ESTADO DE SÃO PAULO
Tiago Décimo, SALVADOR
Quando a nona Cúpula Brasil-Portugal foi agendada, a pauta do encontro entre chefes de governo e ministros dos dois países girava em torno de temas amenos, como a uniformização da língua portuguesa e as possibilidades de ampliação do comércio bilateral entre os países. O que se viu ontem, em Salvador, porém, foi uma discussão intensa em torno das possibilidades de ação do Estado sobre a economia.
“Chegou a hora da política”, bradou Lula, em seu pronunciamento, no qual reconheceu que crise financeira global “tem duração e conseqüências imprevisíveis”. “O que estou defendendo não é o Estado se intrometer na economia, mas é o Estado que tenha força política para regular o sistema financeiro”, argumentou. “Está na hora de os políticos entrarem em ação para que o sistema financeiro tenha a obrigação de ganhar sobre a produção, sobre a geração de postos de trabalho, juntando dinheiro como faz qualquer trabalhador que quer comprar uma TV, não com a especulação, com a troca de papéis, para de uma vez por todas abolirmos o cassino que se transformou o sistema financeiro internacional.” O primeiro-ministro português, José Sócrates Pinto de Sousa, diz concordar que, com a crise, ficou demonstrado que o Estado tem de estar mais presente na economia. “Não temos o direito moral de deixar o sistema financeiro atuando como atuava antes da crise”, afirma.
“Estamos vivendo uma crise que se vive uma vez na vida – e ela não é justa. Todo mundo vai pagar um preço. Mas a crise mostra como estava errado quem seguia o pensamento único do mercado.” Segundo Lula, o Brasil reunia condições para não ser tão afetado pela crise, mas foi afetado por uma suposta ganância excessiva. “Batalhamos honestamente por seis anos para tornar a economia brasileira respeitável, sólida. As empresas brasileiras ganharam, nos últimos anos, muito mais do que vinham ganhando”, argumenta. “E por que estamos vendo sinais da crise? Porque algumas empresas resolveram investir em uma coisa chamada derivativo para ganhar um pouco mais. Neste país, ninguém tinha o direito de tentar, de forma quase ilícita, conseguir mais do que o mercado dava.” Para o presidente, este é um momento de reflexão para os países. “As economias emergentes não podem seguir sendo vítimas de um receituário financeiro que nunca foi seguido pelos países ricos”, acredita. “Por isso, é preciso investir no comércio, nos acordos da rodada de Doha, em desemperrar as negociações entre o Mercosul e a União Européia.”
Além das discussões sobre a crise mundial, os chefes de governo assinaram memorandos de entendimento nas áreas de biocombustíveis, gás natural e energia elétrica. Um dos acordos firmados envolve a Petrobras Biocombustível, a empresa petrolífera portuguesa Galp e o Governo da Bahia e visa ao desenvolvimento de estudos para a implantação de um pólo produtor de biocombustíveis feitos de dendê e girassol em território baiano.