O Estado de S.Paulo
Roberta Scrivano
A partir de agosto, 900 escolas públicas estaduais de cinco Estados -São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Ceará e Tocantins – começarão a aplicar o tema “educação financeira” para as classes do ensino médio. A novidade é uma iniciativa dos órgãos reguladores do setor financeiro nacional, coordenada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e o apoio do Instituto Unibanco.
Livros e cadernos de exercícios foram preparados especificamente para os alunos. Aos professores, também serão doados livros que terão uma espécie de “roteiro” a ser seguido durante as aulas. “O tema vem como um complemento e não como uma matéria”, explica José Alexandre Vasco, superintendente de Proteção e Orientação aos Investidores da CVM.
Jaqueline Moll, da secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, explica que a ideia é inserir a educação financeira em diferentes disciplinas, como português, história, sociologia, geografia e matemática. “O currículo escolar precisa responder ao conhecimento clássico e à vida contemporânea, e esse tema está sendo introduzido com esse intuito.”
Vasco diz que essa primeira etapa é um projeto-piloto para que, até o fim do ano, o desempenho do programa seja analisado e, a partir dos resultados, ser ampliado para as outras escolas e outras séries. “Em 2011, começaremos o projeto-piloto nas séries do ensino fundamental.”
O material didático foi elaborado pelo Instituto Unibanco, com o aval dos agentes do setor financeiro e aprovado pelo MEC.
Wanda Engel, superintendente executiva do Instituto, esclarece que o conteúdo trata assuntos como consumo consciente, planejamento financeiro, além de explicar as funções dos incontáveis produtos financeiros que estão disponíveis no mercado hoje.
Os envolvidos no projeto também dizem que o objetivo não é estimular o crescimento do mercado, tampouco promover estímulos à utilização de produtos financeiros. “Por isso, a abordagem será técnica e imparcial”, garante Vasco, da CVM.
Para conseguir aplicar o que chamam de “abordagem técnica”, os professores da rede pública foram capacitados pelo Instituto Unibanco. “Nós capacitamos multiplicadores”, diz Wanda.
Isso quer dizer que, para cada 10 professores, foi capacitado um que será encarregado de passar (ou multiplicar) o que ensinou aos outros colegas. No decorrer do semestre, o Instituto também manterá um orientador do assunto em cada uma das escolas selecionadas pelo projeto.
Especialistas discordam da iniciativa
Educadores não receberam bem a notícia da entrada do projeto de educação financeira como tema nas aulas do ensino médio da rede pública. Os motivos são os mais diversos, mas o principal é a escassez de qualidade da rede pública para capacitar os alunos nas matérias básicas – matemática, português, geografia, história e ciências.
A educadora e ex-secretária da Educação do Estado de São Paulo Maria Lucia Vasconcelos afirma que, antes de introduzir novos projetos na rede, é preciso resolver os problemas atuais, que são alarmantes, segundo ela. “É preciso rever toda a grade curricular. Temos problemas gravíssimos com disciplinas básicas, como português. Será que é o momento de introduzir educação financeira?”, indaga a especialista.
A crítica de Maria Lúcia é semelhante à opinião de Ocimar Munhoz Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). “A escola, historicamente, tem sido sobrecarregada com funções educativas. Eu quero dizer que estão levando muita coisa para dentro da escola enquanto as obrigações básicas não são exercidas com excelência”, diz.
Alavarse acredita que deve haver inovações nas escolas. Entre elas, até mesmo a questão da educação financeira. “Mas isso não pode ser feito dessa maneira. Primeiro, é preciso formar as pessoas em matemática, por exemplo”, reforça.
Hora errada. Maria Lúcia lembra, ainda, que o tema está sendo inserido no meio do ano letivo. “O planejamento de aulas é anual. Será difícil para o professor incorporar novas coisas no meio do ano.”
Alavarse também lembra que o processo de capacitação – que foi feito no método “multiplicador” – pode ser pouco eficiente. “Capacitação para um tema complexo não pode ser feita tão rapidamente e com esse método de um professor da rede estadual ensinar ao outro.”
O MEC, porém, garante que o projeto terá sucesso e diz que o tema é importante aos alunos.