Eric Nepomuceno
Agência Carta Maior
Na Espanha, há duas dúvidas concretas sobre o que acontecerá depois do domingo, 20 de novembro, dia de eleições gerais. A primeira dúvida: qual a extensão da tremenda sova que os socialistas levarão nas urnas? A segunda: até que ponto o programa da direita mais rançosa, a do Partido Popular, irá acabar de sacudir um país que já está tremelicante?
Mariano Rajoy, candidato do PP à presidência do governo (a Espanha não tem primeiro-ministro: tem presidente de governo), já deixou claro que haverá cortes nos salários, menos impostos ao capital, que a lei de aborto será mudada, mas tudo que ele diz é tão ambíguo que mesmo mudanças tão radicais como essas são anunciadas sem deixar claro o que ele realmente pretende fazer.
A questão fiscal, por exemplo, é tão nebulosa que ninguém se arrisca sequer a adivinhar o que o PP está pretendendo. Mas já é possível prever um forte incentivo ao capital especulativo, às inversões na bolsa de valores, um favorecimento claro aos planos privados de aposentadoria – enfim, tratarão com o devido carinho quem tem (ainda tem) dinheiro e vive relativamente acomodado. Exatamente o contrário do que anunciam os socialistas: aumento de impostos ao capital, aos bancos, aos grandes patrimônios.
Dois portos até pouco tempo seguros no cotidiano dos espanhóis – a saúde e a educação públicas – estão vendo seus recursos minguarem rapidamente. A direita não anuncia nenhum novo corte nesses orçamentos, mas nem pensa em apresentar mecanismos que devolvam os recursos que estão sendo reduzidos com a queda na arrecadação fiscal, graças à crise que varre o país. A proposta que até a direita francesa defende – aumentar o imposto às grandes fortunas para manter serviços públicos de educação e saúde – nem passa perto da direita espanhola.
Ninguém, na Espanha, acredita nessa história de que não haverá cortes. Da mesma forma que são esperadas mudanças drásticas na legislação laboral, embora, uma vez mais, o candidato do Partido Popular não deixe pistas claras indicando o que pretende fazer. A tal flexibilização da legislação significará, na prática, cortes de salários, menos espaço para negociação com as patronais, perda de direitos adquiridos ao longo das últimas muitas décadas.
Para cativar ainda mais os setores conservadores do eleitorado, Rajoy assegura que fará profundas revisões na lei de aborto. Não diz quais, nem como.
Quanto aos socialistas, que tiveram com José Luis Rodríguez Zapatero um governo cada vez mais distante da social-democracia, resta ver qual a dimensão de sua derrota. É como se o eleitorado já tivesse decidido quem deverá ser duramente punido pela crise: o Partido Socialista Operário Espanhol.
O candidato do PSOE, Alfredo Pérez Rubalcaba, se esforçou ao máximo, durante sua campanha, para se situar à esquerda de Zapatero, deixando claro que pretendia retomar princípios e programas da social-democracia. No fundo, estava e está correndo atrás dos eleitores indecisos. O problema é que a crise é drástica. Há cinco milhões de desempregados, ou seja, pouco mais de dez por cento da população (22% da força de trabalho).
Entre os jovens com menos de 29 anos, essa cifra ronda a casa dos 34%. O desgaste é evidente, a falta de qualquer perspectiva também. Ainda assim, vale recordar que o seguro-desemprego beneficia 80% dos desempregados. Até quando será possível manter essa situação, ninguém sabe, dentro ou fora do governo.
Em 2008, o PSOE conseguiu 169 deputados. Agora, espera conseguir pelo menos 130. As pesquisas eleitorais dizem que a vantagem da direita sobre os socialistas será de uns 15 pontos. Se esse panorama se confirmar, o PSOE não conseguirá mais do que 120. A sova deverá ser mais drástica na Andaluzia e na Catalunha, tradicionais zonas de alta votação para a esquerda, mas os analistas prevêem que os socialistas terão perdas por todo o mapa da Espanha..
A crise econômica fará, então, sua primeira grande vítima na Espanha: o partido que oscilou entre seus princípios e a capitulação total aos desígnios de um cenário que não favorece, sob nenhum aspecto, aquele que seria seu eleitorado natural. Há centenas de milhares de eleitores do PSOE dispostos ao voto de castigo contra os que consideram responsáveis pela situação que enfrentam.
Resta ver se, ao castigar o governo socialista e levar a direita de volta ao poder – especialmente num momento tão especialmente difícil -, não estarão castigando sobretudo a si próprios.
Há, enfim, uma ironia nesse quadro: foi num 20 de novembro que morreu o ditador Francisco Franco, o de 1975. Dar à direita, nesse dia, uma vitória tão contundente como a que se insinua, será uma homenagem ao passado nefasto.