Em decisão inédita, Previdência concede salário-maternidade a um homem

O bancário Lucimar e o companheiro com o filho adotado João Vitor

O Ministério da Previdência Social reconheceu na terça-feira (28) o direito de um homem receber salário-maternidade por 120 dias. O Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS) julgou a questão de dois pais adotantes, em união homoafetiva, que receberão o benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A decisão foi inédita, no âmbito administrativo do órgão, e não pode mais ser contestada pelo instituto, exceto na Justiça.

Na legislação, o salário-maternidade é pago à mulher segurada em decorrência do parto (inclusive o natimorto), aborto não criminoso, adoção ou guarda judicial para fins de adoção pelo período de 120 dias (licença-maternidade).

De acordo com a presidenta da 1ª Câmara de Julgamento do CRPS, Ana Cristina Evangelista, que presidiu o julgamento, as quatro conselheiras que participaram do processo votaram em unanimidade pelo direito de os pais receberem o benefício, baseadas na análise da Constituição e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

“Estamos falando da Previdência reconhecendo salário-maternidade para um homem. Não poderíamos negar um direito que existe de fato por causa de uma questão semântica [na legislação, consta que ‘beneficiária’ tem direito ao salário]. A criança tem o direito, o ECA assegura e esse foi o entendimento da composição da Câmara. Isso foi um grande avanço tanto para a área administrativa quanto para a previdenciária”, disse a presidenta.

A decisão, no entanto, não significa que o direito ao salário-maternidade é extensivo a todos os pais que se enquadrarem em situação semelhante. A legislação previdenciária continua não prevendo um salário para os pais, espécie de “salário-paternidade”, informou Ana Cristina. Os interessados terão de pleitear esse direito e as situações serão analisadas caso a caso.

A Agência Brasil tentou contato com Lucimar Quadros da Silva, o pai que receberá o benefício, mas não teve resposta até o momento.

Em nota divulgada pela Previdência, o beneficiário diz que ele e o companheiro querem ter o direito de cuidar do filho. “Além disso, os cuidados e atenção são um direito da criança, não meu ou do meu companheiro. Quem sabe com essa decisão outras crianças possam ter o mesmo direito”, disse o pai, na nota.

O INSS informou, por meio de nota à Agência Brasil, que a decisão é interna e administrativa do CRPS e que o presidente do Conselho, Manuel Dantas, não irá se pronunciar.

Outro ponto inédito no julgamento foi o fato de ter ocorrido pela primeira vez um processo virtual no órgão. A Câmara da Previdência fica localizada em Brasília e as partes interessadas participaram do julgamento por meio de videoconferência no Rio Grande do Sul. Para a presidenta da Câmara, a possibilidade de usar processos virtuais no órgão irá inaugurar uma “nova era”.

Lucimar é bancário

Conforme reportagem do jornal Zero Hora, Lucimar é funcionário do Banrisul e mora em Gravataí, na Região Metropolitana de Porto Alegre, com o companheiro Rafael Gerhardt e o filho João Vitor. Ele concedeu entrevista, contando a batalha para conseguir o benefício inédito e os planos para o futuro.

ENTREVISTA

Juntos há 17 anos, o bancário Lucimar Quadros da Silva, 47 anos, e o consultor de negócios Rafael Gerhardt, 37 anos, ficaram três anos na fila para a adoção. Em outubro de 2010, foram convidados a conhecer João Vitor, então com três meses. Foi amor à primeira vista.

A comoção foi tanta que a dupla recebeu uma autorização especial para levar o bebê para casa no mesmo dia. A adoção foi oficializada no mesmo ano, e começou a batalha para que Silva pudesse receber o benefício do auxílio-maternidade.

Zero Hora – Como foi a negociação?

Lucimar Quadros da Silva – Logo após a adoção, comuniquei ao Banrisul, onde trabalho, que queria a licença prolongada, para poder ficar mais tempo com o João, antes de colocá-lo na escola. Precisávamos de um documento do INSS e entramos com o processo em outubro de 2010. Já de início, o pedido foi negado, com a justificativa de que era uma decisão sem precedentes. Recorremos da decisão e participamos de diversas audiências, até que o caso foi levado à Brasília.

Zero Hora – Vocês chegaram a ir a Brasília?

Silva – Eu me propus a ir com toda a família, se fosse preciso. Mas nos chamaram para uma videoconferência, que ocorreu hoje (terça-feira, 28) pela manhã. Já saímos da sala de audiência com o resultado positivo. Agora, só falta o INSS comunicar a empresa para que eu saia, efetivamente, de licença.

Zero Hora – Foi um longo trajeto até essa vitória. Qual a principal motivação?

Silva – Fizemos tudo isso por causa do João Vitor. Toda a criança tem o direito a ter um cuidado mais próximo dos pais no início da vida. Faz parte da adaptação ao novo ambiente, à família. Esse direito foi negado ao João e, com 15 dias, ele já teve de ir à escolinha.

Zero Hora – Como vocês decidiram quem seria o beneficiário da licença?

Silva – Logo no início, o Rafa (o outro pai da criança) e eu decidimos que eu receberia o benefício pois ele estava a menos tempo no emprego que eu. Jamais pediríamos benefício para os dois, pois entendemos que o João deve ter os mesmo direitos de qualquer criança, adotada ou não, de ter um dos pais nesse período com ele.

Zero Hora – O que o senhor pretende fazer durante esses quatro meses?

Silva – Quero deixar ele (João Vitor) em casa, passar o maior tempo possível com ele. Foram quase dois anos de espera e agora chegou o momento de nos darmos esse presente tão especial. Só queremos comemorar, é uma sensação maravilhosa. Estamos muito felizes e todos nossos amigos e familiares estão radiantes, pois acompanharam todo o processo e sabem a importância que o João tem na nossa vida.

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