Encontro Nacional pede democratiza‡Æo da Comunica‡Æo

(São Paulo) Promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias e pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, em conjunto com entidades dos movimentos sociais, o I Encontro Nacional de Comunicação – na luta por democracia e direitos humanos, contou com a participação de 400 lideranças da sociedade civil, ministros, parlamentares, pesquisadores e trabalhadores do setor, que se reuniram em Brasília, nos dias 21 e 22.

 

A principal proposta do evento foi aprovada por aclamação: a realização de uma Conferência Nacional de Comunicação que mobilize e some forças para uma profunda reforma no latifúndio midiático brasileiro, garantindo que a população tenha acesso à informação veraz, livre da manipulação dos que a negociam como mercadoria. Pois, como lembra a declaração final, “o modelo vigente é marcado pela concentração e a hipertrofia dos meios em poucos grupos comerciais, cujas outorgas são obtidas e renovadas sem controle da sociedade e sem critérios transparentes”.

 

Para o presidente da Câmara Federal, Arlindo Chinaglia, que compôs a mesa de abertura do encontro, a Conferência terá o importante papel de “democratizar o acesso da população às várias mídias, contribuindo para a inclusão digital e superando o modelo de feição oligárquica, de fins meramente comerciais”. “Queremos uma imprensa independente e plural, que respeite o povo como protagonista da sua própria história, que promova o acesso à educação e à cultura”, acrescentou Chinaglia.

 

“De fato, apenas nove grupos são os donos das redes de tv, rádios e agências de notícias, controlando 85% das informações que circulam pelos meios de comunicação, o que é uma excessiva concentração que atenta contra a cidadania, a ética e o estado democrático de direito”, declarou o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), César Britto, alertando para os riscos “da manipulação da informação a serviço de interesses nem sempre confessáveis e em regra nada republicanos”.

 

Apego aos fatos

 

O ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, ressaltou a importância da democratização, “para que a população seja informada com isenção, equilíbrio e apego aos fatos”, o que possibilitará “um debate qualificado”. “A imprensa não é apenas o local onde a sociedade busca e acha informação, é onde se verifica o debate público de idéias, por isso a necessidade de uma postura plural. Não é função da imprensa puxar a sociedade pelo nariz, para lá e para cá. Todas as vezes que a imprensa faz isso,  acaba perdendo credibilidade, porque ela não é um partido político”, destacou. Para o ministro, este é um momento de extraordinárias mudanças tecnológicas, “que está mexendo com a sociedade e possibilitando mecanismos de participação que eram inconcebíveis até bem pouco tempo”.

 

Manifestando “apoio integral ao objetivo do encontro”, o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vanuchi, defendeu a realização da Conferência para garantir o direito democrático à comunicação. Vanuchi denunciou “a cruzada histérica” movida por setores da mídia para eleger o adolescente como inimigo público número um, abstraindo o ambiente de violência física e sexual a que muitos são submetidos.

 

Representantes da Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária), da Abccom (Associação Brasileira de Canais Comunitários) e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação questionaram as contradições e descaminhos de políticas que atentam contra o caráter público da comunicação. Absurdos como as perseguições e a criminalização das rádios comunitárias e o fato das tevês comunitárias – que deveriam servir à sociedade – ainda não estarem em canal aberto, mantendo-se tangidas à tv a cabo, isto é, a quem tem recursos para pagar a captação, foram unanimemente repudiados. 

 

Escolhida para fazer a leitura da Carta do Encontro a ser enviada ao presidente Lula, a secretária nacional de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, frisou que a realização de uma Conferência Nacional de Comunicação, “legítima e democrática”, pressupõe o mais amplo envolvimento da população, através da realização de etapas estaduais e regionais preparatórias.

 

O resultado da Conferência, destaca o documento, “pode constituir um marco histórico de mudança da relação passiva da população com a mídia, significando uma inflexão no histórico de baixa abertura do Estado brasileiro à participação social na elaboração, acompanhamento e avaliação das políticas públicas para o setor”.

 

Envolvimento

 

De acordo com Rosane Bertotti, “tão importante como garantir a representação da sociedade organizada no debate, é o envolvimento do governo federal, do Congresso Nacional, do Judiciário e do Ministério Público, a fim de que possamos juntos, efetivamente, construir políticas públicas para as comunicações no nosso país”. “Não podemos desperdiçar uma oportunidade ímpar como esta, ainda mais se temos claro que a manipulação dos meios de comunicação é o dispositivo central pelo qual se dá a dominação e a alienação, do ponto de vista político, econômico, ideológico e cultural, com perversos reflexos na capacidade criativa e na própria auto-estima do nosso povo”, acrescentou a dirigente cutista. Segundo ela, um dos pontos centrais para o avanço da democratização é a garantia de recursos para a imprensa alternativa, pública e comunitária, sem o que ficam sem condições de fazer um contraponto aos interesses meramente comerciais.

 

Na Carta, os participantes sublinham a necessidade de que o governo mantenha os mesmos critérios e procedimentos utilizados nas demais conferências, como a das Cidades e da Segurança Alimentar, com etapas prévias estaduais e regionais, que garantam a sua legitimidade. O alerta tem direção e sentido: o ministro das Comunicações, Hélio Costa, chegou a convocar, de afogadilho, uma “Conferência”, para o mês de agosto.

 

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, deputado Luiz Couto (PT-PB), “o que o ministro das Comunicações está querendo fazer é um encontro internacional de um dia, em que se discutirá com outros segmentos internacionais o marco regulatório. Isso não é conferência, não há participação dos outros segmentos. É um encontro, um seminário que não tem caráter deliberativo”.

 

Conforme Bráulio Ribeiro, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o êxito do encontro “é um marco da disputa para que o governo não ratifique o evento do Ministério das Comunicações e construa uma conferência nos moldes de outras já realizadas”.

 

Justiça

 

Na avaliação do diretor do Departamento de Classificação Indicativa do Ministério de Justiça, José Eduardo Romão, a realização de um amplo debate é fundamental para que sejam consolidadas regras de controle social dos meios, principalmente porque a programação televisiva vem estimulando e promovendo baixarias que necessitam ser suprimidas. “Especialistas chegam a apontar a correlação entre o aumento da violência e do preconceito e os conteúdos dos programas televisivos”, apontou.

 

Representando a coordenação nacional do MST, Marina Santos frisou que a Conferência, com a participação de todos os atores, “será um marco para a formulação de novas políticas públicas para os meios de comunicação, que levem em conta a gestão, o controle social e o financiamento público”.

 

O secretário estadual de Comunicação da CUT-SP, Daniel Reis, ocupou a tribuna para defender a necessidade de critérios claros para a regulamentação das concessões públicas de rádio e televisão, a fim de que a sociedade disponha de instrumentos legais ágeis e eficazes para se defender dos abusos cometidos pela grande imprensa. Daniel manifestou solidariedade contra as perseguições movidas pela Anatel às rádios comunitárias e reiterou o compromisso cutista com a realização de uma conferência de comunicação construída a partir dos municípios e Estados.

 

Comunitárias

 

Quanto às rádios comunitárias, foram inúmeros os exemplos citados de abusos promovidos pela Anatel, que vêm sendo utilizada como instrumento de repressão  aos meios populares, seja atrasando, negando outorgas ou simplesmente lacrando e tirando-as do ar, fazendo o jogo das grandes emissoras. Exemplo disso, citou o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Amapá, Camilo Capiberibe, é a Rádio Bailinque, localizada num arquipélago no rio Amazonas, a doze horas de barco da capital, Macapá. “Com pedido de concessão tramitando desde 1998, a rádio, que serve a comunidades localizadas em várias ilhas, prestando um serviço comunitário fundamental, foi lacrada pela Anatel”, denunciou Capiberibe.

 

Representantes das rádios comunitárias do Rio de Janeiro também condenaram a “sórdida campanha de criminalização movida pela grande imprensa”. “Enquanto isso, no Rio, duas vezes a Rádio Globo foi notificada por atrapalhar a comunicação no aeroporto Santos Dumont, mas quantos aqui foram informados disso?”, questionaram.

 

A não-renovação da concessão da RCTV pelo governo Chávez também recebeu a solidariedade entusiástica do plenário, manifestada por um mar de aplausos quando o coordenador do Núcleo de Pesquisa, Educação e Formação da Rede de Informações para o 3º Setor (RITS), jornalista Gustavo Gindre, lembrou o histórico da emissora venezuelana, “que participou de um golpe de Estado a serviço de outra nação”. Gindre denunciou o processo de privatização das telecomunicações no Brasil e demonstrou como a monopolização midiática representa a ditadura de uns poucos conglomerados transnacionais sobre o conjunto da sociedade, ressaltando o papel relevante do Estado para fazer frente aos abusos de quem trata a informação como mercadoria.

 

Entre outros, participaram do encontro o secretário de Comunicação da CUT-MG, Shakeaspeare Martins, e inúmeros representantes e assessores de sindicatos cutistas de todo o país.

 

Abaixo, a íntegra do documento:

 

Por uma legítima e democrática Conferência Nacional de Comunicações

 

Carta aberta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva

 

É notória a importância da comunicação na formação de valores e opiniões, no fomento e na produção das culturas e nas relações de poder. Por isso, a compreensão da comunicação como um direito humano é condição fundamental para que este processo social seja voltado à promoção da emancipação de homens e mulheres, na consolidação de uma efetiva democracia e na construção de um País justo e soberano.

 

No Brasil, ainda há um grande caminho a percorrer para que a comunicação cumpra este papel. O modelo vigente é marcado pela concentração e a hipertrofia dos meios em poucos grupos comerciais, cujas outorgas são obtidas e renovadas sem controle da sociedade e sem critérios transparentes. O predomínio da mídia comercial marca também a fragilidade dos sistemas público e estatal, que só agora estão entrando na pauta de preocupação de Estado com o debate sobre a criação de uma rede pública de televisão. Este quadro vem sendo mantido pela ausência do debate e pela exclusão do interesse público na elaboração e aprovação das políticas públicas e de regulação que organizam a área. Historicamente, as decisões relativas à comunicação no Brasil têm sido tomadas à revelia dos legítimos interesses sociais, quase sempre apoiadas em medidas administrativas e criando situações de fato que terminam por se cristalizarem em situações definitivas.

 

A necessidade de corrigir tais distorções históricas emerge justamente na hora em que a convergência digital torna cada vez mais complexo o processo de produção, difusão e consumo das informações. Frente a isso torna-se urgente a redefinição de um novo e legítimo marco institucional para as comunicações, haja vista que a legislação para as comunicações carecem de revisão seja pela necessidade de sua atualização, seja por falta de regulamentação específica dos princípios constitucionais ou, ainda, por sua  inadequação à noção da comunicação como direito humano e social.

 

Isso inclui o debate sobre a comunicação em toda a sua complexidade, envolvendo todos seus setores, bem como a interface destas áreas com a cultura, a educação, a saúde, as tecnologias e a cidadania. Ressaltamos aqui que não se trata apenas da reflexão sobre os meios, a cadeia produtiva e os sistemas, mas sim, das diversas formas pelas quais o conteúdo, enquanto conhecimento, cultura, lazer e informação – inclusive comercial -, são produzidos, difundidos, assimilados e usufruídos pela população.

 

Diante de todos estes pontos, nós, parlamentares, pesquisadores, trabalhadores e representantes dos movimentos sociais e de entidades voltadas à democratização da comunicação, presentes ao Encontro Nacional de Comunicação, convocado pelas comissões de Ciência Tecnologia, Comunicação e Informática e de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, vemos na realização da Conferência Nacional de Comunicações – legítima e democrática – a oportunidade concreta para enfrentarmos este debate.

 

A Conferência Nacional de Comunicações pode constituir um marco histórico de mudança da relação passiva da população com a mídia, significando uma inflexão no histórico de baixa abertura do Estado brasileiro à participação social na elaboração, acompanhamento e avaliação das políticas públicas para o setor.

 

Para que a Conferência cumpra este papel, é fundamental que ela se constitua como processo e inclua, entre outras coisas:

 

        A sua incorporação como compromisso dos poderes da República, especialmente do Executivo Federal com todos seus órgãos relacionados ao setor; bem como o Congresso Nacional, o Judiciário e o Ministério Público;

        A adoção do princípio da ampla e democrática participação como forma de trazer as contribuições das mais várias representações da sociedade organizada para o debate da Conferência;

        O mais amplo envolvimento da população através da realização de etapas estaduais e regionais antes da etapa nacional;

        A inclusão da sociedade civil no processo de organização da Conferência, garantindo inclusive meios materiais para esta participação; e

        O compromisso de, a partir do debate com métodos democráticos, construir linhas gerais para um novo momento nas políticas públicas para as comunicações; entendendo que qualquer mudança substancial nas políticas vigentes deva ser feita somente a partir das deliberações da Conferência.

 

Tais preceitos não são uma novidade resultante de elaboração deste Encontro Nacional de Comunicação, mas a reafirmação de formatos de construção que vêm marcando a realização das conferências promovidas por este governo. Já no caso da comunicação, estranhamos o anúncio do Ministério das Comunicações sobre a realização de um evento que está sendo chamado de “conferência nacional” já para o mês de agosto de 2007. O caráter sinalizado pelo Minicom contrasta com os procedimentos adotados por este governo em outras conferências, pois inviabiliza a construção democrática e a organização de etapas prévias estaduais e regionais preparatórias que garantam a legitimidade da Conferência Nacional de Comunicações.

 

Esperamos que a coerência e o respeito às experiências relativas às conferências sejam a tônica da construção deste processo no setor da comunicação. Do contrário, este governo corre o risco de promover aparentes processos democráticos enquanto perpetua o alijamento dos cidadãos brasileiros da definição sobre os rumos deste instrumento fundamental à democracia em nosso País.

Encontro Nacional de Comunicação: na luta por democracia e direitos humanos

 

Brasília, 22 de junho de 2007

 

Fonte: CUT

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