O deputado eleito com a maior votação proporcional da história do Brasil, Ciro Gomes (PSB-CE), disse em entrevista ao jornalista Paulo Henrique Amorim que um dos desafios do segundo mandato do Governo Lula vai ser promover a democratização dos meios de comunicação. “Não temos que ter medo de avançar na questão da democratização dos meios de comunicação do Brasil”, disse Ciro Gomes. Para Ciro Gomes, o presidente Lula deve ter um contato mais próximo com a imprensa e com os jornalistas. “O presidente Lula, de seu lado, deve falar mais com a sociedade brasileira através da mídia”, defendeu Gomes. Ele disse também que é preciso fortalecer os meios de comunicação alternativos e as cooperativas de jornalistas. Em relação a Fernando Henrique Cardoso, Ciro Gomes disse que o ex-presidente precisa ser desmascarado. “Esse sujeito circula pelo mundo afora desqualificando o processo político brasileiro”, disse Ciro Gomes.
Leia a íntegra da entrevista com Ciro Gomes:
Paulo Henrique Amorim: Deputado, qual é a análise que o senhor extrai do resultado da eleição, da vitória do presidente Lula e a composição do novo mapa dos governadores em todo o país?
Ciro Gomes: Eu estou ainda bastante emocionado. É uma emoção vibrante que eu sinto em relação ao que fez o povo brasileiro nesse processo eleitoral em todas as dimensões. Quero explicar: a eleição do presidente Lula foi uma decisão lúcida do povo brasileiro porque acredito que, no processo democrático do país, do Brasil moderno, nunca um presidente foi tão agredido, tão atacado, tão insultado em coisas fundamentais como a sua própria honra pessoal, e o povo inteiro assistiu e percebeu o que estava em jogo e garantiu a vitória do Lula. O interesse nacional esteve em discussão, porque, ainda que de forma pouco explícita, havia ali duas concepções de país, a forma com que o Brasil deve ser inserido, e o povo inteiro assistiu, afirmou concretamente que o nacionalismo moderno, o compromisso nacional é o valor que tem que se segmentar no país. Em jogo, uma discussão entre elitismo, uma visão elitista do processo econômico, a visão elitista do processo produtivo, da própria sociedade brasileira e um compromisso popular genuíno. E o povo brasileiro teve clareza em afirmar, de forma esmagadora, esse interesse popular, de maneira que eu acho que quem ganhou foi esse conjunto de valores. Entretanto, o povo brasileiro não deu ao presidente Lula a vitória no primeiro turno. Isso é uma clara missão que tem que ser com muita humildade aprendida e eu creio que está sendo e foi para o presidente Lula e para todos nós que fazemos um arco de forças liberais. O brasileiro não quer que se repitam erros graves que aconteceram, o povo brasileiro precisa que nós construamos um quadro institucional e na questão da ética possa colocar as coisas nos termos corretos porque a ética não pode – e disse isso ao povo brasileiro nas eleições – o argumento oportunista que, não tendo comportamento ético, flagram falhas éticas do adversário e as manipulam inclusive com o esforço coadjuvante de uma certa imprensa que também levou uma lição preciosa do povo brasileiro, ou seja, o povo brasileiro é capaz de, de mesmo para as mediações interrompidas e manipuladas perceber inteligentemente aonde está o equilíbrio, aonde está o rumo correto. Não é só a questão da ética, que tomou relevo oportunista como disse, mas tomou relevo que não pode ser desconsiderado. É também a questão do modelo de concentração de renda, é também um crescimento medíocre que o país está vivendo, um modelo econômico que produziu coisas importantes e vamos continuar, mas é um modelo econômico também que não é satisfatório para as necessidades estratégicas de uma nação brasileira e para os potenciais que a nossa economia tem.
Paulo Henrique Amorim: E o que o senhor diria sobre a política econômica do segundo mandato? Já há, evidentemente, uma grande especulação, uma grande discussão, sobre o que significa a frase do ministro Tarso Genro quando disse: ‘Acabou a era Palocci’. O que significa isso na sua opinião? O que é acabar com a ‘era Palocci’?
Ciro Gomes: Eu acho que nós deveríamos evitar todos os adjetivos que você, Paulo Henrique, tem muita experiência e sabe que as coisas são como são para atender a interesses hegemônicos. E hoje ainda é hegemônico no Brasil, apesar de uma mudança importante, mas ainda é hegemônico no Brasil o modelo do rentismo, em que os banqueiros são os intermediadores de ganhos espetaculares para 50 ou 70 mil brasileiros bem postos com seus saldos financeiros. E o Estado nacional brasileiro ainda é o grande promotor desta perversão que nos faz muito mal, atrapalha quem produz, atrapalha quem trabalha e o estado brasileiro está longe de cumprir as mínimas tarefas de segurança pública, saúde pública, educação pública e as energias do modelo tributário brasileiro perverso. Isto é o concreto, isto é o substantivo. Eu discrepo da frase do meu companheiro e amigo Tarso Genro porque acho que o presidente Lula tem que refletir serenamente, mais substantivo e menos objetivo. O que vamos fazer para corrigir o desequilíbrio do câmbio. Mais ação e nada de conversa. O que vamos fazer para corrigir as disfunções da política monetária. Ou seja, como fazer com que o objetivo estratégico do Brasil seja crescer e distribuir renda, sem adjetivo, até porque a base das contas externas, a base fiscal do país, enfim, o controle da inflação, estão postos. Então, não precisa fazer nada espetacular, é preciso ir ajustando, mas ter clareza de que o objetivo estratégico do Brasil não é apenas controlar a inflação. O objetivo estratégico do país deve ser sobremaneira, a qualquer custo, crescer. Crescer com suficiência para cobrir os ganhos de produtividade, que pararam por causa de informalidade brutal e crescer com suficiência para cobrir a chegada dos jovens ao mercado de trabalho.
Paulo Henrique Amorim: Eu gostaria que o senhor aprofundasse, se fosse possível, a questão da mídia e o governo. A questão da mídia no Brasil, na minha modestíssima opinião, não é apenas o fato de que a mídia no Brasil é uma mídia de oposição maciçamente, com exceções honrosas, como por exemplo a da Carta Capital, mas é também uma mídia que age no processo político e agiu no processo político. E a mídia, na minha opinião, tem se comportando como uma ameaça ao funcionamento do sistema democrático no Brasil. Como o presidente Lula deve reagir diante desse quadro que se agravou no primeiro mandato dele?
Ciro Gomes: Eu acho que entre outras lições importante que o presidente Lula muita seguramente – eu converso com ele com certa freqüência – é a questão da conciliação do país depois desse processo eleitoral. Não pode ser uma conciliação oportunista e que não faça avançar os bons costumes democráticos que nós estamos vivenciando no país. Um dos pontos dessa conciliação de mérito é tratar essa questão do comportamento democrata de outros setores da nossa mídia. E interferiu certamente com desequilíbrio no processo político-eleitoral, a democracia moderna de massas precisa de uma imprensa plural, se não houver uma imprensa plural. há uma distorção grave, perigosa, desqualificadora mesmo do processo democrático. Como eu penso, assim como você disse, eu penso, não estou falando o presidente Lula, jamais que arvoraria nisso, eu penso que o presidente Lula de seu lado deve diretamente conversar com a sociedade brasileira através da mídia. Falar mais com a imprensa, se submeter mais ao crivo, ao escrutínio, à crítica, que se vulgarize, na melhor acepção que esse termo possa ter, a relação do presidente da República, da Presidência da República, com a mídia. Que não seja uma relação puramente espetaculosa, escandalosa, oportunista, inconveniente não aos processos plurais que nós estamos defendendo. De outro lado, nós precisamos ter clareza de que não temos que ter medo que, assim como na economia – menos adjetivo, mais substantivo –, de avançar numa questão substantiva que é a questão da democratização dos meios de comunicação no Brasil. Acho isso com clareza, agora sou mandatário, com um conjunto da sociedade brasileira que se reúne aqui no Ceará, e eu vou participar desse debate. Quando a gente discute democratização dos meios de comunicação, os que têm o monopólio disso vão sempre inventar que isso é autoritário, vão sempre querer desqualificar que isso é controle. Não é. É preciso incentivar dramaticamente os meios de comunicação alternativos, fortalecer cooperativa de jornalistas, financiar e, nisso, conceder canais de televisão, e discutir isso depois das eleições. Na América do Norte não é menos democrática porque as grandes redes de televisão lá são reguladas para não ficar 24 horas no ar. A produção regional no Brasil é uma imposição da questão federativa, da diversidade cultural que está sendo pasteurizada. O vanguardismo cultural precisa ter espaço. Isso tem que ser discutido abertamente, sem preconceito, mas também sem medo. Precisamos conversar com o povo. De boa fé, com clareza, com profundo senso democrático e avançar par ao futuro.
Paulo Henrique Amorim: O que o senhor acha que será o papel do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e como ele vai se inserir nesse debate público do segundo mandato do presidente Lula?
Ciro Gomes: Esse cidadão tem que ser desmascarado. Ele inclusive tem feito coisas absolutamente absurdas, que é circular pelo mundo afora desqualificando o processo político brasileiro. Um homem que dobrou a dívida pública brasileira em oito anos. Que aumentou em 11 pontos percentuais a carga tributária, um homem que privatizou U$S 100 bilhões em oito anos, um homem que destruiu a infra-estrutura do país, um homem que internacionalizou, criando o passivo externo que quebrou o Brasil três vezes, um homem que manipulou o câmbio, inclusive com ingerência do Fundo Monetário Internacional obtida pelo senhor Bill Clinton, e eu conheço detalhes da história, um homem desses tem que ser desmascarado, se recolher ao recato que nunca se recolheu da tradição brasileira do ex-presidente.
Fonte: vermelho.org.br