O escândalo que evidencia o envolvimento ilegal do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, na operação da Polícia Federal Lava Jato não para de crescer. Depois de contar com o jornalista Reinaldo Azevedo, da Bandnews FM, para revelar algumas conversas obtidas, o The Intercept Brasil anunciou, neste domingo (23), uma parceria com a Folha de S. Paulo para a publicação de uma série de reportagens. O objetivo é que esta história de interesse público atinja um maior número de pessoas.
As novas conversas divulgadas mostram o esforço de membros do Ministério Público Federal (MPF) para preservar, durante o ano de 2016, o ex-magistrado de possíveis questionamentos perante o Supremo Tribunal Federal (STF) e outras instâncias.
A iniciativa ocorreu por conta da divulgação de documentos encontrados pela Polícia Federal na casa de um executivo da Odebrecht. Os papéis listavam diversos nomes, entre eles políticos com foro por prerrogativa de função, o que, portanto, exige autorização do próprio Supremo para sua investigação.
O vazamento do teor dos documentos teria deixado Moro irritado, já que ocorreram apenas um dia após ter sido repreendido pela Corte por ter divulgado o conteúdo de grampos que tinham como objeto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre eles uma conversa com a então presidenta Dilma Rousseff, captada após o término do prazo da autorização judicial para a gravação.
O anseio de Moro e dos procuradores, de acordo com as mensagens, era de que Teori Zavascki, então relator da Lava Jato no Supremo, decidisse desmembrar e retirar de Curitiba inquéritos que tinham como objeto a empreiteira.
Pelo teor das mensagens reveladas neste domingo, a divulgação da “lista da Odebrecht” teria sido fruto de um descuido da Polícia Federal. “Tremenda bola nas costas”, escreveu Moro a Deltan Dallagnol. “E vai parecer afronta”, continuou. Moro decretaria sigilo sobre os documentos.
O procurador respondeu afirmando que não teria havido má-fé da Polícia Federal. “Continua sendo lambança”, treplicou Moro. Dallagnol então promete procurar o representante do Ministério Público no Conselho Nacional de Justiça, diante do temor de Moro de ter sua atuação contestada no órgão. Outra medida seria apressar a elaboração de uma denúncia, para que a indicação de possíveis crimes e acusados chegasse mais rapidamente ao Supremo, dirimindo dúvidas.
Autenticidade das conversas preocupa envolvidos
Ao revelar os novos diálogos, a Folha de S.Paulo afirmou, em relação ao material, que sua equipe “não detectou nenhum indício de que ele possa ter sido adulterado”. O questionamento da autenticidade das mensagens é um dos pontos centrais dos argumentos do ex-juiz federal Sergio Moro e da força tarefa da Lava Jato para desqualificar as informações e os vazamentos que escancaram condutas antiéticas e criminosas do agora ministro e os procuradores do MPF em Curitiba.
O jornal afirma: “Moro, que deixou a magistratura no ano passado para ser ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro (PSL), diz não reconhecer a autenticidade das mensagens obtidas pelo Intercept, considera sua divulgação sensacionalista e nega ter cometido ilegalidades na condução da Lava Jato – o que deve ser avaliado nesta semana pelo Supremo.” E ainda que “a força-tarefa da Lava Jato também não reconhece as mensagens como autênticas, mas, assim como Moro, não apontou indícios de fraude nos diálogos revelados.”
A Folha reforça também que, além das mensagens, o acervo obtido pelo Intecept inclui áudios, vídeos, fotos e documentos compartilhados pelo celular. O próprio Sérgio Moro deixou claro a autenticidade das conversas ao pedir desculpas aos integrantes do MBL, a quem ele chama de “tontos” em uma das conversas reveladas.
Desde a primeira divulgação os defensores da operação vêm adotando uma postura de criminalização do jornalismo, tendo o próprio ministro se referido ao Intercept como “site aliado a hackers criminosos”. Porém, antes de serem alvos de vazamentos, os procuradores da força-tarefa enfatizavam – em chats privados com seus colegas – que jornalistas têm o direito de publicar materiais obtidos por vias ilegais, e que a publicação desses materiais fortalece a democracia.
Deltan Dallagnol, nominalmente o coordenador da força-tarefa, era com frequência o maior entusiasta dessas garantias. O apreço de Deltan pela liberdade de imprensa se deve, possivelmente, ao fato de que a Lava Jato se valeu, por anos, de vazamentos de trechos de delações premiadas e outros materiais confidenciais contidos nos autos das investigações como ferramenta de pressão contra políticos e empresários alvos da força-tarefa.
Aliás, as tentativas do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, de desqualificar as denúncias apresentadas pelo The Intercept Brasil, e as ameaças que vêm sendo feitas contra o site e o jornalista Glenn Greenwald foram repudiadas pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Em nota pública, a instituição considerou os ataques como “descabidos” e cobrou uma postura em prol da liberdade de expressão e imprensa por parte de Moro.
O presidente da Abraji, Daniel Bramatti, explica que a lei brasileira é muito específica quanto à regulação do trabalho jornalístico, não cabendo nenhum tipo de acusação ao profissional no caso do material divulgado ter sido obtido de maneira ilegal. “Ninguém sabe como esse material foi obtido, ninguém tem evidências de que foi de fato um hacker (…) e esses jornalistas têm trabalhado de forma a publicar apenas o que eles consideram que seja de interesse público, eles não estão publicando nenhuma mensagem de caráter pessoal, nada que envolva as famílias das pessoas atingidas, nada disso”, destaca Bramatti.
Lula livre
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que, espera-se, deve julgar nesta terça-feira (25) pedido de liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No habeas corpus, a defesa aponta a suspeição do então juiz Sergio Moro. O julgamento foi iniciado ainda no ano passado, e paralisado em dezembro, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vistas. Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram contra o pedido de suspeição. Além de Gilmar, os ministros Ricardo Lewandoski e Celso de Mello ainda deverão votar.
Para o professor da Fundação Escola de Sociologia e Política, Paulo Silvino, chegou a hora do STF “mostrar o seu tamanho” e “assumir o seu papel”. Ele destaca que a Suprema Corte foi “gigante” em outras decisões, por exemplo, quando decidiu pela criminalização da homofobia, demonstrando que não se deixou afetar pela onda conservadora que assola a sociedade. Silvino destaca que, numa democracia com instituições sólidas, um juiz não pode manter íntimas relações com um promotor, como revelam os vazamentos, pelo The Intercept Brasil, das conversas entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol.