O mundo do trabalho começou a gestão Lula enfrentando o desafio da ultra-liberalização preconizada pelo governo anterior. A face mais visível dessa tentativa de mudança era o projeto de lei que flexibilizava a legislação trabalhista.
A pretexto de permitir que o negociado entre patrões e empregados prevalecesse sobre a lei, o projeto tornava “flexíveis” determinações expressas no artigo 7º da Constituição – que fixa direitos sociais conquistados pelos trabalhadores ao longo do século 20, como férias, 13º salário, FGTS, adicionais de horas extras e noturnos, pisos salariais etc.
A ofensiva do governo FHC era favorecida por sucessivos recordes nos índices de desemprego e a base intelectual dessa ofensiva costumava frequentar os noticiários com o argumento de que no mundo “moderno” era preciso reduzir os “encargos” do trabalho e estabelecer novas modalidades de contrato como único caminho para criar novos empregos e oportunidades.
“Aquela tese está enterrada”, diz o economista Sérgio Mendonça, do Dieese. “Nos anos 1990, havia geração de empregos, mas numa intensidade menor. E a qualidade era pior”, lembra. Mesmo iniciativas legais do governo anterior, acrescenta, como o contrato por prazo determinado e o chamado lay off (suspensão do contrato de trabalho), não foram relevantes do ponto de vista quantitativo.
Análise de Mendonça e de Ademir Figueiredo, também do Dieese, lembra que as políticas públicas da década anterior eram marcadas por programas de qualificação profissional que “atribuíam aos indivíduos (as vítimas) a responsabilidade pela superação de seu infortúnio (o desemprego)”.
Segundo Mendonça, o que se observou nos últimos anos foi o inverso da década de 1990, quando sete de cada dez empregos eram informais. Agora, de cada dez, oito são com carteira. Diversos fatores contribuíram para isso, cita o economista: retomada das exportações, expansão do crédito, política do salário mínimo, transferência de renda. “Mas o principal motivo, sem dúvida, foi o crescimento econômico.”
Mais oportunidades
Um dos gargalos continua sendo o crescimento da renda, embora tenha havido avanços nesse sentido. A rotatividade do mercado de trabalho pode ser apontada como um dos motivos, mas o economista do Dieese lembra que isso acontece principalmente em alguns setores, como a construção civil, o comércio e a agricultura. “O Brasil tem um padrão salarial estrutural baixo”, observa. “Um ciclo longo de crescimento deve aumentar o poder de barganha.”
Mas dados recentes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram também um aumento do número de pessoas que deixam o emprego por decisão própria. Nos cinco primeiros meses de 2010, de cada dez pessoas desligadas, três pediram demissão, um movimento que pode indicar um maior número de oportunidades no mercado.
As oportunidades têm se voltado, principalmente, para trabalhadores com maior escolaridade. Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do MTE, em relação à escolaridade, o emprego formal em 2009 só cresceu acima da média em três casos: ensino médio completo (8,49%), superior incompleto (4,83%) e superior completo (7,54%). A média geral foi de 4,48%, o correspondente a 1,8 milhão de postos de trabalho a mais.
Para o professor Claudio Dedecca, do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp, no interior de São Paulo), os últimos anos se encarregaram de derrubar alguns mitos: de que não se podia crescer e distribuir renda, preservar salário e manter a inflação baixa e criar empregos formais.
“Sobre aquele debate (da flexibilização) restou o seguinte: não precisamos destruir direitos para gerar empregos e crescer”, afirma. “Por outro lado, esse crescimento não anula a necessidade de melhorar a regulação do mercado de trabalho. É possível simplificar a CLT, a legislação, sem reduzir direitos.”
Dedecca observa ainda que a relação entre crescimento e criação de empregos nunca foi rompida, nem mesmo no surgimento do Plano Real. O que aconteceu naquele momento foi que a abertura da economia provocou maior presença de produtos importados no mercado interno, afetou a indústria e a geração de vagas não acompanhou a expansão da População Economicamente Ativa (PEA), elevando as taxas de desemprego e de informalidade.
“A indústria tem reconquistado capacidade produtiva”, acrescenta Dedecca, para quem o bom desempenho na geração de empregos “está associado à capacidade do país de redinamizar a economia”. Assim como Sérgio Mendonça, ele considera o crescimento o fator fundamental para os melhores indicadores do mercado de trabalho. Mas cita ainda as “políticas adequadas” que foram adotadas nos últimos anos, como os estímulos ao investimento, o aumento do crédito e os mecanismos de proteção à renda. “A grande questão foi a reconquista do crescimento, tendo progressivamente uma ancoragem no mercado interno”, observa o economista.
Não por acaso, o projeto de flexibilização de direitos foi arquivado logo no começo do primeiro mandato de Lula e o assunto não prosperou mais.