Bradesco inova e, sem qualquer segurança, cria barco-banco no Amazonas

Em nova jogada de marketing para vender a ideia distorcida de que tem “presença” em todos os municípios do Brasil, o Bradesco criou sem qualquer segurança o barco-banco, uma “agência flutuante” que não passa de um correspondente bancário no Alto Solimões, região do extremo oeste do Amazonas. A “inovação” é tema de reportagem publicada nesta sexta-feira, dia 18, pelo Jornal Valor Econômico, sendo “a primeira de uma série de três sobre as novas fronteiras da bancarização”.

“Atraídos pela renda crescente das classes mais baixas, os bancos tentam dobrar as resistências. No mais recente esforço para alargar as fronteiras da bancarização, o Bradesco levou uma agência para sobre as águas do Solimões. O barco Voyager III, um grande centro atacadista flutuante que também transporta pessoas, funciona agora como um correspondente bancário para saques, depósitos e pagamentos de conta. Há ainda um caixa eletrônico que faz desde transferência de recursos até abertura de contas”, afirma o jornal.

No melhor estilo do Bradesco, o correspondente tem inclusive metas e funciona até em domingo, de acordo com a notícia. “O domingo, 6 de dezembro, era um dia importante para Luzia Moraes, a amazonense escolhida para gerenciar a agência flutuante. Com uma meta de criar 200 contas até o fim do ano, Luzia iria abrir a primeira naquela tarde, na comunidade indígena de Santa Teresinha”.

“Vestida de terninho cor-de-rosa, blusa de linho azul e tamancos de salto alto, Luzia desce do barco-banco e pega uma lancha para enfrentar 45 minutos descendo o rio. No caminho, pensa no desafio que tem pela frente e na diferença entre passar o dia numa agência à espera dos clientes e a nova função de garimpar os correntistas na várzea do rio”, descreve a reportagem informando que Luzia anda “equipada com um notebook que se conecta via satélite com os computadores da matriz”.

Marketing e bancarização

“Os bancos podem e devem exercer papel fundamental no desenvolvimento de regiões pobres e de difícil acesso, porém o que se configura com essa ação do Bradesco é mais uma jogada de marketing. O fato de apenas conceder um simples cartão a alguém não pode ser considerado inclusão”, afirma Miguel Pereira, secretário de organização do ramo financeiro da Contraf-CUT.

Ele denuncia o abuso na jornada da categoria, ao utilizar uma bancária para trabalhar em domingo. “Conforme a CLT e a Convenção Coletiva de Trabalho dos bancários, isso é ilegal. O banco que propagandeava ser completo não está acima da lei”, diz Miguel.

Na avaliação do dirigente da Contraf-CUT, “o lançamento desta iniciativa é para potencializar a utilização dos correspondentes por todo país, como o banco postal, com grande retorno econômico e ainda com muitas perspectivas de crescimento para o Bradesco”.

Para Miguel, “a campanha de marketing, onde o banco diz que tem presença em todos os municípios do país, é parte de uma disputa por controle dos ativos entre as instituições, no já concentrado sistema financeiro nacional, controlado por cinco grandes bancos”.

Além disso, o Bradesco tenta enfrentar a concorrência na bancarização de setores da população que foram expulsos das agências porque não tinham renda que interessava e hoje são cobiçados através dos correspondentes para oferecer alguns serviços e cobrar também juros e tarifas abusivas.

Nenhuma segurança e muitos riscos à vida das pessoas

“As agências e PABs precisam ter planos de segurança aprovados todos os anos pela Polícia Federal para funcionar, conforme determina a lei federal nº 7.102/83. Já os correspondentes estão dispensados de qualquer equipamento de segurança”, alerta o secretário de imprensa da Contraf-CUT e coordenador do Coletivo Nacional de Segurança Bancária, Ademir Wiederkehr.

“Nós precisamos garantir operações bancárias em ambientes com segurança, como forma de proteger a vida das pessoas, eliminar riscos e prevenir assaltos e seqüestros”, defende o dirigente sindical. Mas com os correspondentes sendo instalados em qualquer canto deste país, sem nenhuma estrutura de segurança, a violência e a insegurança só tendem a aumentar. “Os bancos têm que assumir as suas responsabilidades, voltando a abrir agências para oferecer atendimento de qualidade e crédito barato para a população”, propõe.

Bancários querem inclusão, mas com responsabilidade social

“A proposta de inclusão bancária é salutar, mas não da forma como os bancos se apropriaram da figura do correspondente apenas para maximizar seus resultados”, ressalta Miguel.

Para ele, “o estabelecimento de agências nessas regiões é positiva e os bancos deveriam dar o exemplo na geração de mais e melhores empregos, além de melhorar o atendimento à sociedade, dado os lucros astronômicos que apresentam, a partir das altas taxas de juros, das tarifas e dos maiores spreads cobrados no mundo, como uma forma de contrapartida social pelos seus ganhos”, conclui o diretor da Contraf-CUT.

A expansão dos correspondentes

Segundo a reportagem, “para acessar a clientela emergente dos mais de 5,5 mil municípios brasileiros, os bancos têm investido em canais alternativos, de baixo custo. Dois instrumentos têm sido fundamentais para a maior penetração: os correspondentes bancários – comerciantes locais que atuam como um caixa de banco – e os postos de atendimento avançado – espécie de agência de pequeno porte com apenas um gerente focado no relacionamento comercial, que só podem ser instalados em cidades onde não há outro banco”.

“Preocupado com a desassistência bancária nas pequenas cidades, acentuada após a privatização das instituições estaduais nos anos 90, o Banco Central criou essas duas figuras no fim da década passada. A estratégia permitiu que o total de pontos de atendimento (agências, caixas eletrônicos e postos avançados saísse de 57,7 mil, em 2005, para 72,5 mil, em setembro. Os correspondentes bancários nas lotéricas, farmácias, supermercados e correios chegaram a 170 mil”, frisa o jornal.

A tecnologia do barco-banco

Ainda de acordo com o Valor Econômico, “a maior dificuldade para a instalação de uma agência dentro do barco foi tecnológica: como estabelecer uma conexão sem fio confiável no meio da floresta, onde o celular não funciona. Os 3 segundos necessários para que a informação digitada no caixa eletrônico viajasse 42 mil quilômetros até o satélite e voltasse com a resposta da matriz eram suficientes para que a embarcação andasse 12 metros e perdesse o sinal. Foram dois anos de tentativas até chegar ao modelo implantado na Amazônia”.

A solução veio com uma antena espanhola, Satlink, de uso militar e custo estimado em R$ 75 mil. “Coloca a mão, veja como vibra. Ela tem uma espécie de bússola que aponta sempre para o oeste e facilita a procura pelo sinal”, diz, orgulhoso, Rodrigo Teixeira, técnico da Rede Ponto Certo, empresa responsável pelo equipamento.

Os investimentos para transpor os obstáculos mostram o apetite renovado dos bancos para ganhar as classes C, D e E. Com a ofensiva, o processo de bancarização avançou rapidamente nos últimos anos em parte pela maior penetração dos bancos, mas também pelo próprio crescimento econômico.

Desde 2000, o número de contas bancárias pulou de 64 milhões para 126 milhões, em 2008, segundo dados da Febraban. Em 2009, só o Bradesco abriu 6 mil contas correntes por dia na faixa de inclusão bancária. Ainda assim, o avanço não sanou as deficiências.

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