Blomberg
Craig Torres, Hugh Son e Dakin Campbell
O Federal Reserve (Fed, banco central americano) divulgou ontem, sob ordem judicial, milhares de páginas de documentos secretos sobre empréstimos feitos no período que antecedeu o agravamento da crise financeira.
Os registros revelam pela primeira vez os nomes das instituições financeiras que tomaram empréstimos diretamente com o Fed, através da chamada da linha de redesconto. O Fed forneceu os documentos depois que a Suprema Corte dos EUA rejeitou, este mês, uma tentativa do setor bancário de impedir sua divulgação ao público.
O documento mostra que o Bank of America (BofA), o maior banco dos EUA, recorreu duas vezes mais que o anteriormente anunciado à linha do Fed em agosto de 2007. O banco disse anteriormente que havia usado o programa apenas para ajudar a estabilizar o sistema financeiro americano.
A instituição tomou emprestados US$ 500 milhões em 22 de agosto, uma medida que havia sido anunciada enquanto o BofA e as autoridades reguladoras do sistema bancário tentavam dispersar o estigma associado a essa linha de crédito do Fed, para que outras instituições recorressem a ela.
Mas, então, o BofA voltou a recorrer ao Fed naquele mês por mais dois empréstimos de US$ 500 milhões, mostram os documentos. “Participamos a pedido do Federal Reserve para ajudar a estabilizar o sistema bancário global, num período de tensões sem precedentes”, disse Jerry Dubrowski, port-voz do banco de Charlotte, Carolina do Norte. “Na época que participamos, não tínhamos problemas de liquidez.”
Mais tarde, o BofA precisou ser socorrido pelo governo com US$ 45 bilhões, depois que as aquisições dos bancos Countrywide Financial Corp. e Merrill Lynch pressionaram seu capital.
As autoridades reguladoras nunca revelaram quais bancos usaram a janela de desconto desde que os empréstimos tiveram início em 1914. O Bank of America pagou em 2009 os empréstimos que tomou durante a crise.
O banco comprou US$ 2 bilhões em ações preferenciais do Countrywide em 22 de agosto, para ajudar a manter o deficitário banco especializado em hipotecas subprime operando. Então, ele anunciou um “takeover” completo do Countrywide em janeiro de 2008. Os empréstimos tomados pela janela de desconto em agosto de 2007 não têm relação com o investimento do BofA no Countrywide, garantiu ontem Dubrowski.
O J.P. Morgan Chase e o Wachovia Corp. também tomaram emprestados US$ 500 milhões do Fed naquele mês, segundo informou o BofA em um comunicado conjunto de 22 de agosto de 2007. O Citigroup disse separadamente que tomou emprestados US$ 500 milhões. Os empréstimos totais contraídos pela janela de desconto, o mais antigo programa de empréstimos do Fed, dispararam para US$ 11 bilhões na semana encerrada em 28 de outubro de 2008.
“Embora o Bank of America e as três outras instituições tenham uma liquidez substancial e capacidade para tomar dinheiro em outros lugares sob condições mais favoráveis, as instituições acreditam ser importante a esta altura assumir um papel de liderança e demonstrar o potencial valor da janela de desconto”, dizia o comunicado emitido na ocasião.
“Isso é um grande marco para o interesse público”, disse Walker Todd, um ex-advogado do Fed que escreveu uma análise sobre a linha de crédito do banco. “Há muito tempo eles queriam manter a janela de desconto confidencial. Eles sempre tiveram uma posição firme sobre isso. Não querem informar ao público para quem eles estão emprestando.”
A lei Dodd-Frank eximiu a linha de crédito no ano passado, quando exigiu que o Fed divulgasse detalhes dos programas emergenciais que concederam US$ 3,3 trilhões a instituições financeiras para conter a crise de crédito.
O Congresso já havia ordenado a divulgação dos empréstimos concedidos através da janela de desconto depois de 21 de julho de 2010, com atraso de dois anos, mas os registros divulgados ontem representam a única fonte pública de detalhes sobre os empréstimos realizados nessa linha durante a crise.
“É interesse do banco central dar muita importância à proteção de sua reputação e, no mundo moderno, isso significa que ele precisa fazer tudo com a maior transparência possível”, disse Marvin Goodfriend, economista da Universidade Carnegie Mellon em Pittsburgh, que vem pesquisando a transparência do Fed desde a década de 80.
“Não vejo por que o banco central não deva estar disposto a divulgar, com um atraso, a maior parte do que está divulgando”, disse Goodfriend, ex-consultor de políticas do Fed de Richmond.
Os documentos mostram que o Fed forneceu crédito para tomadores grandes e pequenos. Uma página descrita como “Concessões de Crédito Primário, 5 de fevereiro de 2008” lista a agência de Nova York do banco alemão Deutsche Bank como recebedora de empréstimo de US$ 455 milhões do Fed de Nova York. No mesmo dia, o Macon Bank aparece como recebedor de empréstimo de US$ 1.000 do Fed de Richmond.
O Arab Banking Corp., controlado pelo Banco Central da Líbia, usou uma agência em Nova York para obter empréstimos de pelo menos US$ 5 bilhões no Fed em 2008 e 2009. Cerca de US$ 1,1 bilhão foram conseguidos na linha de redesconto do Fed em outubro de 2008.
A linha de redesconto foi a primeira ferramenta usada pelo presidente do Fed Ben Bernanke quando o pânico com os calotes nas hipotecas subprime levou os bancos a apertarem os empréstimos em 2007. O Fed reduziu a taxa de desconto que cobrava dos bancos pelos empréstimos diretos para 5,75% em 17 de agosto de 2007, e continuou reduzindo a taxa até ela chegar a 0,5% no fim de 2008. Hoje, ela está em 0,75%.
Os empréstimos deram uma proteção aos bancos. Funcionários do Fed afirmam que todos os empréstimos concedidos através do programa durante a crise foram pagos com juros. Com pouco mais de um telefonema para uma das 12 representações do Fed espalhadas pelo EUA, um banco de qualquer parte do país pode solicitar dinheiro pela janela de desconto.