Filipe Pacheco
Valor Econômico
O Bankia, quarto maior banco espanhol em valor de mercado, será nacionalizado. Proposta entregue pelo banco e apoiada pelo Banco de España, o BC local, e pelo ministério da Economia, prevê que o resgate de 4,465 bilhões de euros concedido há dois anos pelo Fondo de Reestructuración Ordenada Bancaria (Frob) – uma espécie de fundo para garantir a estabilidade do sistema, seja convertido em ações ordinárias do BFA (Banco de Financiamientos y Ahorros), que detém controle majoritário do Bankia, com 45% de suas ações. O Frob terá, então, 100% do BFA e, por consequência, o poder decisão sobre o Bankia.
Assim, o governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy passa a controlar indiretamente o banco problemático sem ter desembolsado uma grande quantia de dinheiro público, em um momento delicado da economia espanhola. A operação precisa ser aprovada por entidades reguladoras da Espanha e da União Europeia, segundo texto do comunicado do BC espanhol.
José Ignacio Goirigolzarri entregou o plano ao Conselho Administrativo do BFA poucas horas após ser confirmado para comandar a instituição. Ex-presidente do BBVA, Goirigolzarri substituiu Rodrigo Rato, ex-ministro das Finanças da Espanha e ex-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), que pediu demissão do cargo no começo da semana.
“Os acontecimentos das últimas semanas e a crescente incerteza sobre o futuro da entidade tornou aconselhável dar um passo além, e propor o aporte de recursos públicos para acelerar o saneamento [do Bankia]”, diz a nota do Banco de España, publicada por volta de 22h do horário de Madri.
O comunicado acrescenta que a nova direção deve apresentar um plano de reestruturação o mais rápido possível. O ministério da Economia, por sua vez, disse em comunicado que “vai incentivar os trâmites [para a troca das ações].”
Nenhuma das duas autoridades oficiais falavam em novas quantias a serem injetadas no banco. Mas, segundo o “El País”, maior jornal da Espanha, estudos do governo consideram necessário valor entre 7 bilhões de euros e 10 bilhões de euros para limpar o balanço do Bankia. Assim que os boatos da nacionalização começaram a se fortalecer, o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy disse que “o governo gostaria de transmitir uma mensagem de segurança aos clientes do Bankia, e certamente garantirá a estabilidade de todo o sistema bancário.”
Ainda assim, investidores continuaram a operar em meio a alvoroço. O custo de proteção contra possível calote da dívida da Espanha chegou a atingir níveis próximos de recorde ao longo do pregão, de acordo com a provedora de dados Markit. Os chamados CDS de cinco anos da Espanha tocaram em 514 pontos, sendo que o recorde de fechamento já atingido tinha sido de 510 pontos, cravados em 16 de abril.
Para o estrategista de mercado da gestora IG Markets de Madri, Daniel Pingarrón, as mudanças na cúpula do Bankia e a sua consequente nacionalização já estavam no radar dos investidores nos últimos dias. Para ele, a possível injeção de capital no banco abre caminho para outras operações do tipo, “e isso traz incertezas sobre as ações futuras do governo de Mariano Rajoy”, ponderou o analista ao Valor.
Segundo Pingarrón, as expectativas recaem agora sobre as decisões que serão tomadas em reunião ministerial marcada para amanhã. Do encontro, explica ele, o mercado espera esclarecimentos sobre dois pontos específicos.
O primeiro é relativo às regras específicas para a criação dos chamados “bancos podres” – ou os “bancos malos”, em espanhol -, que agregariam os ativos ruins do setor imobiliário dos bancos de porte médio e das problemáticas caixas de poupança, cheias de ativos imobiliários ruins. E o segundo seria sobre o tipo de participação do governo em planos de resgate, já levando em conta a possibilidade de injeção direta de capital nos bancos. “Desde que assumiu o cargo, Rajoy sempre negou que faria essa injeção de dinheiro”, ressalta Pingarrón. “Mas a situação mudou.”
O Bankia, que tem mais de 10 milhões de clientes, foi criado em 2010 como a união de sete “cajas de ahorros” – entidades tipicamente espanholas que funcionam como bancos de poupança regionais, e que concediam principalmente financiamento à aquisição de moradias.
Em julho de 2011, o Bankia fez uma oferta inicial de ações (IPO) na Bolsa de Madri. Nas últimas três semanas perdeu cerca de 13% de seu valor de mercado, e somente no pregão de ontem, teve desvalorização de 5,84%, enquanto a perda do principal indicador da bolsa de Madri, o Ibex 35, foi de 2,77%.
As maiores instituições financeiras da Espanha, Santander e BBVA, ambas com forte presença na América Latina, não precisarão recorrer a possíveis resgates do governo espanhol, avalia Pingarrón, por terem seus balanços equilibrados e operações rentáveis espalhadas pelo mundo.
Para ele, as ações dos dois bancos têm sido penalizadas em bolsa mais por um contágio em relação ao setor bancário espanhol como um todo do que por causas intrínsecas a cada um deles. Ontem os papéis do Santander na bolsa de Madri perderam 4,52%, enquanto as ações do BBVA caíram 4,73%.