Jon Hilsenrath, Serena Ng, Damian Paletta, Cristiane Perini Lucchesi e Luiz Sérgio Guimarães, do The Wall Street Journal e de São Paulo
O sistema financeiro americano lembra um doente em terapia intensiva. Autoridades do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e do Tesouro identificaram a doença: desalavancagem. Durante a explosão do crédito, de 2002 a 2006, as instituições financeiras e as famílias americanas se endividaram muito acima do ritmo de crescimento econômico. Muitos dos que tomaram dinheiro não podem pagá-lo agora, após o colapso nos preços dos imóveis residenciais.
Pelo menos três coisas precisam ocorrer para pôr fim à desalavancagem. Instituições financeiras precisam dar baixa contábil dos ativos desvalorizados que compraram com dinheiro emprestado, pagar suas dívidas e refazer o capital corroído pelo prejuízo com aqueles ativos.
O processo, porém, se auto-alimenta de forma perversa. A venda de ativos derruba preços, dificultando a operação e causando mais perdas. Com isso, as ações das empresas perdem valor e elas não conseguem levantar mais capital. Como acadêmico, o atual presidente do Fed, Ben Bernanke, apelidou essa auto-alimentação de “acelerador financeiro”.
A fuga para ativos mais seguros, como ouro e títulos do Tesouro americano, cujos rendimentos ficaram negativos, não era vista desde a Segunda Guerra Mundial. Empréstimos entre bancos foram completamente suspensos. Dois fundos de curto prazo, considerados tão seguros quanto depósitos à vista, quebraram por terem investido em papéis do Lehman. As bolsas caíram no mundo todo e nem o empréstimo de US$ 85 bilhões do Fed para a seguradora AIG, anunciado na terça-feira, conteve a aversão ao risco.
No Brasil, a Bovespa caiu 6,74% e o dólar fechou a R$ 1,87, com alta de 2,41%. Além de ter inviabilizado empréstimos sindicalizados, o aperto de liquidez internacional secou linhas de financiamento ao comércio exterior, o que não se verificava no país desde 2002. As linhas que restam são de curto prazo, no máximo 180 dias. O custo dobrou, o que ajuda a alta do dólar. O desmonte de posições de fundos e bancos que precisam de liquidez e perderam dinheiro em outros mercados também tem puxado o dólar contra o real e contribuído para elevar os juros nos mercados futuros. A concordata do Lehman afetou especialmente o mercado a termo de dólares contra reais no exterior, o chamado mercado de “NDF” (do inglês “non-deliverable forward”).