Está em curso no âmbito do Congresso Nacional, e também nas ruas, a batalha pela extinção da fórmula herdada do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso para rebaixamento do valor das aposentadorias: o fator previdenciário.
O fim do fator previdenciário foi aprovado pelo Senado Federal e está em tramitação na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei (PL) que saiu do Senado, o de número 3.229/2008, é de autoria de Paulo Paim (PT/RS).
Em reunião realizada dia 23 de junho, em São Paulo, as principais centrais sindicais do país reiteraram apoio ao projeto do senador Paulo Paim, que põe fim ao fator previdenciário, e não se deixaram encantar pelo projeto do deputado Pepe Vargas (PT-RS), que institui, como “alternativa”, a chamada Fórmula 85/95.
Pela proposta do deputado, o trabalhador ou trabalhadora poderá se aposentar sem o redutor apenas no caso de a soma de sua idade e de seu tempo de contribuição resultar em 95 anos para homens e em 85 ano para mulheres. O projeto mantém a lógica da imposição de mais tempo de contribuição para a Previdência, com prejuízo maior para quem começa a trabalhar mais cedo, porque essa pessoa levará bem mais que 35 anos para ter direito à aposentadoria.
“Isso afeta os mais necessitados, que precisam ir ao mercado de trabalho mais jovens para ajudar a sustentar a família”, diz Quintino Severo, secretário-geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
A fórmula de Pepe Vargas é injusta também com quem passar a vida toda como trabalhador da iniciativa privada, onde normalmente há intervalos sem registro em carteira, seja por conta do desemprego ou de períodos de trabalho informal.
Herança maldita
O fator previdenciário surgiu em 1999 como alternativa à rejeição do Congresso Nacional, em 1998, ao estabelecimento de idade mínima para a obtenção de aposentadoria. Trata-se, portanto, de um expediente urdido pelo governo da época para manter de pé um dos pilares da Reforma Previdenciária tocada pela aliança PSDB/DEM (ex-PFL), em 1998.
Pela lei que resultou da manobra neoliberal, a de número 9.876, o valor da aposentadoria paga pela Previdência Social passou a ser calculado com base na média aritmética dos 80% maiores salários de contribuição (corrigidos monetariamente) referentes ao período de julho de 1994 até o mês da aposentadoria, sendo esta média ajustada pelo fator previdenciário.
Conforme ressalta Henrique Júdice, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o fator previdenciário deprecia o valor da aposentadoria mediante três mecanismos. O primeiro é a imposição de perda com base na idade do trabalhador na hora de requerer o benefício – um homem que trabalhe e contribua por 36 anos terá a média de seus salários de contribuição multiplicada por 0,843 (redução de 15,7%), caso se aposente aos 58 anos.
O segundo é a atribuição de peso maior à idade que ao fato gerador do benefício (o tempo de contribuição) – um homem que trabalhe e contribua por 40 anos terá perda maior (16%) que o do primeiro exemplo, caso se aposente apenas um pouco mais jovem, aos 55 anos. O terceiro é a consideração da expectativa de sobrevida no momento em que o trabalhador se aposenta – a variável sempre cresce, trazendo perdas até mesmo aos que optam por adiar a aposentadoria.
Estudo feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) destaca também que o fator previdenciário, além de se colocar como uma alternativa à idade mínima, trouxe para dentro do sistema de previdência pública a lógica da capitalização, “principal elemento previdenciário privado”. O Dieese cita em favor de sua conclusão trecho de artigo publicado no Informe de Previdência Social nº 11, de novembro de 1999, pelo então secretário de Previdência Social, Vinícius Carvalho Pinheiro:
“No novo método de cálculo, o sistema continua operando com base na lógica da repartição, onde a atual geração de trabalhadores ativos financia os atuais ativos, mas o valor do benefício guarda relação com as contribuições realizadas, que passam a ser capitalizadas escrituralmente, conforme taxa que varia em razão do tempo de contribuição e idade dos segurados”.
Transcorridos já praticamente 10 anos de convivência com o fator previdenciário, a conclusão dos trabalhadores brasileiros é a de que chegou o momento de por fim a esse redutor de aposentadorias, de uma vez por todas, e sem deixar resquícios. Uma década foi mais que suficiente para demonstrar a injustiça de se jogar o peso das (necessárias) políticas de proteção social exclusivamente nos ombros dos trabalhadores, principalmente com a constatação de que os maiores prejudicados são os que começam a trabalhar mais cedo e que, normalmente, são os de menores salários.
Se é verdade que o financiamento da Seguridade Social precisa ser repensado para fazer frente ao crescimento do custo decorrente da acelerada expansão do sistema e do aumento da expectativa de vida da população, é também notório que a conta deve ser rateada de forma justa. A fatura deve ser apresentada a toda a sociedade e não apenas aos contribuintes do Regime Geral da Previdência Social, como querem os defensores da adoção de idade mínima para aposentadoria, que, na falta de condições para impor essa medida, se valem do fator previdenciário.
Defender o fim do fator previdenciário como postura de combate ao ônus exclusivo sobre os trabalhadores implica em recusa a qualquer “alternativa” circunscrita à lógica da redução do valor das aposentadorias. Porque injustiça não se ameniza, elimina-se.