Dotado de uma sensibilidade ímpar ao abordar um acontecimento de forma bem-humorada, muitas vezes um humor negro que choca, o cartunista do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários), Augusto Bier, expõe no Espaço de Arte da Casa dos Bancários a partir desta quinta-feira, dia 19. O nome da mostra “O Riso como Arma” define bem o trabalho de Bier nestas mais de três décadas.
“O riso é como um tapa, aquele tapa que a gente dá e fica ardendo. Esse ardume provoca uma indignação, semeia uma dúvida”, argumenta o cartunista, que concedeu entrevista à redação do SindBancários na tarde da última quinta-feira, dia 5. Jornalista de formação, Bier nasceu em Santa Maria em 1959.
A carreira precoce se iniciou aos cinco anos, quando teve seu primeiro desenho publicado. Aos 15 começou a criar charges para veículos de comunicação – época em que decidiu se dedicar ao jornalismo após ser detido pelos militares junto com a equipe de redação da qual fazia parte.
Na entrevista, Bier aborda estes assuntos e outros, como os prêmios que ganhou em salões de humor e o trabalho no Pasquim durante a década de 80.
Confira a entrevista abaixo:
SindBancários – Quando começou a desenhar e criar gosto pela ilustração? Tinha quantos anos?
Bier – Meu primeiro desenho foi publicado quando eu tinha cinco anos. A revista “Bem-te-vi”, que na época tinha o (Renato) Canini trabalhando na arte, consagrado por ilustrar o Zé Carioca pra Disney, fez um concurso de desenho. Fiz uma ilustração chamada “trator que foi buscar água no poço”. Minha mãe mandou e foi uma das escolhidas, sendo publicada.
SindBancários – E o desenho de imprensa, começou a trabalhar quando?
Bier – Foi em 74. Tinha 15 anos e morava em Santo Ângelo. Passei a publicar em um jornal chamado “A Tribuna”. Não recebia remuneração. Também comecei a aparecer em Porto Alegre, na “Folha da Manhã”, que era da Caldas Júnior, através do espaço para novos talentos intitulado “Quadrão”, editado pelo Fraga e pelo Edgar Vasques. Foi uma coisa das mais importantes na minha trajetória.
No ano seguinte, na “Tribuna”, meu primeiro desenho foi censurado. Fiz piadas criticando a demora de atendimento em um posto de saúde, no Banrisul e a fome. Eram coisas muitos elementares pra mim, via o Pasquim fazer.
Muitas pessoas se ofenderam e encheram o saco do editor do jornal. Ele acabou escrevendo uma nota dentro da minha coluna pedindo desculpas às pessoas que se sentiram atingidas. Era uma época em que a ditadura endurecia; comecei a ser taxado de comunista, subversivo. Qualquer crítica ao governo era coisa de comunista ou subversivo. Saí da “Tribuna” e fui para o jornal da oposição, “O Marccus”.
SindBancários – E como foi o trabalho no Marccus? Teve mais liberdade?
Bier – O Marccus era um jornal que reunia intelectuais da universidade, advogados, gente que já tinha sentido a força da repressão. Um dia a polícia bateu na porta da redação e recolheu todo mundo para ser interrogado. Eu era menor. Me agrediram, levei uns tapas, mas viram que eu era guri e não sabia de nada. Meu pai era um militar aposentado. Um cara da redação foi levado para Uruguaiana e nunca mais apareceu. Foi ali, durante aquele constrangimento, que decidi ser jornalista.
SindBancários – Como foi publicar no O Pasquim?
Bier – Colaborei com O Pasquim em um segundo momento, depois dos anos 80. O Pasquim foi minha escola. Não era só a maneira de escrever, mexendo com toda a sintaxe do português, como o uso de gírias, que me chamava a atenção. O pessoal do Pasquim era muito irreverente quando lidava com a repressão. O riso era utilizado como uma arma.
SindBancários – A exposição é chamada de O Riso como Arma. De que forma o humor pode ser usado como arma?
Bier – O humor pode fazer as pessoas pensarem. O riso é como um tapa, aquele tapa que a gente dá e fica ardendo. Esse ardume provoca indignação, semeia a dúvida. A piada é o tapa e a dor que a pessoa sente é um pensamento revolucionário. Mas para isso acontecer, a piada precisava ser difundida por uma mídia. (Henri) Bergson dizia que o riso é um ato social quando várias pessoas riem juntas da mesma coisa; daí o riso é revolucionário.
A charge da imprensa diária pega um assunto que está exaurido e, de uma maneira inesperada, faz uma revelação; pega um assunto e acha uma forma de tratar esse assunto que ninguém ainda pensou. O que a charge faz é bater na porta de trás e entrar pela da frente. A charge procura um novo caminho, um olhar que induza a uma nova interpretação. O que provoca o riso? A surpresa, a revelação do inesperado.
SindBancários – Já fizestes vários personagens e séries, como o Alemão Blau e o Rio Grosso do Sul. O que poderá ser visto na exposição?
Bier – Foram escolhidas, basicamente, charges que saíram no site do SindBancários, a maioria de cunho político. Mas também estarão expostas tiras do Blau, que foi um personagem muito importante, tanto que é algo que sempre vai pro meu currículo.
SindBancários – Dos salões de humor que ganhou, tem algum que lhe marcou mais?
Bier – O que mais me marcou foi Piracicaba. Morava em Santo Ângelo e pegava um ônibus, andava 16, 17 horas para chegar em São Paulo. Depois, mais umas cinco, seis para Piracicaba. Não tinha nem 18 anos, ia sozinho. Tenho uma foto que deve ter sido tirada no 4º ou 5º Salão e foi publicado na revista “Bundas”. Eu estou lá, sentado ao lado do Laerte, Santiago, Ziraldo, Millor, o Zélio. Eu era um piá de M sentado no meio daquela gente grande. Grande em vários aspectos.
Devo ter sido bem recebido porque era o mais novo da turma. Minha mente era podre, era um adolescente, pensava um monte de besteiras e eles não estavam mais acostumados com aquela bobageira. Tanto que, quando queriam fazer uma piada mais pesada, esculhambar com alguém, vinham direto para mim, diziam no meu ouvido: “Bier, faz uma piada tal sobre tal pessoa”. Era uma coisa bem bagaceira, pegava um guardanapo e desenhava.
Visitação
A exposição O Riso Como Arma fica aberto para visitação até o dia 5 de setembro, de segundas a sextas, das 9h às 20h, com entrada franca.