Cinco auditores estão na lista de contas secretas do HSBC na Suíça

Blog de Fernando Rodrigues
UOL

Na relação dos brasileiros que em 2006 e 2007 tinham seus nomes relacionados a contas numeradas no HSBC da Suíça aparecem pelo menos cinco auditores fiscais, quatro da Receita Federal e uma da Receita Estadual do Rio de Janeiro.

Lilian Nigri, ex-superintendente de Fiscalização da Secretaria de Fazenda fluminense, está na lista. Há 12 anos, ela foi uma das personagens do escândalo do propinoduto, como ficou conhecido na época o esquema montado por um grupo de fiscais do Rio para extorquir grandes contribuintes.

Ter uma conta bancária na Suíça ou em qualquer outro país não é ilegal, desde que seja declarada à Receita Federal. São os auditores do órgão que têm a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento desta obrigação.

Lilian Nigri, de 52 anos, trabalhou na Superintendência de Fiscalização do Rio de 2000 a 2002. Atuava na Inspetoria de Grande Porte, onde foi descoberto esquema de desvio ilegal de dinheiro que, em 2003, deflagrou a CPI do Propinoduto, na Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro).

Ela tinha sido indicada para o cargo por Carlos Eduardo Pereira Ramos, então chefe da inspetoria. Ramos foi condenado a 17 anos e seis meses de prisão por concussão (corrupção cometida por funcionário público), lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação fiscal.

Na lista do HSBC, Lilian aparece como dona de uma conta conjunta com sua mãe, Eliza Velmovitsky, que morreu em 2009 e era fiscal aposentada da Prefeitura de Niterói. Eliza também foi citada nas investigações sobre o propinoduto.

A conta de ambas foi aberta em 30 de dezembro de 1998 e fechada em 20 de fevereiro de 2003. Além disso, Lilian aparece ligada a uma conta conjunta aberta com seu marido, Felix Saad Haim Nigri. Ela existiu de 26 de março de 2001 a 16 de abril de 2003, quando foi fechada.

A data de fechamento das duas contas coincide com a eclosão do escândalo. Em 13 de março de 2003, Lilian depôs à CPI e negou ter participado do esquema de cobrança de propinas e desvio de dinheiro. No depoimento, justificou seu padrão de vida dizendo ser uma pessoa de família rica e casada com um homem rico.

Na época, Lilian foi investigada pela polícia suíça e pela Alerj, que, em maio de 2003, pediu seu indiciamento. Segundo o relatório final da comissão, ela entrava em contato com as empresas e pedia que enviassem o dinheiro dos fiscais à Suíça. Em janeiro de 2004, a Justiça Federal determinou a quebra do sigilo fiscal e bancário dela e de outras nove pessoas acusadas de envolvimento no esquema de envio ilegal de dinheiro para o exterior.

Aposentadoria cassada

Outro fiscal que aparece na lista é o auditor aposentado Ernani Bertino Maciel, alvo da operação Persona, da Polícia Federal, em 2007. As investigações apontavam para um esquema de sonegação fiscal que teria beneficiado a multinacional Cisco Systems.

Maciel chegou a ficar preso por 40 dias, mas recorre em liberdade das acusações na área criminal. Ele também responde a duas ações cíveis por improbidade administrativa. Numa delas, foi condenado em 2013 ao pagamento de multa de mais de R$ 500 mil por suposto enriquecimento ilícito nos anos de 2001, 2003 e 2005.

Nos arquivos vazados do HSBC, não há muitos detalhes sobre a conta de Maciel, como data de abertura ou valores. Há, no entanto, duas pessoas de mesmo sobrenome relacionadas à conta – Gloria e Marta -, além de uma empresa com sede em Liechtenstein, a Amazon Tours Foundation.

Outro auditor que aparece na lista do HSBC é João Alfredo Teixeira Lopes, que teve a aposentadoria cassada em março de 2012 pela prática de ato de improbidade apurada em processo administrativo disciplinar.

A Receita comprovou que o ex-servidor teve um acréscimo patrimonial significativo, incompatível com sua fonte de renda, sem conseguir se justificar. A evolução patrimonial ocorreu de 2001 a 2005. De acordo com a Receita, os valores sem justificativa representavam uma vez e meia ou o dobro do que o servidor aposentado recebia por ano na condição de auditor fiscal.

Segundo registros do banco suíço, João Alfredo tinha em 2006/2007 duas contas, ambas abertas em novembro de 1998. Uma delas continuava ativa, com um saldo de US$ 938 mil. A outra havia sido fechada em abril de 2005.

O ex-delegado da Receita em Brasília Joel Miyazaki é mais um nome na lista. Ele consta como administrador e morador de São Paulo. De acordo com as planilhas do HSBC, a conta foi aberta em 23 de junho de 1989 e encerrada em 5 de junho de 1991.

Até 2013, Miyazaki aparecia no noticiário de Brasília realizando operações para combater a sonegação. Numa delas, em março de 2010, Miyazaki anunciou que a Receita cruzaria declarações de IR com o pagamento de IPTU e IPVA para mapear fraudes.

Meses mais tarde, em 2011, ele liderou a Operação Risco Calculado, para combater mais um esquema de fraudes nas declarações de Imposto de Renda. Na época, disse que a fraude envolveria cerca de 1,2 mil pessoas e que o prejuízo aos cofres públicos rondava R$ 30 milhões. Em entrevistas, explicou: “São pessoas físicas com bom poder aquisitivo e conhecimento contábil. A maioria são servidores públicos federais e do Distrito Federal”.

Aposentado por invalidez

O quinto auditor identificado entre os correntistas sigilosos do HSBC é José Marcos Francisco Abrahão. Nas planilhas, ele surge como empresário e compartilha uma conta numerada com a analista de sistemas Conceição Aparecida Paciulli Abrahão, hoje sua ex-mulher.

A conta havia sido aberta em 23 de junho de 1998, no mesmo dia da de Miyazaki. Em 2006/2007, ele tinha R$ 307 mil depositados em seu nome.

Segundo o Diário Oficial da União, Abrahão foi auditor fiscal da Receita e quadro permanente do Ministério da Fazenda em São Paulo. Em janeiro de 2010, aposentou-se por invalidez como servidor de “classe S, padrão IV”. Isso significa que ele tinha um salário de aproximadamente R$ 20mil por mês. Conceição Aparecida, hoje ex-mulher, aparece no noticiário recente investigada por fraudes em licitação.

Ontem, ao tomar conhecimento da presença de colegas nas contas numeradas do HSBC, o coordenador-geral de Pesquisa e Investigação da Receita, Gerson Schaan, não mostrou surpresa. Ele cuida do caso SwissLeaks desde fevereiro não porque investigou, mas apenas porque pode ver cerca de 300 nomes do acervo de dados mostrados pelo repórter Fernando Rodrigues ao Coaf. Não obstante, nem o Coaf nem Gerson Schaan fizeram nada. A Receita Federal apenas vazou os dados de maneira indiscriminada para a mídia.

“A gente não pode esconder problemas porque eles existiram e existem, mas, daí a dizer que instituição e os fiscais são corruptos, são coisas totalmente diferentes”, destacou. “Para mim, a revelação desses casos não enfraquece nem a instituição nem o cargo. Temos uma corregedoria ativa, firme e independente. E ela não precisa esperar ordem alguma para atuar”.

OUTRO LADO

Nenhum representante dos auditores citados na lista do HSBC encontrados admitiu a existência das contas no banco suíço.

O advogado Vitor Tédde, que defende Ernani Bertino Maciel em duas ações cíveis na Justiça Federal de São Paulo, afirmou que seu cliente nunca fez qualquer referência a recursos aplicados no país europeu. Em relação às acusações de improbidade administrativa a que Maciel responde, o advogado afirmou que num dos processos, na 12ª Vara Federal, conseguiu ganhar parcialmente a causa. O auditor, porém, continua com sua aposentadoria e seus direitos políticos suspensos.

Em outra ação, na 1ª Vara, foi aplicada multa de cerca de R$ 500 mil, ainda em fase de recurso, pelo suposto enriquecimento ilícito. O processo criminal, decorrente da Operação Persona da PF, também continua em andamento.

A reportagem ligou para a casa de Lilian Nigri e Félix Saad Haim Nigri, no Rio, e deixou recado. Também entrou em contato com a empresa onde Félix trabalha. Não houve resposta até a conclusão desta edição. Eliza Velmovitsky, mãe de Lilian, morreu em 2009.

Os advogados de João Alfredo Lopes Teixeira informaram que o cliente desconhece a existência de contas na Suíça. Na 2ª feira (16.mar.2015), o “Globo” tentou localizar Joel Miyazaki, ligando para a delegacia da Receita Federal em Brasília.

Lá informaram que ele deixou o órgão há mais de dois anos e que não dispunham de seu número. Foram deixados recados por meio de uma rede social e com parentes, mas não houve retorno.

Rodolfo Kokol, advogado de Conceição Aparecida, ex-mulher de José Marcos Abrahão, ressaltou que sua cliente nunca participou de qualquer ato ilícito. “Não temos os dados oficiais. Todas as informações que temos até agora vieram da imprensa. Sabemos que não há nenhum procedimento aberto contra ela. Mas é fato que minha cliente não participa nem participou de operações ilegais ou clandestinas, com grupos políticos ou com licitações ou empresas que participam de licitações”, afirmou.

José Marcos não foi localizado para comentar as acusações contra ele e a citação na lista de correntistas do HSBC suíço.

Para tentar localizar os citados no texto, a reportagem procurou o Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) e a Anfip (Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil).

O Sindifisco informou que não comentaria o caso por considerar que ele não diz respeito ao sindicato, mas à Receita Federal. Também se recusou a localizar os fiscais citados.

A Anfip, por sua vez, disse que o cadastro de associados é sigiloso e que não pode confirmar se os citados são ou não membros da entidade. A diretora também não comentou o assunto.

Outro lado de Joel Miyazaki – recebido em 17.mar.2015 às 12h31:
O ex-delegado da Receita em Brasília Joel Miyazaki, procurado na 2ª feira (16.mar.2015) pelo “Globo” por meio de uma rede social e seus parentes, enviou mensagem à redação nesta 3ª feira (17.mar.2015), às 12h31, reproduzida abaixo:

“Informo que mantive conta na Suíça de forma legal, cerca de sete anos antes de assumir o cargo público de Auditor Fiscal da Receita Federal, quando era executivo de empresa privada e em valores compatíveis com planejamento de aperfeiçoamento acadêmico – MBA – a ser realizado no exterior à época. Repudio com indignação a vinculação feita pela reportagem sobre a existência da referida conta na Suíça, e o exercício do cargo de Delegado da RFB em Brasília, iniciado quase 20 anos após o encerramento da conta. Exerço e sempre exerci o cargo público de Auditor Fiscal com dignidade, honestidade e honradez. A tentativa de vincular fatos passados, e legais, de minha vida particular ao exercício do referido cargo, como se verifica na “reportagem”, sem me ouvir previamente, desinforma os leitores e causa-me profunda indignação e repúdio, além de imensuráveis e irreparáveis danos à minha imagem e reputação profissionais. Solicito a publicação deste esclarecimento com o mesmo destaque dado ao referido artigo e anexo à referida matéria, pois os danos da publicação na rede pública internet extrapolam em muito os da publicação em papel, uma vez que atingem potencialmente o mundo inteiro e ficam, para sempre, na memória do mundo virtual”.

REGRA

Ter uma conta numerada na Suíça não pressupõe, obrigatoriamente, nenhum crime. Não só a legislação suíça permite que elas sejam abertas como também a brasileira.

De acordo com o Banco Central, os brasileiros têm total liberdade para abrir contas e remeter dinheiro ao exterior. Eles, no entanto, são obrigados a fazer essa remessa por meios formais e a declarar os valores tanto à Receita Federal quanto ao próprio Banco Central, que todos os anos elabora um censo de cidadãos que possuem contas no exterior.

Fere a lei quem não segue essa regra, incorrendo, pelo menos, nos crimes de evasão de divisas, sonegação fiscal e, possivelmente, em lavagem de dinheiro. Por suspeitar da origem dos recursos dos correntistas do HSBC suíço, a Receita, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e a Polícia Federal já investigam o caso.

Chama a atenção dos investigadores o fato de as contas serem numeradas. Esse tipo de conta oculta os nomes dos clientes, que só são identificados por um número. A real identidade dos correntistas é conhecida apenas por um número muito reduzido de funcionários dentro do banco.

Desde 8 de fevereiro, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos publica reportagens com base em planilhas vazadas por um ex-técnico de informática do HSBC. No Brasil, a apuração é realizada com exclusividade pelo UOL e pelo “Globo”.

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