Carolina Mandl e Fernando Torres
Valor Econômico
De cada R$ 100 emprestados no Brasil, R$ 80,34 foram desembolsados por apenas cinco bancos: Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Santander. Os números, que levam em conta o estoque de crédito atual, mostram o maior nível de concentração bancária dos últimos dez anos e, provavelmente, desde sempre.
Há uma década, as cinco maiores instituições não tinham nem 60% do estoque de crédito do país. De cada R$ 100 desembolsados, eram responsáveis por R$ 58,66, segundo dados do Banco Central elaborados pelo Valor.
Não é apenas nos empréstimos e financiamentos que a predominância do “grupo dos cinco” é crescente. Em ativos totais e depósitos, o fenômeno se repete. Mas é no crédito que a concentração costuma provocar mais chiadeira por parte dos tomadores.
Em recente entrevista ao Valor Econômico, o presidente de uma grande distribuidora de energia comentou que a quantidade de grandes bancos ficou tão diminuta que as empresas não podem mais se indispor com nenhum deles, principalmente em momentos de turbulência.
Sempre que um banco compra ou se funde com outro, a reclamação das empresas é a mesma. Quando se fala em limite de crédito, a regra matemática não funciona: um mais um nunca é igual a dois. A disponibilidade de crédito dada por dois bancos separados não corresponde ao mesmo volume que eles passam a oferecer quando se unem. As empresas também avaliam que o poder de barganha delas em relação ao custo do dinheiro cai.
Desde 2008, não foram poucos – nem pequenos – os casos de fusão e aquisição no setor bancário que colaboraram para a maior concentração de ativos, crédito e depósitos nas mãos dos cinco maiores bancos do país. A largada foi dada quando o Santander assumiu o Real, em 2008. Pouco depois, Itaú e Unibanco fundiram suas operações, criando o maior banco brasileiro. Em seguida, o Banco do Brasil ficou com a Nossa Caixa e, em 2009, ainda comprou metade do Banco Votorantim.
Mais recentemente, em julho, Itaú e BMG se uniram em um novo banco para ofertar crédito consignado. O empréstimo com desconto direto na folha de pagamento era uma das poucas modalidades de crédito de varejo que ainda tinha bancos médios especializados como concorrentes, mas que está cada vez mais ficando nas mãos dos grandes bancos. O Cruzeiro do Sul, por exemplo, está sob intervenção do Banco Central e pode acabar sob o controle de uma instituição do “grupo dos cinco” ou liquidado.
Não são, porém, apenas as fusões e aquisições que explicam a concentração cada vez mais intensa do crédito. Dentro desse “grupo dos cinco”, os protagonistas da aglutinação são os bancos públicos, que cresceram principalmente de forma orgânica. Se, em 2002, Banco do Brasil e Caixa eram responsáveis por R$ 25,83 de cada R$ 100 emprestados, hoje eles respondem por R$ 39,08, ou R$ 13,25 a mais, sem se considerar o BNDES. No mesmo período, as três maiores instituições privadas avançaram bem menos juntas, R$ 8,43.
Até o fim do ano, a expectativa é que o quinhão dos bancos públicos cresça ainda mais. Em um ano de baixo crescimento econômico, em que o governo deflagrou uma batalha pela redução dos spreads no Brasil, Caixa e BB seguem crescendo mais do que a média de sistema financeiro, abocanhando – mesmo que temporariamente – fatias de mercado. (ler reportagem na página C8) Ao mesmo tempo, Bradesco e Itaú Unibanco reduziram a previsão de expansão do crédito no ano.
Apesar do rápido fortalecimento do “grupo dos cinco”, o Banco Central considera que a concorrência continua em “nível adequado”. Pelas métricas da autoridade, que seguem um cálculo internacional (Índice de Herfindahl-Hirschman), o patamar de concentração ainda está na categoria moderada. “O setor segue competitivo, gerando as eficiências que asseguram o seu regular funcionamento e a adequada prestação de serviços aos usuários”, afirma a autoridade por meio de uma nota.
Mas é inegável que a autoridade tem lançado mão recentemente de algumas medidas para evitar uma concentração excessiva. O Banco Central cita entre as decisões tomadas para estimular a concorrência bancária a padronização das tarifas cobradas, a portabilidade do crédito e a proibição de assinaturas de contratos de exclusividade na prestação de serviços. Em abril, a autoridade publicou uma circular explicitando que em fusões e aquisições pode exigir que os bancos aceitem determinações no sentido de eliminar efeitos anticoncorrenciais. Na aquisição da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil, o BC já chegou a atuar nesse sentido.
O “nível adequado” apontado pelo Banco Central brasileiro, entretanto, provavelmente deixaria muitos americanos de cabelo em pé. Nos Estados Unidos, onde muito se fala dos bancos grandes demais para quebrar – os chamados “too big to fail” -, as cinco maiores instituições financeiras possuíam ativos totais equivalentes a 51% do PIB daquele país em 2007, antes do estouro da crise financeira. Naquele mesmo ano, os ativos dos cinco maiores banco do Brasil representavam 57% do PIB doméstico.
Mas, embora os EUA tenham sido o epicentro da crise e visto uma série de fusões entre instituições de grande porte antes e depois da quebra do Lehman Brothers, a desalavancagem que se sucedeu fez com que os cinco maiores bancos daquele país tivessem, em março, ativos que correspondiam a 56% do PIB de 12 meses até a mesma data, indicando uma pequena elevação ante 2007. No Brasil, o aumento da concentração foi muito maior, com a fatia dos ativos do “grupo dos cinco” atingindo 86% do PIB brasileiro, uma alta de quase 30 pontos percentuais.