O Banco Central está com um parafuso solto. Seu diretor de administração, Altamir Lopes, recomendou à patuleia que, caso ela receba notas manchadas ao sacar dinheiro nos caixas eletrônicos à noite, deverá procurar uma delegacia e registrar um Boletim de Ocorrência.
A proposição é absurda, impertinente e facciosa. É absurda porque, se dois irmãos, João e José, saírem pela madrugada e um assaltar uma padaria enquanto o outro vai a um caixa eletrônico para sacar R$ 20, João colocará o butim num envelope de depósitos automáticos e irá para a noite. José, tendo recebido a nota manchada, deverá ir à delegacia registrar o ocorrido. Pelo menos um delegado, em Santo André, com razão, reteve a cédula.
É impertinente, porque não há norma que ampare a recomendação desse ritual. Procurando inibir as explosões de caixas eletrônicos, a banca passou a usar um dispositivo que mancha as cédulas.
Para impedir que essas notas circulem, o Conselho Monetário Nacional baixou uma resolução (nº 003981). Ela diz que “as instituições financeiras, ao receberem cédulas inadequadas (…) deverão retê-las e recolhê-las ao Banco Central”.
Portanto, eles não podem colocar essas notas nos seus caixas eletrônicos, repassando-as a clientes que pagam taxas de R$ 1,30 a R$ 2 pelo saque.
Se os diretores do Banco Central lidam com assuntos da alta finança com a mesma ligeireza com que opinam sobre a baixa poupança, vai-se mal. Querem impor à clientela a obrigação de batalhar numa delegacia pela recuperação de um valor que lhe pertence.
A recomendação é demófoba. É no andar de baixo que estão pessoas para quem perder R$ 20 ou R$ 50 significa uma refeição. Levada ao pé da letra, a recomendação deveria pedir que se fizesse um B.O. para que o banco explicasse por que colocou notas manchadas no seu caixa.
Parece que a proposta também é inócua, pois a polícia informa que a bandidagem já teria aprendido a limpar a tinta derramada nas notas.
Existem no Brasil 180 mil caixas eletrônicos. Estima-se que as chances de uma pessoa receber notas manchadas sejam de 3 em 100 mil.
Admitindo-se que sejam de 3 em 10 milhões as chances de o freguês receber uma nota dessas fora do horário de expediente, o montante de cédulas bichadas que os caixas eletrônicos despejam diariamente dificilmente passaria dos R$ 10 mil. Se os bancos resgatassem as notas no dia seguinte, nenhum deles faliria. Sairia mais barato do que uma consultoria companheira.
A troca da nota deve ser feita mediante a exibição do extrato do caixa, registrando-se a transação no cadastro do freguês. Se um cidadão recebe 20 notas manchadas num mês, será possível suspeitar que se trata de um cambista dos assaltantes. A Febraban endossou a recomendação demófoba do BC. Perdeu uma oportunidade de defender os depositantes.
Em abril do ano passado, quando o Estado do Rio estava submerso numa enchente que matou perto de mil pessoas, a veneranda guilda da banca teve um apagão moral e informou à patuleia que nenhuma conta ou dívida teria seu vencimento prorrogado. Nos dias seguintes, voltou atrás e desculpou-se. Parecia ter tomado jeito, mas teve uma recaída.