Crise atual é tão intensa como a de 2008, diz ministro da Fazenda

Carlos Giffoni e Arícia Martins
Valor Econômico

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou ontem que a atual crise mundial é tão intensa quanto a de 2008, fez um discurso mais pessimista e alertou para os seus impactos na economia brasileira. Até então, o Banco Central havia estimado que os efeitos negativos da crise atual no Brasil seriam menores, e corresponderiam a um quarto daqueles sentidos na anterior. Para combater o recuo da atividade, Mantega deixou as portas abertas para que outros setores industriais procurem a Fazenda para pedir desoneração na folha de pagamentos e reforçou que a política cambial será mantida.

“Essa crise afeta mais a indústria, que está indo para baixo não somente nos países europeus, mas no Brasil e na China também. Felizmente, somos menos afetados”, disse Mantega. Na comparação com 2008, o ministro observou que o epicentro daquela crise foi diferente e os efeitos, mais concentrados. Agora, o impacto já se estende por mais tempo.

Mantega foi firme ao dizer que a crise europeia não é passageira. Segundo ele, as mais recentes decisões tomadas na Europa afastaram a crise momentaneamente, mas os grandes problemas, como a recessão e o desemprego na União Europeia e o baixo crescimento nos Estados Unidos, não estão resolvidos. Na sua avaliação, a crise de 2008 começou mais forte que a atual, mas os efeitos já são semelhantes.

“Hoje você tem uma gravidade tão grande quanto em 2008, mas sem grandes instrumentos de controle na Europa, como os Estados Unidos tiveram com o Fed [Federal Reserve, o banco central americano]. Precisamos ter consciência de que enfrentamos uma crise bastante grave e que não será solucionada no curto prazo, porque os europeus são lentos.”

Mantega disse que a solidez fiscal do Brasil está entre as principais armas do governo para combater o cenário adverso, que já se reflete em déficit comercial com a Europa. Ele se mostrou preocupado em manter o controle dos gastos públicos e chamou a sociedade e os empresários a fazer pressão para que o Congresso que não aprove medidas que onerem o Estado, como a vinculação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação e o reajuste dos servidores.

“Temos mais experiência em crise, mais solidez fiscal que em 2008 e estamos com mudanças importantes em curso na economia brasileira. Caminhamos neste ano para um dos menores déficits de toda a série histórica, algo como 1,4% do PIB. Nossa dívida líquida, em 35% do PIB, é a menor de todos os tempos”, afirmou.

Outro braço do governo nos esforços para alavancar o crescimento, a política cambial será mantida. Mantega foi incisivo em dizer que os efeitos sobre a atividade não são imediatos, mas existem, e o país precisa recorrer ao câmbio para garantir competitividade, como já vem sendo feito por outras economias mundiais em momentos de crise.

“Estamos mudando a estrutura cambial. A redução dos juros e do custo financeiro é fundamental, mas ainda temos longo caminho para atingir o padrão de competitividade de outros países. Desvalorizamos o câmbio em cerca de 20% nos últimos 12 meses. Isso significa que os nossos manufaturados estão 20% mais baratos em dólar, a nossa mão de obra também [em dólar]”, disse.

Perguntado sobre as críticas a tal política cambial, o ministro disse que contava com o apoio de 99% dos empresários presentes no seminário. “O outro 1% foi ao banheiro”, brincou. Ele disse que quem faz especulação cambial pode estar mais crítico. “Por que o Brasil vai fazer papel de bobo enquanto outros países usam câmbio para dar competitividade? Quando a economia internacional se rearranjar, o Brasil vai exportar mais em função desse câmbio.”

Mantega convocou à Fazenda os setores da indústria que querem desonerar a folha de pagamento. Ele acredita que baratear o custo da mão de obra para a atividade fabril será um dos motores para a recuperação da economia – e não negou ajuda quanto a esse benefício, inclusive cogitando reduzir ainda mais a alíquota que incide sobre o faturamento dos setores.

“Está em curso uma reforma da estrutura tributária brasileira, que é ruim, ultrapassada e que prejudica a produção e merece redução de tributos”, disse. “A desoneração da folha é importante em momento de crise. Temos que reduzir o custo de mão de obra. Vamos generalizar essa desoneração da folha.”

Na sua avaliação, as reduções sucessivas dos juros aliviam a situação fiscal do governo, o que libera recursos para novas desonerações e mais investimentos. “Isso também ajuda a inflação, porque todo mundo embute o custo financeiro nas mercadorias. A desoneração é deflacionária.”

Para Mantega, as ações do governo, o comportamento dos bancos (reduzindo spread) e o setor empresarial compõem o tripé para a recuperação econômica. “Há condições para investimentos, mas precisamos recuperar a confiança de que o Brasil tem condições diferenciadas e que, com as mudanças, estamos configurando outro país, mais competitivo, estimulando a produção e com capacidade de competir com demais países. E temos um mercado consumidor dinâmico como vantagem, o que não se encontra em outras economias”, disse.

Para Mantega, o crescimento entre 12% e 13% ao ano para os investimentos seria o ideal, com o crescimento do PIB em torno de 4%.

Mantega manteve a previsão de que o país vai crescer entre 3,5% e 4% no segundo semestre, mas não quis comentar o crescimento da economia em 2012. Ele acredita que os sucessivos pacotes apresentados pelo governo terão resultado mais visível na segunda metade do ano e citou o bom desempenho do setor automotivo em junho, cuja média de vendas diárias de automóveis cresceu de 12 mil em maio para 17 mil, já sob efeito da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

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