FOLHA DE SÃO PAULO
DIMMI AMORA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Banco do Nordeste do Brasil (BNB) deixou de cobrar judicialmente R$ 1,2 bilhão em empréstimos vencidos até 2008, o que contraria as normas do sistema financeiro e seu próprio regulamento. O “calote” corresponde a 55 mil operações de crédito.
A maior parte do dinheiro usado no crédito vem de um fundo composto por recursos de impostos que deveria ser destinado a áreas e populações carentes. O estatuto da instituição, estatal, preconiza a missão de “fomentar o desenvolvimento sustentável” da região.
As descobertas constam em relatório da secretaria de controle externo do Tribunal de Contas da União no Ceará, aprovado há dez dias. O valor dos débitos pode ser ainda maior. A análise se restringiu a amostra que corresponde a um terço das operações do banco.
Um fato que chamou a atenção dos auditores é que, em 20,5 mil operações já totalmente prejuizadas, os tomadores não pagaram nenhuma parcela do empréstimo, totalizando R$ 832 milhões não cobrados.
Houve ainda outras 34,5 mil operações em que R$ 442 milhões já foram baixados como prejuízo. Outros R$ 816 milhões destas operações ainda estavam para vencer e, com isso, o prejuízo pode passar dos R$ 2 bilhões.
Segundo o relatório, foram constatadas dívidas não cobradas há mais de 12 anos. O regulamento do BNB determina que o processo de cobrança deve ser iniciado dois meses após o vencimento da dívida.
A partir da auditoria, os ministros do TCU determinaram que os administradores da instituição expliquem a atuação, já que as operações não se enquadram nos casos em que é permitida a renegociação.
Os ministros também pediram que o Ministério da Fazenda passe a usar os mesmos critérios do Banco Central para provisionar (reservar recursos para dívidas vencidas) recursos emprestados pelos fundos constitucionais. Hoje, as regras de provisionamento dos fundos é mais flexível que a dos bancos.
Fundo
A maior parte dos recursos do banco é transferida do Fundo Constitucional do Nordeste (FNE). Por ano, o governo é obrigado por lei a injetar cerca de R$ 4 bilhões de impostos no FNE. Esse fundo, que possui patrimônio de R$ 25 bilhões, tem várias funções, entre elas bancar a agricultura familiar e desenvolver o semiárido. O BNB administra esse fundo.
Outras análises mostraram que o BNB vem concentrando seus empréstimos em grandes operações. São estas que causaram os maiores prejuízos ao banco, segundo o TCU.
Os auditores selecionaram as cem maiores operações vencidas há mais de um ano e sem cobrança judicial. Elas representam 38% do total da dívida: R$ 493 milhões.
Não é de hoje que o Banco do Nordeste deixa de cobrar de grandes devedores. Num relatório de 2007, o TCU havia determinado que o banco cobrasse dívidas superiores a R$ 200 mil, que somavam então R$ 201,3 milhões à época. A verificação mostrou que nenhuma providência foi tomada para sanar o problema.
Há investigações em andamento nos ministérios públicos federais dos Estados do Nordeste e na Controladoria-Geral da União sobre operações suspeitas do banco com grandes empresas nos últimos anos.
Questionado duas vezes pelos auditores do TCU durante a auditoria, o Banco do Nordeste primeiramente informou que não tinha capacidade para cobrar. Depois, enquadrou as operações em legislação que permitia a renegociação.
Instituição diz que melhorou cobrança
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em nota, o Banco do Nordeste afirmou que colaborou com a análise do TCU e o órgão encontrou um número “baixo” de irregularidades em relação ao número de operações analisadas. Garante ainda que elas estão concentradas em operações de pequeno porte de pequenos produtores rurais.
O BNB informa que já fez renegociações e hoje a quantidade de dívidas é menor. “Cabe afirmar que não existe nenhum tratamento diferenciado para grandes devedores.
O prazo para iniciar o processo de execução judicial é idêntico para qualquer valor de operação, exceto quando existir negociação em curso, situação em que esse prazo pode ser elastecido”, informa a nota.
Segundo o banco, a atual gestão, iniciada em 2003, adotou “política rigorosa de melhoria de qualidade dos ativos, com maior eficiência tanto na concessão de crédito quanto na cobrança de dívidas”.
Isso fez com que a inadimplência baixasse de 37,5%, em dezembro de 2002, para 3,5%, no final do ano passado, afirma. “No período, o BNB recuperou R$ 6,2 bilhões de operações em atraso”.