES até janeiro de 2007 R$ 1,641 bilhão. Pela diferença, R$ 8,3 milhões, o HSBC levou todo o restante da carteira.