O Estado de São Paulo
Leandro Modé
A agressividade na concessão de empréstimos após o aprofundamento da crise global, em setembro passado, fez os bancos públicos ampliarem substancialmente sua fatia no bolo do crédito no País. A participação, que era de 34,2% do total no mês em que o banco americano Lehman Brothers quebrou, subiu para 40% no fim de julho deste ano. As instituições privadas, incluindo as estrangeiras, viram sua parcela encolher de 65,8% para 60% no período.
Com a percepção consolidada de que o Brasil se recuperou rapidamente, analistas esperam que os privados corram para recuperar o terreno perdido. Até agora, porém, essa reação não ocorreu. Dados do Banco Central (BC) mostram que as instituições privadas continuam cobrando mais caro pelos empréstimos do que as públicas, sobretudo nas operações de pessoas físicas.
No dia 23 de setembro, segundo o site do BC, o juro médio do crédito pessoal era de 4,39% ao mês no Itaú Unibanco, 5,09% no Bradesco e 3,52% no Santander Real, ante 2,43% no Banco do Brasil, 2,30% na Caixa Econômica Federal e 2,33% ao mês no Banco Nossa Caixa (comprado pelo BB em novembro do ano passado).
No capital de giro prefixado, uma das operações mais usadas por empresas, as taxas são mais próximas. No Itaú Unibanco, estava em 2,42% ao mês, no Bradesco, em 2,81%, no Santander Real, em 2,28%. O BB cobrava 1,74% ao mês, a CEF, 1,81% e a Nossa Caixa, 2,06%.
Além disso, a expansão do crédito nos bancos públicos se mantém em ritmo bem mais acelerado do que nos privados. De junho para julho (mês mais próximo em que há estatísticas disponíveis), o saldo de empréstimos nos privados avançou R$ 3 bilhões, de R$ 784,6 bilhões para R$ 787 bilhões. Nos públicos, o crescimento foi dez vezes maior, de R$ 493,4 bilhões para R$ 523,7 bilhões.
“Isso mostra que os bancos públicos continuam, gradualmente, aumentando sua participação de mercado no crédito”, disse o analista de instituições financeiras da Austin Rating, Luís Miguel Santacreu. “Ainda não vemos os bancos privados acelerando, mas a tendência é que eles voltem”, afirmou o analista de bancos da Spinelli Corretora, Jayme Alves.
DEMANDA EM EXPANSÃO
Declarações dos presidentes dos dois maiores bancos privados do País na semana passada indicam que a mudança a que se refere Alves pode estar em curso. Quinta-feira, tanto Roberto Setubal, do Itaú Unibanco, quanto Luiz Carlos Trabuco Cappi, do Bradesco, disseram que o crédito crescerá mais do que eles esperavam nos próximos meses.
Executivos das duas instituições ouvidos pelo Estado confirmam. O Itaú Unibanco, informa o diretor executivo de finanças, Silvio Carvalho, espera agora uma expansão do crédito entre 12% e 18% este ano, ante uma projeção anterior de 8% a 12%. No Bradesco, segundo o diretor do Departamento de Empréstimos e Financiamentos, Nilton Pelegrino, a expectativa para os 12 meses entre julho deste ano e junho de 2010 é de um crescimento de 15%. Antes, o intervalo ia de 8% a 12%.
“Estamos vendo uma demanda maior por crédito. Além disso, acreditamos que em 2010 a economia já estará crescendo no ritmo pré-crise, a faixa de 4% a 5%”, disse Carvalho. “Em um primeiro momento, a área de pessoas físicas está mais aquecida. Mas acreditamos que, a partir do primeiro trimestre do ano que vem, as pessoas jurídicas tomarão a dianteira em razão do aumento dos investimentos na economia”, afirmou Pelegrino.
Carvalho evita falar em contra-ataque aos bancos públicos, mas Pelegrino deixa claro que o Bradesco vai pisar no acelerador. “Vamos, dentro da estratégia de crescimento orgânico, uma vez que estamos em 93% dos municípios brasileiros, buscar o nosso espaço”, disse.
Ele frisou, ainda, que as taxas de juros veiculadas no site do Banco Central referem-se à média das operações. “Trabalhamos com uma banda, em que há uma taxa mínima e uma máxima, que varia de acordo com o perfil de risco do cliente”, explicou. Pelegrino também observou que a Finasa, financeira do grupo Bradesco, tem taxas menores que as do banco de varejo. “O problema é que o levantamento do BC leva em conta os CNPJs separados, não uma taxa média da instituição”, ressaltou. No dia 23, o juro no Finasa era de 2,30% ao mês no crédito pessoal.
Os dois executivos negam que os bancos tenham fechado as torneiras do crédito no auge da crise global. “Nós nunca fechamos uma linha de crédito sequer. Em nenhum momento nosso cliente ficou sem atendimento”, disse Carvalho, que reconheceu, porém, que a instituição ficou “mais seletiva”. “O Bradesco nunca se retraiu. A retração foi do tomador, não dos bancos”, afirmou Pelegrino.
O Santander, terceiro maior banco privado, não se pronunciou porque está em período de silêncio por causa da oferta de ações que fará na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). A propósito dessa emissão, Santacreu observa que abrirá caminho para que o banco espanhol entre com mais força no crédito.
Jayme Alves calcula que a operação vai liberar cerca de R$ 80 bilhões para a concessão de empréstimos. É mais um indício de que, mais dia, menos dia, a concorrência no segmento vai se ampliar fortemente.