A Central de Movimentos Populares (CMP) reivindica a imediata libertação de quatro líderes presos na última segunda-feira (24), sob acusação de extorsão. Na tarde desta quarta-feira (26), centenas de sem-teto organizados por vários movimentos de moradia protestaram no da capital paulista. Antes, eles divulgaram um manifesto de Resistência à Criminalização dos Movimentos Populares, assinado por dez entidades.
A prisão dos quatro líderes não tem justificativa em provas ou ações dos detidos, segundo os advogados que acompanham o caso. “A prisão é uma prisão política. Mesmo processo da Lava Jato. Não tem nenhum cabimento, embasamento jurídico. Pessoas públicas, com endereço, trabalho, poderiam ter sido intimadas e compareceriam. A prisão preventiva ou condução coercitiva só cabe se o acusado se nega a depor. Não precisa nem estudar direito para saber”, afirmou Raimundo Bonfim, advogado e coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP).
A Polícia Civil cumpriu 17 mandados de busca e apreensão, além de nove mandados de prisão temporária, sendo quatro efetivados. Foram detidos Angélica dos Santos Lima, Sidney Ferreira Silva, Janice Ferreira Silva (conhecida como Preta Ferreira) e Ednalva Silva Franco, de diferentes movimentos de moradia.
O processo teve origem no inquérito que apurou as causas do incêndio e desmoronamento do edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou no Largo do Paissandu, em maio de 2018. Segundo o advogado, todas as prestações de contas e notas fiscais dos gastos realizados em ocupações do movimento foram apresentadas à polícia. A ocupação não era coordenada por movimentos de moradia que atuam na região central.
O advogado e membro do Conselho Estadual de Defesa da Pessoas Humana (Condepe) Ariel de Castro Alves afirma que o caso do Wilton Paes não pode ser usado para criminalizar os movimentos que atuam de maneira organizada em busca de soluções para a falta de habitação. “Estamos falando de movimentos de moradia, pessoas que estão à mercê da especulação, muitas saindo das ruas. Temos uma pessoa que foi acusada de extorsão e já foi absolvida por total falta de fundamento na acusação”, afirma Ariel.
Ariel alerta para o risco de pessoas interessadas em expor as lideranças de movimento estarem por trás das supostas denúncias e observa: “O grande erro da investigação é misturar o Wilton Paes com os demais movimentos de moradia. Nenhuma liderança do Wilton Paes foi presa”.
Somente nesta quarta-feira os advogados dos sem-teto conseguiram ter acesso ao inquérito para analisar a justificativa das prisões e pedir o relaxamento delas. Durante quase três dias, os presos tiveram seu direito de defesa impedido. “Os pedidos através do Sistema informatizado do Tribunal de Justiça para habilitação e acesso aos autos estão sendo indeferidos. Isso impede e exercício da ampla defesa e do contraditório. É cerceamento de defesa e viola as disposições legais e constitucionais”, afirmou ele.
O manifesto pedindo a libertação imediata das lideranças presas foi entregue durante o ato. “Mais uma vez, o Sistema de Justiça e o estado de São Paulo abrem as alas da violência institucional que oprime o povo pobre que ousa resistir e lutar pela superação da desigualdade social e fazer valer o direito básico e constitucional de moradia”, diz o texto.
Leia o manifesto distribuído no protesto dos sem-teto contra as arbitrariedades:
Lutar não é crime! Moradia é direito!*
*Manifesto de Resistência à Criminalização dos Movimentos Populares*
Mais uma vez, o Sistema de Justiça e o estado de São Paulo abrem as alas da violência institucional que oprime o povo pobre que ousa resistir e lutar pela superação da desigualdade social e fazer valer o direito básico e constitucional de moradia. Neste 24 de junho, em operação repleta de constrangimentos ilegais e baseada em acusações dissonantes à realidade, o Poder Judiciário, policiais civis e o delegado do DEIC – Departamento Estadual de Investigações Criminais, sob o comando do governador João Doria, reprisaram o modus operandi da operação Lava Jato e se valeram da truculência policial na busca, apreensão e prisão de várias lideranças dos movimentos populares, numa flagrante criminalização dos movimentos sociais.
A ação do DEIC executada pelo delegado André Vinicius Figueiredo teve como base denúncias anônimas e grampos telefônicos, num processo que corre em segredo de justiça, iniciado no inquérito que apurou as causas do incêndio e desmoronamento do edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou no Largo do Paissandu, em maio de 2018. Vale ressaltar que nenhuma das pessoas detidas tinha qualquer relação com o edifício que veio abaixo. O Sistema de Justiça utiliza o subterfúgio de práticas ilícitas daquele prédio para perseguir lideranças e movimentos sem qualquer relação com o caso, e que possuem uma história, reconhecida nacional e internacionalmente, de defesa do direito à moradia.
Além da prisão temporária de Angélica dos Santos Lima, Janice Ferreira Silva, Ednalva Franco e Sidney Ferreira, foram também determinadas 17 buscas e apreensões de lideranças das ocupações. Alega-se que práticas de cobrança para manutenção dos imóveis ocupados são feitas de forma ilícita. De acordo com o delegado responsável pelo inquérito, a investigação foi instaurada a partir de uma denúncia anônima realizada há cerca de um ano. Em sua coletiva de imprensa, no entanto, ficou nítida a inexistência de fundamento que embase as prisões. As ocupações mantidas pelas referidas lideranças realizam manutenção periódica e possuem infraestrutura validada inclusive pelas autoridades, além de possuírem estatuto, promoverem assembleias e prestação de contas. Há uma evidente tentativa de se utilizar do desastre ocorrido na ocupação do Paissandú para perseguir e intimidar outros movimentos de moradia da região do centro.
As arbitrariedades do Poder Judiciário seguiram nesta terça-feira (25/6), com a demora por parte da Justiça em aceitar a constituição dos advogados de defesa, impossibilitando o acesso aos autos do processo, um claro cerceamento do direito de defesa. Esse é mais um capítulo da investida contra a classe trabalhadora e seus representantes, desencadeado com a prisão arbitrária do ex-presidente Lula, a partir de um conluio da justiça com o poder econômico para impor ao país um projeto anti-popular.
O direito à moradia tem sido alvejado com os cortes de investimentos e a desconfiguração do Programa Minha Casa Minha Vida. Ao desmonte das políticas públicas e à exclusão social se somam os ataques aos movimentos populares, que organizam a luta pelo direito à moradia e por um projeto democrático-popular para o país.
A afirmação do direito à cidade, à moradia digna, e a presença dos pobres e trabalhadores nas ocupações da região central de São Paulo são atos de resistência diária contra a especulação imobiliária e a segregação social. Por isso, os diversos movimentos populares, sindicais, partidos políticos e organizações da sociedade civil conclamam a todas as pessoas defensoras da democracia e dos direitos sociais a se juntar na jornada de resistência contra a criminalização da luta e em defesa da moradia como um direito.
Para que a verdade seja a base da Justiça. O delegado e o Judiciário não pode dar crédito a denúncia de APROVEITADORES que buscam a proteção ilegal do poder público para não pagar despesas de água, luz, manutenção, segurança e limpeza do espaço de moradia.
Exigimos de todas as autoridades competentes: A imediata libertação dos presos políticos e o fim da perseguição política, pelo Judiciário, contra a legítima luta dos movimentos populares. Assinam:
CMP – Central de Movimentos Populares, FLM – Frente de Luta por Moradia, UMM – União dos Movimentos de Moradia da Grande Sâo Paulo e Interior, MMLJ – Movimento de Moradia na Luta por Justiça, Mulheres Negras na Frente, Levante Popular da Juventude, BR Cidades, UMM – União dos Movimentos de Moradia da Grande São Paulo e Interior, Marcha Mundial das Mulheres, Consulta Popular