Fiscalização sobre bancos fica mais “intrusiva”, afirma diretor do BC

Carolina Mandl e Eduardo Campos
Valor Econômico | De Brasília

Os bancos têm recebido com mais frequência a visita de fiscais do Banco Central (BC), segundo relatos de banqueiros. Mais do que uma impressão do setor, as observações refletem uma mudança na postura da autoridade financeira, que tem batido mais à porta dos bancos para monitorá-los depois de uma sequência de casos de quebra de pequenas instituições financeiras no país nos anos recentes.

Nas palavras do próprio diretor de fiscalização do BC, Anthero Meirelles, a supervisão tornou-se recentemente “mais intrusiva”. “Não dá para ficar de longe, tem de estar lá, cheirando as coisas. Tem que ser cético”, disse o diretor em entrevista ao Valor na quinta-feira, na sede do BC, em Brasília. Meirelles, que está à frente da fiscalização desde março de 2011, chefia uma divisão com 900 funcionários públicos responsáveis pela manutenção da estabilidade financeira no país.

É principalmente dentro dos bancos que a autoridade tem sido mais notada pelas instituições. “O BC tem estado bastante atuante, mais próximo dos bancos. E não é só pelas informações. Ele conhece as características de cada companhia, não acha que todos os bancos são iguais”, afirmou o diretor de um banco de médio porte.

Mais do que corrigir problemas com a intervenção em bancos, o BC tem buscado entender a viabilidade das instituições financeiras. A partir disso, silenciosamente, a autoridade financeira já determinou o reforço da estrutura patrimonial, a mudança no modelo de negócios e a entrada de novos sócios em uma série de bancos sem que os correntistas tivessem notícias.

“Foi feito um fortalecimento do sistema financeiro, que vai muito além dessas instituições que entraram em regimes especiais”, disse Meirelles.

“A fiscalização tem de ser abrangente, tem que ser proativa, ver se o negócio do banco tem futuro, viabilidade”

Desde 2010, com a descoberta de um rombo de R$ 4,3 bilhões no PanAmericano (atual Banco Pan), outros seis bancos médios entraram em processo de liquidação extrajudicial. No Cruzeiro do Sul, focado em crédito consignado, o passivo a descoberto atingiu R$ 3,8 bilhões. No banco BVA, voltado a empréstimos a médias empresas, foram outros R$ 4,6 bilhões.

A sequência de quebras, que respingou no conjunto dos bancos médios e causou prejuízo a investidores, trouxe uma cobrança dos próprios banqueiros em relação à atuação do BC, que, para eles, deveria ter detectado anteriormente os problemas.

Questionado pela reportagem, Meirelles não informou quantos bancos foram submetidos a esse ajuste “invisível” por determinação da autoridade monetária. “Mas podemos dizer que é um processo concluído”, disse ele. O término se deu com a liquidação do BVA, em junho do ano passado. Depois disso, problemas de confiança levaram à liquidação, em agosto de 2013, do banco Rural, cujo nome estava envolvido no escândalo do mensalão.

“A fiscalização tem de ser abrangente, tem que ser proativa, ver se o negócio do banco tem futuro, viabilidade. Você corrige aqui, antes do problema. Acho que as instituições podem estar sentindo um pouco isso. Embora a gente tenha tido esses problemas [liquidações], esses casos são isolados. Nosso sistema é muito sólido, capitalizado e líquido. Esses casos são isolados e retirá-los fortalece o sistema”, explicou.

Remotamente, o BC já conseguia saber em detalhes o risco de mercado e de crédito de cada um dos 140 bancos e das 2 mil instituições não-bancárias do país, como consórcios, cooperativas e corretoras de câmbio. Mas a autoridade passou a demandar mais informações.

Em abril de 2012, o BC reduziu de R$ 5 mil para R$ 1 mil as operações de crédito que devem ser incluídas no Sistema de Informações de Crédito (SCR). Com isso, agora cobre 99% das transações do sistema. Para cada uma das 475 milhões de transações registradas, há hoje 60 tipos de informações, que vão da renda do tomador a sua localização geográfica e inadimplência.

Os casos de operações de crédito falsas no sistema financeiro também levaram o BC a desenvolver uma espécie de detector de fraudes. Um sistema de tecnologia da informação permite notar padrões estatísticos que fogem da normalidade nas carteiras de crédito, o que seria um indício de que algo errado pode estar acontecendo dentro de um banco. Meirelles não dá detalhes do sistema de detecção, por considerar que esse é o segredo da autoridade, capaz de levá-la aos fraudadores.

Segundo o diretor do BC, o reforço na fiscalização não está relacionado apenas aos recentes casos de fraudes e quebras de bancos. A própria evolução do crédito no Brasil, que representa 90% do risco do sistema financeiro, levou a aperfeiçoamentos.

Hoje o crédito representa 56,1% do PIB, 12,2 pontos percentuais a mais do que cinco anos atrás. “O BC teve preocupação de aprimorar mecanismos de supervisão, o que envolve uma série de ações para dar conta desse novo mercado”, disse.

Trata-se também de uma mudança na forma de a autoridade enxergar os riscos. Até 2011, a diretoria do BC só se reunia para tratar da estabilidade monetária, por meio do Comitê de Política Monetária (Copom). Desde julho de 2011, os diretores se reúnem trimestralmente para tratar da estabilidade financeira no Comitê de Estabilidade Finan ceira (Comef). “O Comef é irmão do Copom. Ele foi criado com objetivo de melhor sistematizar os riscos do sistema financeiro.”

Compartilhe:

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no telegram
Telegram