Valor Econômico
Fernando Travaglini, de São Paulo
Com uma das políticas mais agressivas no segmento de crédito consignado, aquele com desconto em folha de pagamento, o Banco do Brasil tem hoje um terço do mercado e a expectativa é de crescimento da ordem de 30% neste ano. Os novos contratos para administração da folha de pagamento de Estados e municípios podem garantir um mercado cativo à instituição estatal, já que, em algumas localidades, o BB tem conseguido atrelar a administração da folha à exclusividade para oferta de empréstimo consignado aos funcionários públicos.
Os bancos públicos já administram metade das contas de servidores dos Estados e recentemente o Banco do Brasil conseguiu novos acordos, como na Paraíba. Herdou também o contrato do Estado de São Paulo, com a compra da Nossa Caixa.
No Rio Grande do Norte, o governador soltou no fim do ano um decreto que restringe ao BB o convênio para empréstimos com desconto em folha. Antes eram 20 as instituições que podiam operar com os mais de 100 mil servidores, mas agora só sobrou o BB. “Foi fechado um convênio mais amplo, que engloba muitas coisas, como o crédito consignado e o pagamento das licitações”, diz Thyago Cortez, coordenador da folha do Estado.
Nesse tipo de empréstimo, a parcela é descontada diretamente pela fonte pagadora – o que garante baixa inadimplência – e para fechar um contrato com um cliente o banco precisa ter um acordo prévio com o órgão público. Sem um convênio, não há como financiar o funcionário.
No Espírito Santo, decreto semelhante foi assinado pelo governador do Estado, mas com a possibilidade de a Caixa Econômica Federal e de o Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes) também atuarem. “A medida segue uma política de ações que vem sendo adotadas pelo Executivo para modernizar e melhorar o processo de consignação em folha, contribuindo, principalmente, para o maior controle dos procedimentos, garantindo mais segurança e tranquilidade aos servidores durante as transações e fechamento dos contratos”, diz nota do governo.
Há acordos similares em algumas cidades e pessoas de bancos ouvidas pelo Valor afirmam que há tratativas com a prefeitura de São Paulo. Em nota, a prefeitura diz que “ainda está em fase de negociação dos detalhes, inclusive sobre transações e benefícios aos servidores municipais, do acordo firmado com o Banco do Brasil, que irá concentrar suas operações bancárias, em especial, o pagamento de servidores, o pagamento de fornecedores e a centralização das disponibilidades do caixa municipal”. Conforme o Valor revelou, a prefeitura paulista rompeu contrato e transferiu sua folha do Itaú para o BB.
Segundo Nilson Martiniano, diretor de empréstimos do BB, esse mercado é importante para o banco e de fato algumas parcerias de exclusividade foram fechadas, “mas é uma minoria, porque a concorrência não é um problema”, diz. “Temos as menores taxas e os melhores prazos. Nossa projeção é continuar crescendo acima do mercado e atingir uma expansão da ordem de 30% no ano.”
O banco já vinha crescendo nesse nicho antes mesmo de ampliar sua atuação sobre as folhas de pagamento. Somente em novembro, segundo dados do próprio banco, a carteira total de empréstimos em consignação cresceu 4,3%, bem acima da média de mercado (1,6%), em relação ao mês anterior. Mas o maior avanço se deu justamente entre os servidores públicos, expansão de 5,4% no mês. No fim de setembro, a carteira de consignado da instituição era de R$ 34 bilhões, com mais de 80% destinados a funcionários públicos.
A aquisição das folhas de servidores por parte dos bancos públicos, que dispensa licitação, já havia incomodado os grandes bancos privados, que perderam interesse por leilões de Estados e municípios. Com o movimento de avanço sobre o consignado público, são os bancos menores que estão preocupados. Historicamente eles têm participação importante no nicho.
O temor é que, mesmo onde não há exclusividade, eles percam o atual estoque de crédito, já que uma prática bastante comum é a chamada “compra da carteira”, quando um banco oferece um refinanciamento da dívida com um “troco” para o cliente. Isso pode ter impacto direto no resultado dessas instituições, já que quase dois terços de tudo o que produzem é cedido para outros bancos em troca de antecipação de receita. Quando há a liquidação antecipada do empréstimo por parte do cliente, o banco que fez a cessão da carteira tem que devolver parte do ganho já apurado.
E a compra, de fato, já começou. O Banestes divulgou anúncio dizendo que servidores que tomaram empréstimo com bancos privados podem procurar uma das agências Banestes. “Há uma indústria de pastinhas (promotor que representa o banco na oferta de crédito), que abordam os clientes de forma ostensiva visitando as pessoas no trabalho e em casa, até nos fins de semana. Com tanta facilidade para tomar crédito, o cliente nem faz conta dos juros”, diz o diretor comercial do Banestes, Ronaldo Hoffmann, que defende a migração para os públicos.