Com lei das cotas, empresas disputam executivos com deficiência no país

Jacílio Saraiva
Valor Econômico

O aquecimento do mercado, a obrigatoriedade de cotas prevista em lei e a falta de programas de retenção de talentos aumentaram a rotatividade entre executivos portadores de deficiências físicas. No fim de 2010, por exemplo, mais de 40% das companhias revelaram um ‘turnover’ acima da média entre esses empregados, segundo uma pesquisa com realizada com 71 empresas de 17 setores.

O resultado disso é que mais recrutadores estão saindo à caça desses candidatos. Algumas consultorias de recursos humanos criaram unidades exclusivas para garimpar currículos e há empresas especializadas em contratar portadores de deficiências para grandes corporações. Por enquanto, por falta de capacitação ou pelo reduzido número de vagas abertas para gestores com deficiência física, os cargos de chefia ainda são os mais difíceis de preencher.

Na opinião de Alex Vicintin, CEO da Plura Consultoria e Inclusão Social, responsável pela pesquisa, existem duas grandes razões para que a rotatividade entre os executivos portadores de deficiência física seja alta: “Nem todas as empresas oferecem um ambiente amigável, com equipes sensibilizadas e espaços adaptados. Além disso, o mercado está aquecido e boa parte dessa população recebe propostas mais atraentes”

Segundo o último censo demográfico, 14,5% da população brasileira têm algum tipo de deficiência. “Se levarmos em consideração a cota de inclusão de profissionais com deficiência, há um universo de 851 mil posições de trabalho abertas, sendo que, até 2009, apenas 152,5 mil foram preenchidas.”

A lei 8.213/91, conhecida como Lei de Cotas, determina que as empresas com mais de 100 empregados reservem um percentual de vagas para profissionais com deficiência. A quantidade varia: em organizações com 100 a 200 empregados, a taxa é de 2%; de 201 a 500 funcionários salta para 3%; de 501 a mil pessoas é de 4% e, acima de mil colaboradores, deve corresponder a 5% da força de trabalho.

De acordo com Vicintin, a maior parte das buscas por funcionários com deficiência física se concentra em candidatos com ensino médio ou com curso superior em andamento. “Há executivos de nível gerencial ou superior disponíveis, mas o número é muito menor. Geralmente, estão empregados e não balançam por qualquer proposta.”

É o caso de José Vicente Ayres, 50 anos, gerente técnico de riscos da seguradora Tokio Marine, na empresa há 31 anos. Portador de deficiência auditiva desde o nascimento, o administrador de empresas lidera uma equipe de quatro pessoas. Atraído por um anúncio de jornal, fez testes no antigo Banco Real e foi aprovado em 1979 para uma vaga de escriturário na seguradora do grupo, comprada pela Tokio Marine em 2005.

Além da lei federal que regula o tema, Ayres acredita que o acesso às vagas para portadores de deficiência pode ser ampliado com uma maior capacitação profissional. “As organizações deveriam se conscientizar e contratar esses profissionais, independentemente das cotas”, ressalta.

A Tokio Marine tem 1,5 mil colaboradores e 57 deles são portadores de deficiência física. A companhia fez um investimento inicial de R$ 52 mil para garantir melhorias de acesso, softwares especiais e criação de vagas no estacionamento.

“Até setembro, devemos aumentar esse quadro para 71 pessoas”, afirma a diretora de RH Mônica Alexandra da Silva. A empresa apresenta uma média de quatro vagas abertas por mês para funcionários especiais.

“A dificuldade é encontrar pessoas com deficiência e nível exigido para os cargos de chefia”, diz Mônica. A empresa gasta, em média, de 15 a 30 dias para preencher uma vaga. Para mudar esse cenário, ela usa serviços de consultorias de RH, faz anúncios em sites de emprego e estimula os funcionários a indicar conhecidos.

Um programa de desenvolvimento destinado exclusivamente aos colaboradores com deficiência também foi criado para aumentar os índices de retenção. “Como esse público é muito disputado pelo mercado, é fundamental pensar em formas de engajamento e incentivo.”

Segundo a pesquisa da Plura, apenas 6% das companhias realizam alguma iniciativa para reter colaboradores com esse perfil. “Há muita energia para trazer os empregados e pouco esforço para mantê-los na organização”, afirma Vicintin. Para o especialista, o setor que mais recruta executivos portadores de deficiência é o financeiro, mas há entraves em localizar profissionais com competências específicas como fluência em línguas, curso superior em instituições de primeira linha e autonomia de movimentos.

Na Plura, dona de um banco de dados com 23 mil currículos de portadores de deficiência, o tempo médio para preencher um posto pode chegar a até dois meses – a maior parte das colocações é para cargos de entrada. No ano passado, das fichas garimpadas pela consultoria, apenas 10% do total foram direcionados para funções de gestão.

A maratona para encontrar bons profissionais também estimula o trabalho de consultorias especializadas em recrutamento de portadores de deficiência. Na Plura, além do cadastro de candidatos, há serviços de criação de projetos de acessibilidade para as corporações e palestras de sensibilização. “Com a cobrança exercida pelo governo para o cumprimento de cotas, as empresas estão recrutando no mercado constantemente”, avalia Renata Fabrini, sócia da consultoria Fesa. Na consultoria i.Social, que trabalha com inclusão social e econômica de pessoas com deficiência, há um banco de dados com 22 mil currículos. A empresa, há onze anos no mercado, já empregou mais de seis mil profissionais.

A consultoria de Haber tem uma carteira de 100 clientes ativos e fechou o mês de fevereiro com um faturamento 30% maior ante o mesmo período do ano passado. Mesmo assim, ele afirma que as vagas para gestores com deficiência ainda são raras. “É normal ver profissionais com deficiência qualificados, mas com dificuldade de inserção”.

Recentemente, a i.Social incluiu um profissional com excelente formação na área de tecnologia com um salário mensal de R$ 8 mil. “Como o mercado encontra obstáculos em recrutar gente qualificada para a área de TI, as empresas acabam sendo mais receptivas aos candidatos com deficiência e que são capacitados para a função. A necessidade é maior do que possíveis resistências culturais.”

A Page Personnel, empresa do grupo Michael Page International, especializada em recrutamento de profissionais técnicos e de suporte à gestão, criou há um ano uma divisão para ajudar as empresas a preencher posições para profissionais com deficiência. “Nosso foco são as contratações para posições qualificadas, visando o desenvolvimento de carreira”, diz Priscila Salgado, gerente da divisão PCD (Pessoas com Deficiência) da Page Personnel. “Queremos mostrar ao mercado que há profissionais com deficiência qualificados.”

Segundo a executiva, foi a melhoria na qualificação das “PCDs” que justificou a criação da divisão. “Percebemos um avanço significativo no acesso às universidades, MBAs e cursos de idiomas, gerado pelo crescimento econômico.” A Page Personnel tem trabalhado com vagas para coordenadores, gerentes e algumas posições de diretoria. “Dos candidatos entrevistados em 2010, 80% foram recolocados em postos de liderança.”

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