O jornal Valor Econômico publicou nesta quarta-feira, dia 18, uma reportagem de página inteira sobre os reflexos da resolução nº 3954 do Banco Central, editada no dia 24 de fevereiro, que trata da nova regulamentação para os correspondentes bancários. A matéria apresenta a grita do setor de franquias que atualmente atuam no mercado oferecendo crédito consignado.
“É um absurdo que essa questão seja tratada como sendo meramente comercial e de competência exclusiva do BC em regulamentá-la, quando na verdade se trata de alteração nas relações de trabalho”, afirma Miguel Pereira, secretário de Organização do Ramo Financeiro da Contraf-CUT, Miguel Pereira.
Para o dirigente sindical, “o Judiciário Trabalhista, em reiteradas decisões, considera ilícita a prestação de serviços de financiamento para esse tipo de relação, seja na forma de franquia, seja de correspondente bancário e outras formas que terceirizam a atividade-fim das financeiras”.
Veja a íntegra da reportagem do Valor:
BC fecha cerco a franquia de crédito
“Franquia Paraná Banco: o seu negócio”. Com esse tipo de abordagem, o Paraná Banco, do grupo paranaense J. Malucelli, estabeleceu nos últimos anos uma rede de 85 lojas franqueadas da Paraná Crédito, o braço de varejo para oferta de crédito consignado do grupo. Essa estrutura, que não representa custos de instalação física e de funcionários para a instituição financeira, está ameaçada pela resolução 3.954 do Banco Central (BC), de fevereiro.
A regulamentação, que consolida as normas referentes à contratação dos chamados correspondentes bancários pelas instituições, deixou explícita a proibição de parceria que configure franquia e também que o espaço físico desse canal alternativo seja confundido com o de uma instituição financeira. No mercado, o que se comenta é que foi o abuso de forma que levou a supervisão a coibir esse tipo de estrutura.
Com o advento do crédito com desconto em folha de pagamento de 2004 para cá, muitas empresas especializadas na atividade de correspondente se estabeleceram no país como marcas franqueadoras e, em alguma medida, responsáveis pela explosão do consignado. Pelos dados do Banco Central (BC) o estoque dessa modalidade de crédito somava em março R$ 142,9 bilhões, 60% das operações de empréstimo pessoal.
Há dois modelos de franquia rodando. O do Paraná Banco, em que um braço da instituição financeira é o franqueador da marca, e outro, mais comum, em que uma empresa independente é a franqueadora e distribui produtos de diversos bancos.
Na lista de franquias de crédito desse segundo modelo estão nomes como a pioneira Nipocred, a Creditaria, a Finnance e a embrionária Grana Aqui. “Não há uma motivação racional para proibir a distribuição de produtos por meio de franquia, não sou dirigente de banco travestido de correspondente, sou independente dele e com essa estrutura consigo garantir a qualidade da oferta”, diz o sócio da Grana Aqui, Alberto Gaidys, ex-executivo do mercado.
A empresa tem hoje só uma loja própria em São Paulo, mas, depois de ter investido R$ 1 milhão no modelo de expansão por meio de franquias, está com o negócio parado há cerca de dois meses por conta da insegurança jurídica criada pela 3954. Gaidys diz que fez uma consulta formal ao BC a respeito, mas não obteve resposta. A Grana Aqui atua como correspondente de Fibra, BMG, Credicard e BM Sua Casa.
No segmento de câmbio é o grupo Fitta que tem expandido a sua malha de atendimento por meio de franquias, com 60 lojas. Mas é o braço de turismo, uma empresa não financeira, que franqueou sua marca e, na ponta, também atua como correspondente, explica o presidente da instituição, André Nunes.
“Nosso modelo é validado pelo BC porque não tem a figura de uma instituição financeira.” Ele afirma que a vedação ao contrato de franquia, constante na 3.954, não é exatamente novidade para o setor financeiro e já estava, de alguma forma, previsto no Manual de Normas e Instruções do BC.
O grupo fez uma série de consultas jurídicas antes de se valer dessa estrutura. “Passamos dois anos formatando o projeto, para ter certeza de que não haveria conflito com o arcabouço legal.”
A Nipocred, empresa do Mato Grosso do Sul, chegou a ter 136 lojas franqueadas, mas vem modificando o seu método de atuação desde 2008.
Segundo conta o diretor Marcio Iwamoto, os ajustes decorrem não só da sinalização de que haveria cerceamento a esse tipo de rede, mas também porque a companhia começou a sofrer ônus trabalhistas e ser responsabilizada por fraudes de “pastinhas” que se relacionavam com as franquias. A Nipocred inaugurou o formato de franquia de serviços financeiros em 2004, casando a oferta de crédito direto ao consumo (CDC) com a venda de planos de saúde.
“Inventamos um modelo que, na verdade, não estava regulamentado e acabamos sendo acionados juridicamente por questões que não eram da nossa responsabilidade direta”, diz Iwamoto. A Nipocred tem 27 lojas próprias, mas ainda conta com 7 franquias remanescentes, que trabalha para retomar. Entre os parceiros estão BV Financeira, BMG e Rural.
A Finnance, com 4 lojas franqueadas e a matriz em São José do Rio Preto, modificou os termos do seu contrato para concessão comercial com reserva de franquia, enquanto aguarda a avaliação jurídica da Associação Brasileira de Franquias (ABF), diz Glaucia Gallo Pereira, proprietária da marca, farmacêutica de formação e que toca o negócio junto com o marido economista. Originando operações para bancos como BMG, BV e Itaú, a produção mensal beira o R$ 1 milhão, com comissões de até 15%.
“Não dei muita bola para o normativo porque já vinha trabalhando com concessão comercial. Minha função é dar suporte, treinar, apresentar o modelo pronto para trabalhar, mas não há uma relação de subordinação (com as lojas)”, diz Glaucia.
Os contratos são fechados por um prazo de cinco anos e os concessionários pagam uma taxa de franquia inicial. A intenção é criar um fundo de propaganda. Com esse desenho ela espera chegar a 50 franquias neste ano.
Segundo Ricardo Camargo, diretor-executivo da ABF, o departamento jurídico da entidade vem avaliando a regra do BC, mas a leitura preliminar é de que a resolução não pode se sobrepor à Lei de Franquias e ameaçar os contratos vigentes.
“Há registro de marca, os contratos são legais, não pode haver um terceiro impedindo que ele se execute.” O representante conta que a ABF vai encaminhar uma carta ao governo e ao BC lamentando a decisão, que, a seu ver, vai contra os interesses do mercado.
Algumas atuações no mercado, com lojas com a mesma comunicação visual da instituição financeira, confundem o consumidor e não há clareza se a relação é com um prestador de serviço ou com o próprio banco, pontua Eloy Ventura, diretor jurídico da Aneps (associação que representa as promotoras de vendas).
O Valor ouviu de mais de uma fonte que o Banco do Brasil também teria cogitado adotar o modelo de franquia para expandir a sua malha de correspondentes no Amazonas, a fim de evitar reclamações trabalhistas.
O gerente executivo de canais do BB, Edson Moreira Correa Filho, informou que não houve plano recente nesse sentido, mas que há cerca de uma década a instituição chegou a testar a oferta de cartões e seguros por meio dessa estrutura. A aquisição da rede de correspondentes do Lemon Bank, em 2009, foi ajustada e os contratos de franquia foram refeitos de acordo com os padrões do BB.
Loja tem metas e faz telemarketing
Quem entra na única loja franqueada da Paraná Crédito na cidade de São Paulo, localizada numa esquina movimentada do bairro do Ipiranga, tem a sensação de estar numa financeira ou numa pequena agência bancária, um pouco mais simples e silenciosa que as outras, com a vantagem de não passar pelo incômodo das portas giratórias.
Após alguns minutos de conversa com um dos três atendentes, dá para sair dali com um empréstimo com desconto em folha de pagamento sem muita burocracia. “Não precisa de análise de renda, é bem simples”, diz cordialmente um dos funcionários que, junto com suas outras duas colegas, tem de atingir metas de clientes conquistados por mês.
A loja funciona como diversas outras promotoras de vendas espalhadas pela cidade. Os cartazes nas paredes, os panfletos sobre as mesas e as cores por dentro e por fora do estabelecimento deixam para o cliente a mensagem de que se trata de um braço do Paraná Banco. Não é assim.
A empresa que abriga a marca é a CLC, do Grupo Trevo. Não é só o consumidor que se confunde. À tarde, os próprios funcionários deixam as portas trancadas por temer a invasão de bandidos que imaginam haver movimentação de dinheiro ali. O gerente, Felipe Corrêa, filho do dono da CLC, explica que a principal vantagem de trabalhar com uma franquia de crédito exclusiva é ter acesso à carteira de clientes do banco.
Além de buscar novos contratos de consignado, refinanciamento e compra de dívidas, os cinco funcionários da loja fazem serviço de telemarketing para clientes do Paraná Banco que nunca viram na vida. “Desde que abrimos as portas da loja da Paraná Crédito, em abril de 2010, já captamos cerca de 400 clientes, e emprestamos um valor total próximo de R$ 570 mil.”
Nem Corrêa nem os funcionários da loja têm vínculo empregatício com o banco. Mas as cores, os folhetos e a logomarca são idênticos aos encontrados nas 14 lojas próprias da instituição paranaense. Todo o material de divulgação que chega da matriz com a cara do Paraná Banco é pago por meio de uma taxa de marketing já embutida no valor dos empréstimos.
Corrêa afirma que a Paraná Crédito já informou às suas franqueadas que, caso o BC enquadre a marca na Resolução 3.954, que regulamenta os correspondentes e não admite o modelo de franquia, eles terão garantida a carteira de clientes que levantaram desde que abriram as portas.
Com duas franquias em Belo Horizonte, a ex-funcionária do Paraná Banco Valir de Fátima Medeiros diz que espera da instituição a apresentação das novas condições comerciais para manter exclusividade na oferta de produtos da instituição.
Se optar por abrir o leque, ela entende que vai ter que descaracterizar a loja, mas ainda assim manteria um selo da Paraná Crédito. De uma forma ou de outra, a sinalização é de que contrato vai mudar. “O contrato de franquia seria rescindido e um novo, de correspondente, entraria no lugar.”
Mas não são todos os franqueados da Paraná Crédito que estão cientes da nova regulamentação do BC. Donos de lojas do interior do Paraná e do Rio não tinham conhecimento de qualquer mudança à vista e nem que estão atuando de forma irregular aos olhos do BC. Em praticamente todas as franquias com as quais o Valor entrou em contato, o funcionário atendeu o telefone dizendo “Paraná Banco”.
Procurado desde o dia 4, até ontem o banco não tinha respondido à reportagem. Na apresentação dos resultados, o banco contabilizava 85 “correspondentes exclusivos”, 14 lojas próprias e 355 correspondentes bancários ativos. No fim do primeiro trimestre, a carteira de consignado da instituição somava R$ 1,4 bilhão.
Fiscalização preocupa autoridade
Com a proibição do contrato de franquia de correspondente bancário, o Banco Central quis impedir que empresas com autonomia de atuação ficassem totalmente fora do escopo de sua fiscalização. Não que a supervisão bancária possa intervir diretamente no correspondente, pois o canal alternativo não se configura instituição financeira.
A ação corretiva é sempre por intermédio do banco que contratou o serviço, explicou o BC, por meio da assessoria. A resolução 3.954 prevê, porém, que o BC tenha acesso aos contratos celebrados entre bancos e correspondentes e determine o descredenciamento de um agente que esteja agindo de forma inadequada.
A redação permite que o correspondente subcontrate outro agente para oferta de crédito, desde que essa relação esteja também coberta por um contrato ou pelo vínculo empregatício. Quando o subcontratado terceiriza o serviço, os contratos não podem ser feitos, porém, em regime de franquia. E, se uma empresa expande a atividade principal pelo modelo de franquia, nesse pacote não podem estar implícitos os serviços de correspondente. No Banco Postal, as franquias dos Correios não atuam como correspondentes.
Empresas que se estabeleceram como marcas de crédito e são reconhecidas como autênticas “financeiras”, têm atuado no segmento de correspondentes por certo vácuo na legislação, diz o pesquisador do centro de estudos de microfinanças da FGV, Eduardo Diniz. “Eu não sei porque não atacam mais precisamente o problema, pois já está dito, desde a primeira regulamentação do correspondente, que essa não poderia ser a atividade principal do agente contratado.”