(São Paulo) Em votação nominal realizada na tarde desta terça-feira (13), a Câmara dos Deputados aprovou por 304 a 106 a emenda ao projeto de lei (PL) da "Super Receita" que impede auditores fiscais do trabalho de apontarem vínculos empregatícios entre patrões e funcionários, quando forem constatadas irregularidades.
De acordo com o texto, apenas a Justiça do Trabalho terá competência para determinar se uma pessoa é ou não empregada de outra. Caso entenda que seus direitos não tenham sido honrados, o trabalhador deverá por conta própria recorrer ao poder judiciário contra o empregador. "A emenda é inconstitucional, pois atenta contra o direito de fiscalização do Estado. Se ela entrar em vigor, vai acabar a fiscalização no Brasil. É uma tragédia", afirma o deputado Nélson Pellegrino (PT-BA).
A emenda agora segue para apreciação do presidente. A bancada do Partido dos Trabalhadores deve solicitar a Luiz Inácio Lula da Silva que vete o texto. "Conto com isso. Mas, se não acontecer, vou defender que o PT entre com uma ação de inconstitucionalidade na Justiça", completa Pellegrino.
Sem poder de fiscalização
Na prática, a emenda ao projeto de lei nº 6.272/05, que cria a "Super Receita", inviabiliza fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nos casos de trabalho escravo. Quando uma equipe de funcionários públicos encontrar pessoas sem carteira assinada dentro de uma fazenda, o empregador pode simplesmente dizer que as pessoas dali não têm vínculo com ele. E só caberia à Justiça do Trabalho, se algum empregado entrar com uma ação judicial, definir quem tem razão, o empregador ou a equipe de fiscalização. Os auditores estariam impossibilitados de aplicar autos de infração, que hoje são um dos instrumentos mais importantes no combate à escravidão.
"Se o combate ao trabalho escravo tem tido esse sucesso, é porque o fiscal pode aplicar na hora as multas do empregador", afirma Rosa Campos Jorge, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho. Em nota divulgada na última quinta-feira (8), o sindicato afirmou que a emenda também pode prejudicar a repressão às falsas cooperativas e à terceirização irregular nas empresas, além da fiscalização rural.
Para a chefe da Secretaria de Inspeção do Trabalho, Ruth Vilela, está havendo uma confusão entre poderes diferentes, pois a emenda transfere prerrogativas dos auditores fiscais à Justiça do Trabalho. "Quando há um conflito entre o empregador e o empregado, é a Justiça que resolve o conflito. Mas quando não há o conflito, é o auditor fiscal que entra em ação."
E há mais um problema. A Justiça do Trabalho só reconheceria os vínculos, caso o trabalhador entrasse com uma ação contra o empregador. Considerando o temor que muitos desses trabalhadores sentem de seus patrões na região de fronteira agrícola – devido à violência e ao desrespeito com que são tratados – dificilmente um deles entraria com um processo contra o patrão.
Em boletim divulgado à imprensa, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) afirma que a emenda, além de prejudicar a fiscalização do trabalho, atrapalharia o judiciário: "Para a Anamatra, a proposta pode agravar a morosidade da Justiça do Trabalho".
A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) também se manifestou contra o trecho da nova lei. A entidade divulgou uma nota pública classificando a mudança como uma "afronta" aos trabalhadores. "Isso é uma tentativa de flexibilização dos direitos trabalhistas", adverte o presidente da ANPT, Sebastião Vieira Caixeta. "Milhares de trabalhadores serão prejudicados, o que poderá acarretar, inclusive, o amento de condições degradantes no campo", prevê.
Pressão externa
A emenda que pode prejudicar o combate ao trabalho escravo foi proposta pelo ex-senador Ney Suassuna (PMDB-PB), quando o projeto de lei da "Super Receita" ainda tramitava no Senado. Na época, o próprio gabinete do senador afirmou que a emenda foi proposta atendendo a pedido de empresas de comunicação. Para se isentar do pagamento de encargos trabalhistas, essas empresas costumam utilizar serviços de jornalistas colaboradores na forma de pessoas jurídicas.
Insatisfeitas com a atuação dos auditores do trabalho, elas pressionaram para que o vínculo fosse reconhecido apenas pela Justiça. "O lobby das empresas de comunicação está muito forte", afirma a presidente do Sinait.
O relator do projeto de lei na Câmara, deputado Pedro Novais (PMDB-MA), emitiu parecer favorável à emenda. Em sua justificativa, ele afirma que "nos países mais avançados, a legislação trabalhista é quase sempre extremamente liberal". Em seu relatório, o deputado defende a contratação de empregados na forma de pessoas jurídicas: "o Estado não pode substituir a vontade do profissional que se lança ao mercado de trabalho sob o guarda-chuva de empresa individual. Cabe a ele, e não à fiscalização estatal, emitir juízo de valor a respeito", afirma o parecer de Pedro Novais.
Fonte: Iberê Thenório e Carlos Juliano Barros, da ONG Repórter Brasil, para Agência CartaMaior