Ao discursar nesta sexta-feira (22) na Organização das Nações Unidas (ONU), a presidenta Dilma Rousseff não chegará a salvar o mandato, mas recolherá apoio político internacional contra o impeachment e resguardará a herança de seu governo e do próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, avalia o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC Giorgio Romano Schutte. "Tudo indica que Dilma vai ser uma carta fora do baralho, mas ela tem direito de defender seu orgulho, e com razão. Foi humilhante demais diante de tudo o que foi construído nos governos Lula e Dilma", afirma o professor, referindo-se à sessão de domingo (17) na Câmara que aprovou a admissibilidade do processo.
Romano acredita que a repercussão internacional negativa da votação, que culminou com uma matéria na CNNquestionando as razões do impeachment – afinal, Dilma está sendo submetida a um processo sem ter cometido crime de responsabilidade –, animou a presidenta a rever a decisão inicial de não ir à ONU. "Ela, com certeza, deve ter sido estimulada por essas notícias que saíram no exterior. Qualquer um de fora que assistiu a dez minutos da sessão plenária diz, 'bom, isso não é coisa séria'", afirma o professor sobre a sessão plenária marcada por homenagens e por um espírito conservador que diz muito sobre a falta de legitimidade do parlamento, tomado pelo dinheiro de financiamento empresarial nas eleições de 2014.
"Vários meios de comunicação no mundo estão dizendo que há um golpe em curso no Brasil", destaca o professor. Na segunda-feira (18), os jornais The New York Times e The Guardian publicaram editoriais contra o impeachment. O jornal inglês chegou a classificar a tentativa de impeachment como "uma tragédia e um escândalo".
"Nós que somos contra o golpe temos de abusar da onda favorável na mídia internacional, multiplicar e enfatizar essa informação, mas lá fora isso só produz a imagem de que o Brasil é uma república de bananas. Isso não muda a decisão de as pessoas virem ou não aqui. É a imagem de um país que não é muito sério, mas ninguém vai deixar de ter relações com o Brasil por causa disso", avalia o professor.
Cores exageradas na economia
Ao analisar a conjuntura econômica e política que envolve o andamento do processo de impeachment, o professor da Federal do ABC diz que as cores de crise pelo lado da economia, ao menos, estão um pouco exageradas. O documento Ponte para o Futuro, base de um eventual governo tampão de Michel Temer, afirma que "a presente crise fiscal e, principalmente econômica, com retração do PIB, alta inflação, juros muito elevados, desemprego crescente, paralisação dos investimentos produtivos e a completa ausência de horizontes estão obrigando a sociedade a encarar de frente o seu destino".
Mas nem todo o conteúdo dessa afirmação é verdadeiro. "Temer não vai ter nenhuma mudança nos investimentos produtivos. Eles já estão altos e não vão aumentar. Os fluxos financeiros, por outro lado, vão ficar olhando o que vai acontecer, não está muito claro. É muito mais o público interno (do país) que vai ter ganho de expectativas", afirma o professor. Ele lembra que os investidores financeiros fazem pressão por lucros de curto prazo e na crise ficaram em posição de sair do país. "No saldo, houve uma retração do pessoal que está mais interessado em especulação."
O professor também destaca que os investimentos produtivos mantiveram-se altos de forma surpreendente durante a crise. "Os investimentos externos diretos, que são os das empresas multinacionais, são de médio e longo prazos. Curiosamente, eles não foram afetados e, pelo contrário, atingiram números muito superiores ao que se imaginava. É um fenômeno que a gente observa desde 2012", afirma.
Em 2009, o Brasil teve US$ 25,9 bilhões em investimentos externos diretos. Em 2010, aumentou para US$ 48,5 bilhões. Em 2011, foi a US$ 66,7 bilhões. "Até ai, você teve em 2010 o espetáculo de crescimento, juros baixos, de 7,5%, até ai tudo bem. Agora, o mercado imaginava que o Brasil ia crescer durante o governo Dilma à média de 4%, o que evidentemente não aconteceu. Naquele momento, não só o governo, mas o mercado financeiro também não estava vendo os problemas que começavam a surgir na economia", diz.
Segundo o professor, os 4% em média para o PIB projetavam investimentos em torno de US$ 40 bilhões. Mas o PIB cresceu muito menos, em torno de 2% na média. E os investimentos diretos externos ficaram acima de US$ 60 bilhões. "Isso é muito alto. Para você ter uma ideia, na média, tem só dois países, China e Estados Unidos, com volume paralelo ao do governo Dilma. O Brasil nunca teve tanto investimento externo direto".
Apesar do agravamento da crise, os investimentos se mantêm. Em 2015, foram US$ 63 bilhões. "Isso é uma coisa que precisa ser muito bem estudada", observa Romano. Mas ele também adverte que nem todo o volume contabilizado pelo Banco Central representa investimento de fato. "Tem uma falcatrua ai. Um terço disso é mentira, porque não é investimento produtivo, mas dinheiro que vem travestido de investimento produtivo, são empréstimos entre companhias, mas não para investir em capital e trabalho, e sim em ativos financeiros. No entanto, mesmo tirando esse um terço, sobram mais de US$ 40 bilhões para investimentos concretos. E isso curiosamente continua."
De acordo com o relatório Focus, do Banco Central, as expectativas de mercado para 2016 são de investimentos de US$ 56,7 bilhões. E para 2017, US$ 60 bilhões. "Esse aumento pode ser efeito Temer, e tchau tchau Dilma, mas de qualquer forma é uma coisa que chama a atenção", diz. Para ele, a explicação para a manutenção dos investimentos tem a ver com as grandes dimensões do país em termos econômicos. "O pré-sal não é uma mentira, ele existe em grandes volumes e tem a questão da agricultura, tem a questão do mercado consumidor, um dos maiores do mundo, e essas empresas percebem o potencial, ainda mais quando você tem a quebradeira das construtoras por causa da Lava Jato. Está tudo ruim, mas esses números indicam que o país não está quebrado", afirma, lembrando que em 1991 o investimento no país não chegava a US$ 2 bilhões.