Em meio a cenário adverso, Santander continua escalada de aquisições

Patrick Jenkins, Financial Times
Valor Econômico

Na Cidade Financeira Santander, em Boadilla del Monte, o cubo de vidro gigante recepciona os visitantes. É como entrar em outro país. Fica a meia hora de carro de Madri e tem até barreiras que lembram as alfândegas de fronteiras.

A seguir, passa-se por um tortuoso percurso de ruas com jardins e por eventuais guarda de segurança, até chegar-se ao saguão de entrada. É um cubo gigante de vidro, que inclui controles de segurança por impressões digitais e uma sala cheia de robôs com pouco mais de meio metro de altura. Eles te recebem, pedem para adiantar detalhes sobre seu compromisso e te levam à sala específica com um “Nós te mostramos o caminho”, carregado de sotaque americano computadorizado.

Bem-vindos à Cidade Financeira Santander – um amplo complexo de escritórios, moradias para visitantes e funcionários, academias de ginástica, campos de golfe, lagos e oliveiras – sede do próspero banco, em Boadilla del Monte. Todas as manhãs, 6,7 mil pessoas viajam até aqui e só saem 11 ou 12 horas depois. No meio tempo, comem, bebem com seus colegas, fazem exercícios e, acima de tudo, trabalham.

Nos últimos dez anos, o caminho percorrido pelo banco espanhol – pilotado por Emilio Botín, o carismático presidente do conselho de administração – foi marcado pelo vasto crescimento. Os lucros antes dos impostos dispararam e aproximaram-se dos ? 12 bilhões em 2009, deixando para trás o BBVA, rival outrora em pé de igualdade, mas cujos lucros no ano passado foram menos da metade disso.

À medida que o Santander fica maior, o carismático Emilio Botín fica mais velho, levantando dúvidas quanto à sucessão. Mesmo em meio às imensas dúvidas sobre as dívidas soberanas da Espanha, o índice de desemprego de 20% e o colapso de algumas “cajas”, como são conhecidas as instituições de poupança no país, o Santander parece estar mais forte do que nunca. Será que isso vai durar?

Grande parte do notável crescimento do banco foi obtida por meio de uma estratégia agressiva de aquisições. Na semana passada, levou adiante sua mais recente aquisição oportunística – assegurou uma base maior de operações na Alemanha, após comprar 173 agências do SEB, da Suécia, em fase de encolhimento, por ? 555 milhões. Foi um exemplo perfeito de crescimento fortuito, tendo em vista a atual escassez de liquidez para bancos no mercado.

Neste mês, o Santander deverá selar um acordo similar no Reino Unido, absorvendo 318 agências do Royal Bank of Scotland por um valor entre 1,5 bilhão de libras esterlinas (US$ 2,3 bilhões) e 1,8 bilhão de libras. Também avalia vários ativos espanhóis, como agências que deverão ser vendidas pelas cajas em dificuldades, além de um possível negócio na Polônia para comprar o Zachodni, pertencente ao Allied Irish Banks.

Ao mesmo tempo, o Santander prepara outra expansão na América Latina, depois de ter comprado em junho a participação de 25% que ainda não possuía de sua unidade no México por US$ 2,5 bilhões. Na América do Norte, flerta com o M&T, de Buffalo, Nova York, embora por enquanto os dois bancos estejam apenas conversando “de uma forma muito moderada”, segundo fonte próxima às negociações.

“Realmente não há muita atividade de aquisições no setor bancário no momento, mas o Santander é a exceção – eles estão constantemente fazendo compras”, diz um executivo de banco de investimento que trabalhou com o grupo.

Então, nada pode dar errado para o Santander? Aos olhos da grande maioria dos executivos de bancos e analistas, a resposta é não. Os investidores, no entanto, têm mais dúvidas. Embora as ações sejam cotadas a um valor 1,4 vez maior que o valor patrimonial, em comparação a uma média de 1 vez na Europa, os papéis não vêm se saindo melhor que os de outros bancos espanhóis, tendo se desvalorizado 15% neste ano. Para os céticos, há várias preocupações perturbadoras quanto à sustentabilidade do êxito do Santander.

A maior é também a mais óbvia – como um banco espanhol, como o Santander pode ter ficado quase imune aos problemas econômicos em seu país natal? E, apesar dos reiterados protestos de Botín, de o grupo ser um banco internacional com mais de 75% de seus lucros gerados no exterior, não há como negar que o Santander foi atingido, assim como todos os bancos espanhóis, pelo estouro da bolha imobiliária no país.

Em Madri, no seleto bairro de negócios Nuevos Ministerios há uma agência do Santander como qualquer outra. O gerente Teodoro Alonso administra a agência, cujo balanço mostra ? 120 milhões em depósitos e ? 64 milhões em empréstimos – uma situação sólida, especialmente no atual estado da economia. Há alguns meses, a situação era bem diferente. O volume de empréstimos era ? 70 milhões mais alto, até que um crédito a um cliente, uma construtora com planos de construir 35 casas na Costa del Sol, ficou inadimplente e foi encaminhado para a unidade central de recuperação de dívidas do banco.

É o tipo de história que foi repetida milhares de vezes pela Espanha e empurrou instituições de menor porte, especialmente as cajas, de atividades pouco diversificadas, em direção à ruína. E, embora o Santander tente minimizar a importância do impacto, ainda há inquietação quanto ao grau de exposição ao setor imobiliário encoberto pelas regras contábeis espanholas.

Além de ? 7,7 bilhões em empréstimos inadimplentes na Espanha – uma taxa relativamente baixa, de 3,6% -, o Santander também possui ? 4 bilhões em terras e propriedades confiscadas como garantia pelos créditos que deram errado.

“Os resultados do Santander são obscurecidos pelo lançamento de provisões gerais e um grande volume de propriedades sendo confiscadas como garantia, mas que não contam como empréstimos inadimplentes”, afirma o analista Patrick Lee, do Société Générale.

O outro impacto que os males da Espanha tiveram no Santander foi o congelamento da liquidez dos financiamentos, uma vez que os mercados afastaram-se do país e forçaram os bancos espanhóis a recorrer cada vez mais ao financiamento emergencial do Banco Central Europeu (BCE).

O Santander viu a falta de liquidez chegando. Em março, lançou um programa agressivo para captar novos depósitos. Em todo o grupo, houve uma grande entrada de depósitos, de ? 75 bilhões nos cinco meses até maio, sendo? 30 bilhões na Espanha, o que reduziu a proporção de empréstimos sobre depósitos, em relação ao patamar anterior, de 130%.

Isso deixa apenas dois desafios interconectados no caminho do Santander. O primeiro, por quanto tempo Botín – dinâmico, mas envelhecendo – continuará no comando do banco? Embora ele tenha uma sucessora natural, a filha Ana-Patricia Botín, chefe da subsidiária Banesto, ela, relativamente, ainda não foi comprovada. O segundo: será que o banco conseguirá manter seu ritmo frenético de crescimento, guiado por aquisições, sem enfrentar contratempos?

“À medida que o Santander fica maior e Botín fica mais velho, é preciso perguntar-se por quanto tempo isso será algo administrável”, diz um alto executivo de banco.

Pairando sobre tudo, até sobre os entusiastas do Santander, há uma preocupação existencial. Será que a sensação “fin de siècle” do Santander Financial City poderia refletir o risco de que o orgulho de Botín por seu banco esteja se tornando excesso de confiança?

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