“Estatizações” já custam US$ 1 trilhão a governo dos EUA

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

A operação resgate da seguradora AIG levada a cabo anteontem pelo governo norte-americano, adicionou US$ 85 bilhões a uma conta federal que desde o início da atual crise financeira já está entre US$ 900 bilhões e US$ 1,5 trilhão, ou cerca de 10% do PIB norte-americano, segundo analistas. E pode chegar a muito mais.

O valor de dinheiro público destinado a salvar instituições privadas, como a AIG e o Bear Stearns, em março, ou semiprivadas, como as gigantes hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, na semana passada, assusta não só por acontecer no país que é o bastião do capitalismo de livre mercado mas porque abre a porta para futuras operações, de outras instituições e setores da economia.

Nos cálculos mais conservadores, a administração de George W. Bush autorizou ou não se opôs ao gasto de US$ 900 bilhões nos resgates, via Tesouro, Federal Reserve, o equivalente ao banco central, e Federal Home Loan Bank, instituição que atua no crédito imobiliário. Nos mais agressivos, só o Fed já empenhou meio trilhão na ciranda.
“Pode ser muito mais, dependendo de quantos bancos mais terão de ser resgatados”, disse à Folha o acadêmico Edward Hadas, autor de “Human Goods Economic Evils” (ISI, 2007) e colunista do blog econômico Breakingviews.com. “Para ser franco, depois de um certo ponto, esses cálculos já não fazem mais sentido.”

O pior ralo é o das empresas Fannie Mae e Freddie Mac. Na operação resgate, cada uma levou US$ 100 bilhões. Se as duas agências imobiliárias perderem a capacidade de honrar seu fluxo anual de empréstimos, no entanto, o Tesouro teria de gastar cerca de US$ 450 bilhões por ano, o que triplicaria o déficit anual americano para US$ 1,2 trilhão, calcula Paul Ashworth, da Capital Economics.

Além disso, há o problema dos sinais contraditórios mandados pelo governo norte-americano. Até terça, a política oficial, encabeçada pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson, era de que não haveria resgates. Segundo a lógica oficial, o caso do Bearn Stearns era uma exceção, assim como o das duas agências imobiliárias. Tudo mudou depois do caso AIG.

Nas últimas horas, cresce, por exemplo, a pressão de montadoras norte-americanas para um pacote. Detroit pede US$ 25 bilhões em auxílio federal. Em discurso na noite de terça no Economic Club de Washington, William C. Ford Jr., CEO da empresa que leva seu sobrenome, disse que não, não se tratava de um resgate.

“É difícil para governos pararem uma vez que começam [as operações resgate], principalmente se eles decidem que um orçamento equilibrado não é meta para os próximos anos”, disse Edward Hadas. “Só param quando a moeda perde valor ou as pessoas caem na real e equilibram receitas e despesas. Como os brasileiros sabem, isso pode levar tempo.”

Para o historiador econômico Ron Chernow, esse governo “foi longe demais”. “Nós vivemos a ironia de uma administração pró-livre-mercado fazendo coisas que o governo democrata mais progressista não faria em seus maiores delírios”, disse ele ao “New York Times”. A ironia não deixou de ser notada pelo Congresso, dominado pelos democratas.

Ontem, os comitês financeiros do Senado e da Câmara começaram a articular contramedidas ao que líderes chamaram de farra com o dinheiro público. CEOs das empresas em dificuldade devem ser convocados a testemunhar. A começar por Richard Fuld Jr., do Lehman.

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