Contra a recessão, CUT exige diálogo e mudanças, sem aceitar virada política

CUT realiza 12º congresso de olho no governo, de quem cobra ações

Três anos atrás, quando realizou o seu 11º congresso nacional, a CUT se preocupava com um possível cenário desfavorável na economia e esperava mais disputas dentro do governo, à esquerda e à direita. A crise na economia veio, acompanhada de um furacão político, temas que estarão mais do que presentes no próximo congresso, de 13 a 17 de outubro, em São Paulo. Enquanto procura influenciar o governo para mudanças nas diretrizes econômicas, a central tromba com um Congresso de perfil mais conservador e critica a falta de reação de dirigentes partidários, particularmente do PT. E ao mesmo tempo em que cobra ações do Planalto, principalmente em relação à política econômica “errática e recessiva”, vai à rua para defender o mandato presidencial, ou as instituições.

A ofensiva não se limita ao Brasil, vale para a América Latina, diz o secretário-geral da CUT, Sérgio Nobre, coordenador do congresso e da Articulação Sindical¬, maior tendência interna da central, apontando um “projeto da direita” na região e alertando para riscos. “Se você perde a democracia, não avança em direitos. Também não estamos felizes com o governo, e deixamos isso muito claro. Podem ir à rua, se manifestar, mas têm de respeitar o mandato da presidenta (Dilma Rousseff)”, afirma Sérgio Nobre, destacando a presença de uma grande delegação internacional no evento. “Uma guinada à direita no Brasil influenciaria toda a região”, afirma.

Nobre cita um exemplo, no movimento, sindical da importância que o país assumiu no mundo: a eleição de João Felício, dirigente da CUT, para a Confederação Sindical Internacional. Para ele, o PT é o alvo da vez, mas não o único. O movimento sindical também será objeto de uma política contínua de desqualificação. “É um cenário que nos preocupa.”

As forças políticas que atuam na CUT convergem na avaliação de que o governo Dilma decepcionou no início de seu segundo mandato, adotando medidas que contrariaram o discurso da campanha eleitoral. Naquele momento, de acordo com documento de análise feito pela central, o estafe de Dilma “optou por convencer o eleitor fazendo uma guinada à esquerda, apresentando possibilidades para um quarto mandato de maior aprofundamento das políticas sociais e de democratização do Estado”.

Não foi o que aconteceu, frustrando os sindicalistas e provocando insatisfação nas bases sociais. Esse debate deverá dar o tom do congresso, que reunirá 2.300 delegados. Com perspectiva de formação de chapa única, eles deverão reconduzir Vagner Freitas à presidência.
A questão, segundo Sérgio Nobre, é mudar a agenda. Para ele, hoje o Brasil discute Lava Jato ou inflação, mas não o crescimento, e é preciso denunciar os efeitos da operação que “parou a economia brasileira” e criminalizou empresas importantes. Mas é necessário também mudar rumos no Executivo. “Nenhum governo consegue se sustentar se não despertar esperança no seu povo. O problema é que a agenda do governo está distante de seu eleitorado. Tem de mexer no time, e mudar o centro da política. A agenda não é combate à inflação, é voltar a crescer. A crise começou na política, contaminou a economia e agora está contaminando o social.”

Mas não é só o comportamento do Executivo o problema. Para Nobre, o financiamento empresarial de campanhas eleitorais distorce a correlação de forças. “O povo olha para o Congresso Nacional e não vê a sua agenda lá.”

Isso não significa aceitar propostas de interrupção do mandato. “As nossas críticas não são para apear Dilma do poder, porque não tem elemento nenhum para isso. Isso é golpe, não tem outro nome. Não é defesa da Dilma, mas das instituições”, afirma Nobre.

A opção Aécio, diz ele, significaria privatização, criminalização dos movimentos sociais, falta de negociação. “Não é da tradição deles. Eles não dialogam. O governo Dilma pode ter todos os problemas do mundo, mas os espaços de negociação estão preservados.”

Base social

O secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney, lamenta a nomeação de Joaquim Levy – “filho da escola de Chicago” -, para a Fazenda, convocado para dar um “tranco” na economia. “O governo erra ao botar a economia acima da política. E perde base social”, afirma o dirigente, ligado à corrente Articulação de Esquerda. Ele lamenta oportunidades perdidas de crescimento e acredita que a política econômica estará no centro da discussão durante o congresso.

“O país tinha todas as condições de ter a segunda década de crescimento, sem parar. A tendência era de crescimento chinês mesmo. Para isso, a política está na frente de tudo. A política tem de dizer para onde vai a economia”, diz Solaney, ao comparar a gestão anterior e a atual. “Lula estava dizendo ao empresário brasileiro para investir. Dilma incorpora a tese da inflação de demanda”, afirma o dirigente. Ele também critica opositores: “Nenhum país merece uma elite dessa, que prefere quebrar o país, suas próprias empresas, para derrubar um governo e um projeto de país”.

Faltou também discutir reformas (política, dos meios de comunicação, urbana) quando o cenário era mais propício, acredita Solaney. Para ele, com uma política de aliança de classes desde o governo Lula, prevaleceu a tese “antes uma péssima negociação do que uma boa briga”. E lamenta: “Não fizemos as boas brigas, possíveis e necessárias, com chance de êxito”.

Ele lembra que, antes mesmo da posse, o governo causou surpresa ao anunciar, sem discussão, as medidas provisórias 664 e 665, que restrigiam acesso a benefícios sociais. No início do ano, surgiu o debate sobre abertura de capital da Caixa Econômica Federal, “uma empresa histórica, que tem função estratégica”. “O governo foi eleito para aprofundar as políticas (sociais), com mais investimento, mais presença do Estado”, diz Solaney, que também considera um erro a “reestratificação” da classe trabalhadora como classe média.

As críticas também vão para o PT, que para ele não discutiu estrategicamente o programa histórico a ser aplicado no governo. “Não está defendendo a sua própria história, e corre o risco perder o legado histórico.” Solaney cita o porto de Suape, em Pernambuco, como exemplo de desenvolvimento a partir de uma visão estratégica, com uma carteira de 22 navios encomendados, dos quais cinco foram produzidos.

“Eram 22 mil trabalhadores, agora tem 6 mil. Havia um processo de transferência de tecnologia, emprego, renda, cadeia produtiva, portos interligados com a Transnordestina¬ (para escoamento de produtos). Isso é decisão política.”

Defensiva

O diretor-executivo Júlio Turra (da corrente CUT Independente e de Luta) lembra de um encontro em março com o secretário-geral da Presidência da República, Miguel Rossetto, quando a central deixou clara a sua posição contrária à política econômica, segundo ele semelhante a medidas de austeridade aplicadas na Europa, “fazendo superávit para remunerar bancos e credores da dívida pública, contenção de salários, da demanda e do consumo popular”, e se desvencilhando das responsabilidades do Estado em infraestrutura.

Ele também critica a falta de posição do governo em relação ao projeto de lei sobre terceirização, aprovado na Câmara e agora em tramitação no Senado. “É uma espada de Dâmocles, uma espada permanente sobre a cabeça do trabalhadores.” E vê o PT “na defensiva, sem tomar iniciativas” – em crise que não se sabe quando acabará.

Para Turra, a queda de popularidade se explica, em parte, pelo distanciamento do governo de suas bases sociais. “Só não está em uma posição mais difícil porque a CUT polarizou esse movimento de resistência. Isso forjou uma grande unidade dentro da CUT. Quem tem autoridade para cobrar mudanças são aqueles que o elegeram”, afirma. “Sem mudanças na política, o governo vai de olhos vendados para o abismo.” Ele também avalia que, em 12 anos, nenhuma reforma estrutural foi feita. “Estão todas pendentes”, diz, lamentando o “arremedo de reforma política” feito pelo Congresso. “O que não é mais do mesmo, piora.”

Burrice

A secretária de Mulher Trabalhadora da CUT, Rosane da Silva, critica a mudança de uma política “desenvolvimentista”, até 2012, para uma de “viés neoliberal”, que prejudica setores mais vulneráveis da sociedade. “A gente não tem como explicar aos trabalhadores por que o governo mudou o calendário do PIS. É uma burrice inexplicável, uma economia burra”, exemplifica Rosane, da corrente CUT Socialista e Democrática (CSD).

Ela também identifica uma mudança, para pior, na condução da economia. “No início de seu (primeiro) governo, Dilma enfrentou os bancos”, diz Rosane. “Havia um ânimo muito forte (em relação ao governo), que iria enfrentar problemas estruturais.” Diante de uma direita mais organizada, querendo ver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na prisão e o PT na ilegalidade, a dirigente acredita que o partido deveria ter mais iniciativa política. “O PT fica esperando os movimentos sociais, não consegue ser esse fio condutor de aglutinação da esquerda.”

Rosane espera que o congresso da CUT dê novo fôlego para o próximo período – permitindo apresentar e discutir uma agenda positiva, em vez de reativa. Mas espera mais do governo. “Quem pode dar sustentação ao governo da Dilma é a classe trabalhadora, são os movimentos sociais.

Até agora, o nosso projeto, vitorioso em 2014, não foi executado
Sérgio Nobre vê um “choque natural” na relação entre o PT e o governo, mas identifica falta de diálogo entre o Planalto e a bancada do partido. “Acho que a guinada do governo na politica econômica aumentou a diferença.” Mas ele espera renovação no próximo congresso do partido, com maior presença de representantes dos movimentos sociais.

Para ele, a criação de uma frente de esquerda abre oportunidade para uma discussão estratégica sobre o país. Algo que a CUT está pensando, ao trabalhar em um projeto econômico alternativo.
Para o dirigente, é preciso pensar em reforma política que aprimore a democracia, em valorização da negociação coletiva, política industrial, fortalecimento de um empresariado nacional, “com interesse no desenvolvimento do país”. O “momento mágico” de 2010 passou. A conjuntura muda rápido, observa Nobre.

Segundo seus dirigentes, a CUT quer preservar a visão crítica em relação ao governo, de quem espera mais diálogo, e nos rumos na economia, que já mostra seus efeitos no mercado de trabalho. Sem fechar os olhos para setores da sociedade que, em vez de discutir o país, apostam no caos.

Paridade e mandato maior

Uma das novidades deste congresso nacional da CUT será a aplicação, pela primeira vez, do conceito de paridade de gêneros. Os cargos na diretoria serão divididos entre homens e mulheres. A alteração foi aprovada em 2012, em um dos principais debates daquele congresso.

A secretária da Mulher Trabalhadora da central, Rosane da Silva, destaca o esforço conjunto para concretizar a mudança. “Não tem sido uma tarefa só das mulheres. Tem um envolvimento e um compromisso coletivo pela paridade”, afirma.

Concretizada a mudança, a executiva nacional da CUT deverá ter 16 homens e 16 mulheres, ante as dez atuais. Nas origens da entidade, era apenas uma (Rosiver Pavan).

Outra alteração a ser aprovada no Concut trata da duração do mandato, de três para quatro anos. A decisão saiu de plenária nacional realizada em 2014.

Durante o congresso, também será entregue o relatório da Comissão Nacional Memória, Verdade e Justiça da CUT, organizado pelo Centro de Documentação (Cedoc) da entidade. “Tem nomes de trabalhadores mortos em conflitos que não foram citados no relatório da Comissão Nacional da Verdade. Queremos que sejam validados pela Comissão de Anistia”, diz o secretário de Políticas Sociais, Expedito Solaney, que representou a central no grupo de trabalho sobre o movimento sindical da CNV. “É uma forma de resgatar a memória da classe trabalhadora, que foi quem pagou mais caro no golpe e ao longo do regime militar”.

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